sábado, 25 de junho de 2022

Ascânio Seleme: O extremismo é burro; a intolerância, cega

O Globo

Com um radicalismo tosco, ultrapassado e autofágico, Jair Bolsonaro está pronto para inaugurar a galeria dos presidentes de um mandato só depois de instituído o princípio da reeleição

Mais claro que a luz do sol. Mais evidente que rainha de bateria. O extremismo, qualquer um, tem por objetivo desconstruir o mundo como o conhecemos, exterminando instituições, extinguindo o contrário, destruindo valores, mudando radicalmente a orientação. O extremismo é burro porque na sua essência trabalha pelo fim da vida e da liberdade, embora muitas vezes use a vida e a liberdade como bandeiras. Quem apoia radicais, de direita como Jair Bolsonaro, ou de esquerda, como o PCO de Rui Pimenta, está apoiando o seu próprio fim, a sua derrota, seja ela iminente ou futura.

Você pode dizer que é injusto comparar Bolsonaro a Rui Pimenta. Mas, a verdade é que os dois se encontram nas extremidades porque ambos, se pudessem, governariam sem Legislativo e Judiciário independentes. O PCO de Pimenta também defende o voto impresso, como Bolsonaro. E os dois são a favor de armar a população para se defender. De quem, por exemplo, é a frase: “Povo desarmado é povo escravizado; povo armado é povo que controla os seus destinos”? A frase é de Rui Pimenta, não se engane.

Os extremos na política precisam gerar permanente atrito, porque é pelo atrito que eles conseguem se movimentar e eventualmente crescer. O caso de Bolsonaro é um bom exemplo. Seu crescimento e consequente vitória eleitoral em 2018 se deu porque atritos e fricções entre o PT e os partidos de centro depois do impeachment de Dilma Rousseff e do escândalo envolvendo Michel Temer e Joesley Batista criaram situação intransponível e irritaram o eleitor, abrindo caminho para o radicalismo.

Ainda assim, Bolsonaro foi eleito não por ser extremista, mas por se associar ao discurso liberal pregado pelo então Posto Ipiranga, Paulo Guedes. O liberalismo bolsonarista, que na verdade nunca foi franco, deixou de existir formalmente quando o governo entregou ao Centrão a chave e o segredo do cofre. Bolsonaro tomou posse sofrendo da síndrome do impostor, que é aquele estado em que as pessoas percebem que foram beneficiadas pela sorte e não pelo talento. Com este quadro, e quando seus eleitores menos esperavam, surgiu o radical pronto para destruir todas as pontes usando a mentira e a desfaçatez como aliadas.

Por isso, o presidente que foi eleito com 55,3% dos votos no segundo turno de 2018 tem hoje, de acordo com o último Datafolha, 28%, e perderia para Lula num eventual segundo turno com apenas 34% dos eleitores ao seu lado; ou com 37% num embate com Ciro Gomes. O extremismo é burro, mas a maioria dos eleitores não é. O problema é que em alguns casos a intolerância cega as pessoas. É por esta razão, aliás, que o presidente segue com um apoio grande, ainda que não o suficiente para o eleger.

Exemplos clássicos de tolerância mostram que saber ouvir e compartilhar ajudam a governar e preservam os governantes. Desde a volta da eleição direta, o Brasil elegeu cinco presidentes: Fernando Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Bolsonaro. Os mais tolerantes sem qualquer sombra de dúvida foram FH e Lula, que se reelegeram. Collor fechou o Palácio ao Congresso e acabou impichado por corrupção. Dilma radicalizou no seu segundo mandato e teve o mesmo destino, mas por motivação política.

Bolsonaro, apesar de ter escancarado o governo para o Centrão, desestabilizou o resto da sua agenda, sobretudo com o Judiciário e com as instituições que são esteio da civilidade da nação, sejam públicas, como os ministérios da Educação, do Meio Ambiente e da Cultura, a Funai e a Fundação Palmares, sejam Organizações Não Governamentais. Só não vê isso quem não quer ver ou os que têm os seus olhos vendados pela intolerância.

Com este radicalismo tosco, ultrapassado e autofágico, Bolsonaro está pronto para inaugurar a galeria dos presidentes de um mandato só depois de instituído o princípio da reeleição. Nos EUA, que têm larga experiência no assunto, discute-se se o destino de presidentes de apenas um mandato, como Donald Trump, foi determinado por suas ações desastradas e erros políticos ou por questões que fugiram do seu controle. No Brasil, nenhuma dúvida, o radical extremista vai perder para si mesmo.

