Por O Globo, AFP
BOGOTÁ - As primeiras
palavras de Gustavo Petro como
presidente eleito foram de conciliação. O primeiro
político de esquerda a chegar à Casa de Nariño prometeu que o
país terá pela frente dias de “mudanças de verdade” que não terão por fim a
vingança ou o aumento do ódio e do sectarismo, mas sim uma “política do amor”
em que a oposição será bem-vinda. Os desafios para pôr o plano em prática,
contudo, não são poucos.
Antes mesmo dos colombianos irem às urnas,
já se especulava sobre a composição do Gabinete de Petro. Um dos anúncios mais
esperados é o do novo ocupante da Fazenda, porque a ascensão da esquerda gerou
medo nos empresários e na direita. Em seu discurso, o presidente eleito foi
claro e apaziguador:
— Foi uma campanha de mentiras e medo.
Falaram que iríamos expropriar colombianos, que iríamos destruir a propriedade
privada — afirmou. — Francamente, digo o seguinte: vamos desenvolver o
capitalismo na Colômbia.
Não porque o adoramos, mas porque primeiro temos que superar a pré-modernidade,
o feudalismo e as novas escravidões.
Não há dúvidas sobre para quem o recado era
direcionada, disse à AFP Felipe Botero, cientista político da Universidade de
Los Andes:
— Foi uma mensagem claríssima à direita, dizendo “eu sou de esquerda, mas isso não quer dizer que vou mudar radicalmente o modelo econômico".
Ainda durante a campanha, Petro deu sinais sobre quem poderia comandar as finanças do país, talvez por ter visto a má reação dos mercados chilenos após a vitória de seu amigo Gabriel Boric, também de esquerda, em dezembro do ano passado. A disparada do dólar cessou após o jovem ocupante do Palácio de La Moneda nomear seu ministro da Fazenda, Mario Maciel, que até então liderava o Banco Central e havia militado no Partido Socialista, de centro-esquerda.
Fazenda nos holofotes
Petro mencionou o nome do ex-ministro da
Fazenda Rudolf Hommes, que ocupou a pasta durante o mandato de César Gaviria
(1990-1994) e que teve a responsabilidade de abrir as fronteiras colombianas ao
mercado internacional. Na reta final da campanha, Hommes declarou seu apoio à
candidatura de Petro.
Outro nome cogitado foi o de José Antonio
Ocampo, assessor do centrista Sergio
Fajardo, líder da Coalizão pela Esperança e ex-prefeito de Medellín,
e do chileno Boric em suas campanhas presidenciais. Ele é ex-professor da
Universidade Columbia, em Nova York, ex-ministro da Fazenda e da Agricultura e
antigo secretário-executivo da Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe (Cepal).
O nome do ex-reitor da Universidade dos
Andes e pré-candidato pela coalizão de Fajardo, Alejandro Gaviria, que estaria
colaborando na elaboração de um programa econômico para acalmar os mercados,
também é especulado, junto ao do economista Luis Jorge Garay. Ex-assessor e
consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento, ele é doutor em Economia
pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA.
Uma preocupação na
reta final do pleito polarizado era que uma contestação do resultado terminasse
em turbulências perigosas, algo que não aconteceu. Minutos após a
irreversibilidade da vitória de Petro ficar clara, seu opositor, Rodolfo
Hernández, admitiu derrota e o atual presidente, Iván Duque, ligou
para parabenizá-lo e orquestrar a transição.
O presidente conservador Iván Duque
afirmou, nesta segunda-feira (20), que irá garantir uma transição
"pacífica" e "transparente" com o primeiro governo de
esquerda na Colômbia,
após a vitória do senador e ex-guerrilheiro Gustavo Petro nas eleições de
domingo.
— Todo o nosso apoio para garantir uma
transição transparente, eficaz, harmônica e pacífica pelo bem da Colômbia —
disse Duque nesta segunda em uma intervenção virtual no XV Fórum Atlântico, que
acontece na Casa América de Madri, na Espanha.
