quarta-feira, 11 de maio de 2022

Vera Magalhães: Hora do salve-se quem puder

O Globo

Numa eleição em que, cinco meses antes do pleito, dois candidatos já concentram cerca de 70% das intenções de voto, é tarefa cada vez mais hercúlea aos demais postulantes se manter no páreo, ainda mais num cenário de escassez de dinheiro para bancar campanhas.

São muitas as causas para que essa consolidação de Lula e Jair Bolsonaro nas primeiras colocações na preferência do eleitor tenha ocorrido, da inexplicável inapetência dos demais partidos pela Presidência da República a uma espécie de profecia autorrealizável que levou o eleitorado a antecipar para o primeiro turno, pela segunda eleição consecutiva, uma escolha que ele só precisaria fazer no segundo.

Diante desse cenário que permanece imutável nas pesquisas semana a semana — na verdade se acentua, dado o crescimento lento, mas ainda assim assustador, de Bolsonaro —, a situação dos demais postulantes vai se assemelhando a um salve-se quem puder. Como num reality show político, os pré-candidatos foram sendo “eliminados” por não reunirem condições mínimas de brigar no primeiro pelotão.

Restam, agora, Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB) e Simone Tebet (MDB), lutando para levar seus projetos até o fim, e André Janones (Avante) e Luciano Bivar (União Brasil), que devem figurar na cédula, mas cujos partidos nunca chegaram a ter aspiração real de disputar com chance.

PSDB e MDB parecem não saber o que fazer com a data que eles mesmos fixaram para o “resta um” entre seus pré-candidatos. Eduardo Leite caiu fora, Sergio Moro foi limado, Bivar se retirou da brincadeira, agora ficaram Tebet e Doria à espera de algum critério que defina quem será cabeça de chapa e quem será vice (se é que um deles topará esse prêmio de consolação).

É como uma dança das cadeiras desanimada, numa festa de criança a que a maioria dos convidados não compareceu. Nem os próprios partidos se animam de verdade com essa “concertação”. Por eles, deixariam esse negócio de Planalto de lado e cuidariam de tentar fazer bancadas e angariar fundo partidário, como seus colegas de outras legendas estão fazendo. É mais por insistência dos pré-candidatos que se mantém a tentativa de acordo, mas essa insistência também parte da expectativa de cada um deles de que será o escolhido, nunca o contrário.

O momento vivido por Ciro não é mais confortável. Veterano em disputas, ele viu seu projeto de, finalmente, ser o nome mais competitivo da esquerda ser abatido quando Lula ficou liberado para disputar. Se, a esta altura da cristalização dos votos, já é difícil para Doria ou Tebet desbancar Bolsonaro na etapa final, fica quase impossível a estratégia de Ciro: credenciar-se para ir na “vaga” de Lula.

Nem João Santana conseguiu emplacar um discurso para operar esse milagre, e, uma vez consolidada a chapa com Geraldo Alckmin e a ampla frente que ele vem costurando, Lula passou agora a se dedicar a atrair o PDT, se não oficialmente, ao menos na prática, tomando de seu ex-ministro palanques relevantes.

Na retórica, as cúpulas partidárias renovarão a intenção de combater uma polarização que só foi possível porque faltaram ao autointitulado “centro democrático” foco, estratégia e, sobretudo, coragem para combater Bolsonaro.

Na base do orçamento secreto e do “vamos deixá-lo sangrar para chegar fraco à eleição”, permitiram que o capitão saísse da lona e voltasse ao jogo competitivo eleitoralmente e liberado para investir explicitamente contra o próprio processo eleitoral.

Agora restam poucas armas e poucos soldados para estar à frente da resistência que será necessária a esse teste de estresse da democracia. E pior: muitos fingindo-se de indignados, mas dispostos a deixar o golpismo avançar sem lhe dar combate algum.

 

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