domingo, 15 de maio de 2022

Vinicius Torres Freire: A guerra dos dinheiros de 2023

Folha de S. Paulo

Disputa pelo gasto público vai se acirrar e pode afundar governo já no ano que vem

O gasto do governo federal com militares ficou estável em relação a 2019 ou 2017, se a despesa é calculada como proporção do PIB (da renda anual da economia).

A despesa com militares da ativa e seus aposentados e pensionistas cresceu, sim. Mas cresceu quase tanto quanto o PIB, quanto a economia.

A despesa com servidores civis diminuiu 0,46% do PIB desde 2019. Seus salários foram em geral congelados; os militares tiveram rearranjos na carreira e uma Previdência especial, cortesia de Jair Bolsonaro.

Mas o assunto aqui não é essa diferença de tratamento. A diferença entre civis e militares é apenas um exemplo da grande disputa por dinheiros públicos (e privados, via impostos), que vai se acirrar a partir de 2023.

Deixando de lado outras consequências sérias, por ora, para financiar a despesa extra haverá mais impostos ou mais dívida. Mesmo com a reformulação ou abandono do teto de gastos, haverá disputas graves.

Em termos estritos, o teto foi um limite de despesa apenas em 2018 e 2019. Em 2017, primeiro ano de vigência, o teto era alto. Michel Temer aumentou despesas para si antes de limitá-las para governos seguintes.

Em 2020 e 2021, houve gastos extraordinários com a epidemia, com um resto relevante neste 2022, que tem despesas infladas ainda pelas gambiarras aprovadas no final do ano passado.

Em fins de 2019, era evidente que o teto logo viria a ser estourado ou haveria cortes incapacitantes na despesa do governo. Em 2023, o problema vai voltar, piorado pelas ilusões eufóricas da eleição.

O governo ora gasta menos do que no final de 2019 (na despesa calculada como proporção do PIB). O grosso do "ajuste" ocorreu por meio de redução de despesa com pessoal civil, Previdência do INSS, abono salarial e seguro-desemprego e custeio administrativo.

Ainda assim, o governo federal tem déficit, mesmo sem contar a despesa com juros. A partir de 2023, a dívida vai crescer, pois a receita não vai aumentar tão rápido como agora (cortesia de inflação e commodities), haverá mais juros para pagar e o crescimento do PIB será baixíssimo (ou um tico melhor, se o eleito promover um "choque de confiança" no final do ano).

Os servidores civis vão querer reajuste. Haverá pressão pelo reajuste do salário mínimo além da inflação, o que elevará despesas previdenciárias.

O governo federal quererá aumentar o gasto em obras. A despesa de investimento é praticamente a metade do que era (em termos de PIB) à de Lula 2 e Dilma 1.

Parte da despesa de investimento é dirigida para obras paroquiais e de baixo impacto econômico, determinadas por emendas parlamentares. O valor das emendas quase triplicou de 2019 para 2021. Ora equivale a mais de metade do investimento federal. Vai haver disputa aqui ou aumento grande de despesa, pois os parlamentares não vão abrir mão desse poder rendoso.

De onde sairia dinheiro para um programa mínimo social (SUS, casas, creches, renda básica)?

Sem remanejamento e controle das maiores despesas atuais (Previdência e salários crescendo menos do que o PIB), sairia de mais imposto (ou redução de favores tributários, o que dá na mesma) e/ou de mais dívida. Mesmo que se acredite na ideia temerária de que mais despesa resulta em mais crescimento do PIB, no curto prazo vai haver apenas mais dívida. A perspectiva de que a dívida pública vá crescer sem limite dará em besteira.

É possível mudar sem que tudo vá pelos ares, sem que o próximo governo comece a afundar já em 2023. Mas a situação socioeconômica, política, das contas públicas e da economia mundial é muitíssimo pior do que em 2003. Como tentar fazer essa mágica será tema de outras colunas.

 

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