Há também a incógnita de como será a
recepção à esquerda em uma sociedade conservadora, com histórico de corrupção
no sistema eleitoral e extermínio de líderes esquerdistas no passado. A
histórica associação feita entre a esquerda e as Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (Farc),
grupo que travou um conflito armado de mais de cinco décadas com o governo,
também será um obstáculo para Petro, ex-integrante do M-19, um grupo de
guerrilha urbana que depôs armas em 1990.
O acordo de paz entre as Farc e o governo,
em 2016, decerto abriu alas para a esquerda chegar ao poder, mas a associação
ainda pode dificultar a vida de Petro na Casa de Nariño.
Forças Armadas
As tensões podem começar pelas Forças
Armadas, que precisarão jurar lealdade a um ex-guerrilheiro. No fim
de abril, Petro acusou integrantes da alta cúpula militar de serem aliados do
Clã do Golfo, o maior grupo narcotraficante do país. Em resposta, o comandante
do Exército, Eduardo Zapatero, o acusou de “politicagem” — uma rara intervenção
política em um país onde as forças de segurança são constitucionalmente
proibidas de participar do debate político e de votar.
— A desconfiança entre o presidente e os
militares é significativa — afirmou Sergio Guzmán, da consultoria Colombia Risk
Analysis.
De acordo com o analista, a chave é
“selecionar um ministro da Defesa que tenha respeito e confiança das Forças
Armadas” — caso contrário, “será um desastre”. Petro promete indicar uma mulher
para o cargo e, durante a campanha, afirmou que ela é especialista em direitos
humanos e é bem respeitada pelos militares. Não disse, contudo, quem será.
A escolha também é importante em um país
que vive em clima de tensão após os protestos antigoverno de 2019 e da greve
geral que, em 2021, deixou ao menos 80 mortos. Em seu discurso de domingo,
Petro pediu para que o Ministério Público liberte os jovens presos durante as manifestações
e levou ao palco a mãe de um adolescente morto durante confrontos com as forças
de segurança há três anos.
Grande Acordo Nacional
Os obstáculos no Legislativo, onde terá uma
bancada significativa que foi eleita em março, mas não majoritária, também são
um desafio. Sua resposta é o que chama de um Grande Acordo Nacional,
articulando com setores do centro, empresariais e políticos tradicionais
consensos ao redor de temas como o combate à pobreza e o desemprego.
O objetivo é “construir a paz”, disse ele,
afirmando que não usará o poder para “destruir a oposição” ou “persegui-la”,
buscando apenas o diálogo. As próximas semanas, contudo, deverão deixar mais
claro qual será o teto da busca por consenso.
— Ele vai enfrentar uma oposição muito
forte, porque a direita neste país é a principal ideologia — afirmou Botero. —
Embora esteja dispersa em vários partidos, é fácil para eles se associarem e
desafiarem o governo.
Outro desafio para Petro deve ser seu plano
de fazer a transição energética na Colômbia,
com a drástica redução dos projetos de exploração de petróleo e a implementação
e desenvolvimento de tecnologias verdes. A resistência do setor é esperada,
particularmente diante do conturbado momento global, com a Guerra na Ucrânia e
a alta do preço internacional dos combustíveis e da inflação.
— Queremos que a Colômbia,
e essa será a prioridade da política diplomática, esteja na vanguarda mundial
na luta contra as mudanças climáticas — disse Petro, que também terá pela
frente o desafio de combater o crescente desmatamento na Amazônia colombiana. —
É necessário que a Colômbia salve
a selva amazônica para salvar a Humanidade — completou, prometendo dialogar com
os EUA, aliados tradicionais de Bogotá, sobre temas de justiça climática. (Com
El Tiempo)
Obstáculos sempre há de pintar por aí e por aqui.
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