O Globo
Numa eleição em que, cinco meses antes do
pleito, dois candidatos já concentram cerca de 70% das intenções de voto, é
tarefa cada vez mais hercúlea aos demais postulantes se manter no páreo, ainda
mais num cenário de escassez de dinheiro para bancar campanhas.
São muitas as causas para que essa
consolidação de Lula e Jair Bolsonaro nas primeiras colocações na preferência
do eleitor tenha ocorrido, da inexplicável inapetência dos demais partidos pela
Presidência da República a uma espécie de profecia autorrealizável que levou o
eleitorado a antecipar para o primeiro turno, pela segunda eleição consecutiva,
uma escolha que ele só precisaria fazer no segundo.
Diante desse cenário que permanece imutável
nas pesquisas semana a semana — na verdade se acentua, dado o crescimento
lento, mas ainda assim assustador, de Bolsonaro —, a situação dos demais
postulantes vai se assemelhando a um salve-se quem puder. Como num reality show político, os
pré-candidatos foram sendo “eliminados” por não reunirem condições mínimas de
brigar no primeiro pelotão.
Restam, agora, Ciro Gomes (PDT), João Doria
(PSDB) e Simone Tebet (MDB), lutando para levar seus projetos até o fim, e
André Janones (Avante) e Luciano Bivar (União Brasil), que devem figurar na
cédula, mas cujos partidos nunca chegaram a ter aspiração real de disputar com
chance.
PSDB e MDB parecem não saber o que fazer com a data que eles mesmos fixaram para o “resta um” entre seus pré-candidatos. Eduardo Leite caiu fora, Sergio Moro foi limado, Bivar se retirou da brincadeira, agora ficaram Tebet e Doria à espera de algum critério que defina quem será cabeça de chapa e quem será vice (se é que um deles topará esse prêmio de consolação).
É como uma dança das cadeiras desanimada, numa
festa de criança a que a maioria dos convidados não compareceu. Nem os próprios
partidos se animam de verdade com essa “concertação”. Por eles, deixariam esse
negócio de Planalto de lado e cuidariam de tentar fazer bancadas e angariar
fundo partidário, como seus colegas de outras legendas estão fazendo. É mais
por insistência dos pré-candidatos que se mantém a tentativa de acordo, mas
essa insistência também parte da expectativa de cada um deles de que será o
escolhido, nunca o contrário.
O momento vivido por Ciro não é mais
confortável. Veterano em disputas, ele viu seu projeto de, finalmente, ser o
nome mais competitivo da esquerda ser abatido quando Lula ficou liberado para
disputar. Se, a esta altura da cristalização dos votos, já é difícil para Doria
ou Tebet desbancar Bolsonaro na etapa final, fica quase impossível a estratégia
de Ciro: credenciar-se para ir na “vaga” de Lula.
Nem João Santana conseguiu emplacar um
discurso para operar esse milagre, e, uma vez consolidada a chapa com Geraldo
Alckmin e a ampla frente que ele vem costurando, Lula passou agora a se dedicar
a atrair o PDT, se não oficialmente, ao menos na prática, tomando de seu
ex-ministro palanques relevantes.
Na retórica, as cúpulas partidárias
renovarão a intenção de combater uma polarização que só foi possível porque
faltaram ao autointitulado “centro democrático” foco, estratégia e, sobretudo,
coragem para combater Bolsonaro.
Na base do orçamento secreto e do “vamos
deixá-lo sangrar para chegar fraco à eleição”, permitiram que o capitão saísse
da lona e voltasse ao jogo competitivo eleitoralmente e liberado para investir
explicitamente contra o próprio processo eleitoral.
Agora restam poucas armas e poucos soldados
para estar à frente da resistência que será necessária a esse teste de estresse
da democracia. E pior: muitos fingindo-se de indignados, mas dispostos a deixar
o golpismo avançar sem lhe dar combate algum.
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