sexta-feira, 3 de junho de 2022

Armando Castelar Pinheiro*: De furacões, futebol e incertezas

Valor Econômico

É uma época de especial incerteza porque nem as autoridades sabem o quanto apertarão a política monetária

Em seu último Panorama Econômico Global, publicado faz mês e meio, o FMI assim descreve os impactos econômicos da Guerra da Ucrânia: “Os efeitos econômicos da guerra estão se espalhando por toda parte - como ondas sísmicas que emanam do epicentro de um terremoto - principalmente através de mercados de commodities, comércio e ligações financeiras”.

Esta semana foi a vez do CEO do banco JP Morgan, Jamie Dimon, recorrer a fenômenos naturais para pintar, com tintas não menos fortes, na minha visão, o cenário econômico que ele enxerga à frente: “Eu disse que são nuvens de tempestade, são grandes nuvens de tempestade aqui. É um furacão. Aquele furacão está bem ali na estrada vindo em nossa direção. Só não sabemos se é um (furacão) pequeno ou uma super tempestade (como foi o) Sandy... E é melhor você se preparar”. (ver on.ft.com/3x0Ia5G)

O JP Morgan é o maior banco americano, medido pelo valor de ativos. Foi também, dentre os grandes bancos, o que melhor lidou com a crise financeira internacional de 2008-09, não apenas evitando contaminar seu balanço com as famosas “subprimes”, as hipotecas de alto risco, mas adquirindo várias instituições que quebraram com a crise, como o Bear Stearns.

Dimon já era o CEO do banco àquela época. Não deve surpreender, portanto, que suas declarações tenham, aparentemente, mexido com preços de ativos negociados em mercados bem líquidos. Assim, por exemplo, as ações do JP Morgan caíram 1,75% (www.glo.bo/3wW6LII), enquanto o retorno dos papéis de 10 anos do Tesouro americano recuaram 5 bps.

Dimon citou duas forças por trás do furação. Primeiro, uma escalada do preço do petróleo dos atuais US$ 118 para US$ 150 ou US$ 170 o barril: “Não estamos tomando as medidas adequadas para proteger a Europa do que vai acontecer no petróleo no curto prazo. E não estamos tomando as medidas adequadas para proteger todos vocês do que vai acontecer com o petróleo nos próximos cinco anos, o que significa que quase (certamente) tem que subir de preço”.

A segunda é o aperto monetário em curso nos EUA: “Eles não têm escolha porque há muita liquidez no sistema. Eles têm que remover um pouco da liquidez para parar a especulação, para reduzir os preços das casas e coisas assim. E você nunca passou pelo QT (Quantitative Tightening). Essa é uma grande mudança no fluxo de fundos ao redor do mundo. Não sei qual é o efeito disso”.

O furacão de Dimon, portanto, combina desaceleração global e aumento da volatilidade, com “ondas sísmicas” diversas, mas cuja magnitude é, na realidade, desconhecida. De fato, segundo ele: “Acho que não há problema em esperar que tudo acabe bem. Eu espero. Esses são meus cachinhos de ouro, espero”. E conclui: “Who the hell knows?".

A pergunta de Dimon conversa de perto com o livro “Noise”, de D. Kahneman, O. Sibony e C. Sunstein, três estrelas da Economia Comportamental, que já citei aqui antes. O ponto central do livro é, exatamente, que há muita incerteza e aleatoriedade no mundo e que, por motivos diversos, tendemos a não prestar muita atenção para isso. Entre as diferentes causas disso está, segundo os autores, a existência de um viés cognitivo que nos faz superestimar nossa capacidade de prever o futuro, menosprezando o impacto de eventos futuros, desconhecidos, o que os autores chamam de “ignorância objetiva”.

Em parte, pelo menos, esse viés resulta da “sensação predominante e equivocada de que eventos que não poderiam ter sido previstos podem, no entanto, ser entendidos”. Como se pudessem ser explicados pura e totalmente de forma lógica, assim menosprezando o papel do acaso.

Pense na final da Liga dos Campeões, sábado passado. Após a vitória do Real Madrid, não terão faltado explicações de como o time estava melhor posicionado taticamente, soube se defender, esperando o momento certo para atacar etc. A verdade, porém, é que se, por acaso, Courtois não defendesse um daqueles chutes, se a bola entrasse, em vez de bater na trave, o resultado teria sido provavelmente o oposto. Mesmo depois de iniciado o jogo, o resultado era mais incerto do que sugerem as análises a posteriori.

Exagerei? Pense então sobre as 82 projeções para o PIB do primeiro trimestre de 2022, que o Valor publicou segunda passada. Na média, o levantamento acertou a alta de 1%, comprovando a chamada Sabedoria das Multidões, conceito inicialmente proposto por Francis Galton. Mas, individualmente, as projeções variavam de -1,1% a 2,6%. Isso a respeito de uma estimativa sobre o passado, sobre algo que já ocorrera.

Em suma, estamos entrando em uma época de especial incerteza econômica, não apenas por ninguém ter informação completa, mas também porque nem as autoridades sabem o quanto acabarão apertando a política monetária etc. Trabalhar com cenários, como sugere implicitamente o CEO do JP Morgan, é sempre uma boa alternativa nesses casos. Mas igualmente importante é não subestimar o grau de incerteza com que estaremos vivendo.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

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