O Globo
Os artigos 1º e 2º da Constituição Federal
são concisos e guardam conceitos oriundos de uma longa evolução histórica.
Ambos resgatam doutrinas que se opõem ao autoritarismo e que, atualmente,
representam características de nações civilizadas. O Artigo 1º define que a
República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito. O Artigo 2º
determina que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deverão ser
harmônicos e independentes. Desses conceitos, quero me ater à interligação de
democracia e harmonia entre os Poderes, com o objetivo de reafirmar esses
valores constitucionais como imperativos da proteção aos direitos e às
liberdades da população.
Na Grécia Antiga, o incômodo com o governo tirânico deu origem a um novo regime de governo, chamado democracia. Em grego, democracia significa poder político (kratos) do povo (demo). O conceito do que é um governo democrático não é único. Passou por amplo desenvolvimento histórico até chegar ao que hoje entendo mais adequado: a democracia constitucional. Em poucas palavras, na democracia o titular do poder soberano é o povo, que o exerce diretamente (democracia direta) ou por meio de seus representantes eleitos (democracia representativa). A democracia constitucional adiciona à soberania popular a necessidade de que sejam respeitados os direitos fundamentais, sobretudo das minorias, e de que o poder seja limitado pela Constituição.
Tal limitação, no nosso sistema
constitucional, dá-se pela separação dos Poderes, que devem atuar com
independência e harmonia. Como a democracia, a separação dos Poderes também foi
desenvolvida em oposição ao autoritarismo. Locke e Montesquieu são os
idealizadores modernos dessa teoria, cujo objetivo era impedir o poder sem
limites. Tal sistema determina que os depositários do poder do Estado tenham
algum nível de harmonia e cooperação, além de estabelecer mecanismos recíprocos
de controle (sistema de freios e contrapesos, ou checks and balances).
Vivemos atualmente uma espécie de crise de
confiança nessas estruturas de poder. Trata-se de fenômeno mundial, é verdade,
mas que deve preocupar a todos os cidadãos brasileiros. É papel de todos,
principalmente dos agentes políticos, robustecer nossa democracia
constitucional. Isso porque o sistema democrático é o único regime político que
propõe soluções legítimas e institucionalizadas aos conflitos políticos e
sociais. Nele, a solução dos dissensos possui regras e limites claros,
estabelecidos na Constituição. As instituições devem funcionar como fatores de
estabilização das tensões políticas para garantir elementos caros às
democracias modernas, como o processo eleitoral, atual foco de questionamento.
Não há motivo razoável ou justa causa para contestar sua lisura no Brasil. A
modernização tecnológica veio para sanar as fraudes do voto em papel, superando
práticas como o voto de cabresto ou o abuso do poder econômico. As mudanças
promovidas pela Justiça Eleitoral a partir da redemocratização, sobretudo com o
advento das urnas eletrônicas, conferiram ao processo eleitoral mais
confiabilidade e transparência, um motivo de orgulho para nosso país.
Todos nós, cidadãos brasileiros, temos a
missão de evitar o que se tem chamado de erosão democrática, garantindo que não
haverá retrocesso civilizatório em nossa nação. O caminho oposto leva ao
autoritarismo, à restrição de liberdades e à aniquilação de direitos. Não
queremos isso. Lutamos contra isso para chegar ao que somos hoje. Uma
democracia jovem, é verdade, mas que já mostra sua resiliência e força. O
caminho para preservar os direitos fundamentais, impedir o poder ilimitado e
assegurar a estabilidade, nós já sabemos. Vamos confiar na legitimidade dos
nossos Poderes, que atuam dentro de suas funções independentes, previstas na
Constituição. Vamos conservar as relações harmônicas entre eles, priorizando o
diálogo. Respeitemos os mecanismos de contenção usados dentro das balizas
constitucionais. Devemos, por fim, assegurar a higidez do processo eleitoral,
com eleições periódicas, cujo resultado legítimo e confiável deve ser apurado
pela Justiça Eleitoral por meio das urnas eletrônicas.
Reafirmo que a democracia não está em risco, pois temos instituições sólidas que estão em busca do equilíbrio institucional por intermédio de um pacto republicano. A harmonia entre os Poderes é essencial para que possamos preservar a democracia e o Estado de Direito, garantir as eleições gerais em outubro de 2022 e avançar em busca do país cada vez mais civilizado que queremos e merecemos.
*Presidente do Senado (PSD-MG) e do Congresso Nacional
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