Lula no passado

A fala de Lula sobre os sequestradores de Abílio Diniz poderia ser compreensível há 30 anos. Em 1989, ao serem presos no estouro do cativeiro do empresário, os sequestradores usavam camisas com o logotipo do PT, que disputava com Lula o segundo turno da eleição presidencial contra Fernando Collor. Soube-se depois que as camisetas foram levadas ao cativeiro pela polícia. No julgamento dos dois canadenses do grupo (também composto por chilenos e brasileiros), setores da igreja e o PT deram apoio ao casal. Na época, O GLOBO mandou um repórter para o Canadá e constatou que Christine Lamont e David Spencer eram militantes políticos de esquerda que entraram para a clandestinidade dois anos antes do sequestro. O casal foi extraditado em 1998. Na semana passada, Lula disse que pediu a Fernando Henrique a extradição dos dois. Evidentemente o crime teve motivação política, mas ainda assim foi um crime violento. O mesmo grupo político sequestraria dois anos depois o publicitário Washington Olivetto, que permaneceu 53 dias trancado num cômodo de 1 metro de altura por três de comprimento, sem janelas ou luz natural. Diniz teve mais sorte, porque ficou apenas cinco dias preso dentro de um caixote de dois metros quadrados. Se defender criminosos capazes disso fazia algum sentido nos anos 1980 e início dos 1990, hoje não faz sentido algum. Lula falou com a voz do passado.

E agora, Jair?

Quando o ex-ministro Milton Ribeiro foi denunciado por dar abrigo a pastores bandidos no MEC, Jair Bolsonaro disse que era uma covardia o que faziam com ele e avisou que colocaria sua “cara no fogo” se o indigitado tivesse alguma culpa. Agora, segundo o Ministério Público Federal, houve interferência do presidente nas investigações da Polícia Federal e no processo após a prisão, impedindo o deslocamento de Ribeiro para Brasília e evitando o seu depoimento à PF. Vamos ver o que ele fará depois que Milton foi solto e virou um arquivo explosivo que vai fazer o que for preciso para não voltar para a cadeia.

Fake news

O senador zerinho saiu-se com mais uma estupenda mentira da lavra bolsonarista ao comentar a prisão do ministro que foi indicado para o cargo pela sua madrasta: “O presidente trabalha de domingo a domingo…”, disse o filhote se queixando de ataques ao pai numa entrevista amiga à Jovem Pan. Podia ter dito qualquer coisa, menos que o preguiçoso trabalha.

Terceira via

Aparentemente, não vai ser agora, por falta de tempo e porque a briga está polarizada demais, mas será bom para o Brasil se a terceira via se consolidar a ponto de ocupar um lugar de destaque na vida política e eleitoral do país no futuro. É necessário que se tenha aqui uma direita democrática, civilizada, com ideias e projetos alternativos para onde possam desaguar liberais e conservadores e para afastar de vez a hipótese estúpida da extrema-direita.

Centrão piorado

Não se pode dizer que o Centrão foi algum dia um agrupamento político do bem, dedicado a causas nacionais, preocupado com os rumos do país. Mas, agora, tem sido especialmente pior. Além de seguir vivendo de dinheiro e cargos públicos, o Centrão passou a abusar, provavelmente por orientação de Lira e Bolsonaro. Em duas semanas protagonizou a tentativa de passar emenda que tornaria o Congresso em instância revisora do Supremo e torpedeou a Lei das Estatais. Se as medidas fossem aprovadas, seus membros poderiam anular eventuais condenações e se aproximar ainda mais do Erário.

Acredite se quiser

“O Congresso está preocupado com os mais vulneráveis”. Que parlamentar você acha que pronunciou esta frase? Não, não foi Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição de 1988. Foi o inacreditável Arthur Lira protestando contra o aumento de preços dos combustíveis pela Petrobras, empresa que julga ser propriedade sua.

Dias de glória

Estudo da prestigiosa National Academy of Science (NSA), fundada em 1863 em Cambridge, Massachusetts, relata o percurso da galinha ao longo de mais de 8 mil anos. A certa altura da jornada, diz o estudo das NSA, o galináceo era uma ave considerada maravilhosa, exótica e reverenciada como símbolo de status do seu proprietário. O animal só passou a ser domesticado em escala para consumo humano há cerca de 3,5 mil anos. Se até a galinha teve seus dias de glória, por que Arthur Lira não pode também ter os seus?

Dinossauro

Dizem que a galinha é a parente mais próxima dos dinossauros. Em 1980, descobriu-se na Bélgica o fóssil de uma penosa de 66,7 milhões de anos, que por aqui perambulou antes do impacto do asteroide que dizimou os dinos. Há, contudo, quem jure que pelo menos um deles ainda sobrevive no Planalto Central do Brasil.

Alegria, alegria

A euforia com a campanha expressada pelos assessores mais próximos de Lula só se compara com a de Roger Flores comentando jornada ruim do Flamengo.

Um comentário:

  1. A esquerda quando se arma peca miseravelmente,isto é tão claro quanto o dia.

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