Valor Econômico
Economistas pregam revisão do arcabouço de
política monetária
O regime de metas de inflação está em vigor
há 23 anos no Brasil e serviu como uma boa âncora para atravessar várias
crises. Mas nossos resultados são piores que os de nossos vizinhos. A inflação
superou a meta em 74% dos anos, ante 61% na Colômbia, 52% no Peru e 43% no
Chile.
Quem cita esses números são os economistas
Ricardo Barboza, do FGV Ibre, e Mauricio Furtado, do BNDES, em um texto para
discussão com dez propostas para melhorar o funcionamento da política monetária
no Brasil.
Algumas sugestões são polêmicas e, certamente, não terão apoio de todos. Mas o trabalho tem o mérito de levantar o debate sobre a necessidade de uma avaliação periódica do regime de metas.
Por sinal, essa é uma das propostas de
Barboza e Furtado. O Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos),
por exemplo, fez em 2019 uma revisão pública do seu arcabouço de política
monetária, incluindo estratégia, instrumentos e prática de comunicação. O Fed
fez uma consulta pública e organizou um seminário, o chamado “Fed Listens
Event”, literalmente um evento para o Fed ouvir a opinião dos especialistas
independentes.
Os dois economistas colocam, como primeira
proposta, que o BC exerça de fato o duplo mandato. Na lei de independência do
BC, foi atribuída uma função secundária de “suavizar as flutuações do nível de
atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, além dos mandatos principais
de estabilidade monetária e financeira.
O Banco Central argumenta que está
cumprindo esse duplo mandato. O presidente da instituição, Roberto Campos Neto,
costuma dizer que, como o Brasil tem um longo histórico de indexação, qualquer
descuido com a inflação exige um esforço posterior tremendo, com maiores
prejuízos à atividade. Assim, cuidar bem da inflação é cuidar da atividade.
Outro argumento dos dirigentes do BC é que
já tem sido flexíveis, ao acomodar no intervalo de tolerância das metas os
efeitos primários de choques de oferta. Está acomodando, por exemplo, uma
inflação maior neste ano, fazendo-a convergir à meta só em 2023.
Barboza e Furtado acham que,
historicamente, isso não tem acontecido. Segundo eles, dos 23 anos do regime de
metas de inflação, a economia operou com ociosidade em 16, segundo estimativas
do Ipea, da Instituição Fiscal Independente (IFI) e do núcleo de contas nacionais
do FGV Ibre.
O curioso é que, nesses 23 anos, o núcleo
de inflação que exclui tarifas e alimentos (EX0) ficou acima da meta em 15
anos. Ou seja, a economia operou abaixo da capacidade e a inflação ficou muito
alta.
Eles dizem que isso aconteceu porque a
economia foi afetada por uma série de choques de oferta, que faz tanto a
inflação subir como a economia cair. Ou seja, o BC fica num dilema, porque os
objetivos entram em conflito: para combater a inflação do choque de oferta, tem
que subir os juros, deprimindo a economia. “Quando isso [o conflito] acontece,
a sociedade gostaria que o BC atribuísse maior importância para a atividade
econômica do que normalmente faz”, sustentam.
Essa não é uma discussão que se esgota
fácil. Há duas semanas, o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore disse que o
BC comandado por Campos Neto dá um peso maior à atividade do que o anterior,
chefiado por Ilan Goldfajn.
Mas o fato é que, quem for procurar essa
discussão nos documentos oficiais do Comitê de Política Monetária (Copom), não
vai achar muito, além de uma frase padrão repetida em todas as reuniões,
dizendo que a decisão está em linha com o objetivo de suavizar as flutuações da
atividade.
Barboza e Furtado acham que o BC deveria
publicar mais informações sobre como está cuidando da atividade, como a
divulgação mais detalhada da trajetória do nível de ociosidade prevista nas
projeções de inflação; divulgação de como a ociosidade da economia se comporta
diante de diferentes choques; e a estimativa da taxa de desemprego que não
acelera nem desacelera a inflação.
O texto também defende que, formalmente, as
metas por ano-calendário sejam substituídas por uma meta de médio prazo. Na
prática, reconhecem, o BC faz isso. Mas esse sistema informal acaba gerando
ruídos.
A meta por ano-calendário é considerada
importante porque é o momento de o BC prestar contas, no caso de estouro do
teto da meta, escrevendo uma carta aberta ao ministro da Economia. Eles
defendem que o chefe do BC passe a se explicar ao fim de cada ano em que a
inflação acumulada em 12 meses superar o teto da meta em pelo menos um mês.
Os economistas também sugerem transmitir as
reuniões de membros do Copom com economistas do mercado para, segundo eles,
reduzir os ruídos gerados nas mesas de operação de mercado. Essa foi uma ideia
levantada pelo próprio Campos Neto no início de seu mandato, mas que não foi
levada adiante.
Pregam ainda uma quarentena mais longa para
os ex-membros do Copom, hoje de seis meses. “Muito se fala, com razão, sobre a
importância da autonomia do BC em relação aos políticos”, dizem. “No entanto,
pouco se fala sobre a autonomia do BC em relação ao mercado.” Eles sugerem um
período de dois anos, como no alto escalão do Banco Central Europeu (BCE).
No item transparência, eles reconhecem que
houve avanços, como a publicação de parâmetros dos modelos de projeções de
inflação. Mas ponderam que o Brasil ainda está longe da fronteira da
transparência. Apontam o exemplo do Fed, que abre os programas usados e os
dados que permitem simulações de seus modelos econômicos.
Outra proposta é mudar a composição do
Copom, que é formado por diretores do BC, alguns sem experiência profissional
ou acadêmica em política monetária. Falta ainda, argumentam, diversidade. Eles
defendem uma diretoria de especialistas, com membros independentes, como ocorre
no Banco da Inglaterra.
Por fim, os economistas trazem de volta
alguns assuntos já levantados, como refletir sobre a meta de inflação de 3%,
que, apontam, foi estabelecida simplesmente como uma cópia do objetivo de
outros países emergentes, sem estudos mais detalhados. Defendem, ainda, adotar
como meta um núcleo de inflação, em vez do índice cheio.
Tentando entender um pouco sobre economia.
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