O Globo
Com um radicalismo tosco, ultrapassado e
autofágico, Jair Bolsonaro está pronto para inaugurar a galeria dos presidentes
de um mandato só depois de instituído o princípio da reeleição
Mais claro que a luz do
sol. Mais evidente que rainha de bateria. O extremismo, qualquer um, tem por
objetivo desconstruir o mundo como o conhecemos, exterminando instituições,
extinguindo o contrário, destruindo valores, mudando radicalmente a orientação.
O extremismo é burro porque na sua essência trabalha pelo fim da vida e da
liberdade, embora muitas vezes use a vida e a liberdade como bandeiras. Quem
apoia radicais, de direita como Jair Bolsonaro, ou de esquerda, como o PCO de
Rui Pimenta, está apoiando o seu próprio fim, a sua derrota, seja ela iminente
ou futura.
Você pode dizer que é injusto
comparar Bolsonaro a Rui Pimenta. Mas, a verdade é que os dois se encontram nas
extremidades porque ambos, se pudessem, governariam sem Legislativo e
Judiciário independentes. O PCO de Pimenta também defende o voto impresso, como
Bolsonaro. E os dois são a favor de armar a população para se defender. De
quem, por exemplo, é a frase: “Povo desarmado é povo escravizado; povo armado é
povo que controla os seus destinos”? A frase é de Rui Pimenta, não se engane.
Os extremos na política
precisam gerar permanente atrito, porque é pelo atrito que eles conseguem se
movimentar e eventualmente crescer. O caso de Bolsonaro é um bom exemplo. Seu
crescimento e consequente vitória eleitoral em 2018 se deu porque atritos e
fricções entre o PT e os partidos de centro depois do impeachment de Dilma
Rousseff e do escândalo envolvendo Michel Temer e Joesley Batista criaram
situação intransponível e irritaram o eleitor, abrindo caminho para o radicalismo.
Ainda assim, Bolsonaro foi eleito não por ser extremista, mas por se associar ao discurso liberal pregado pelo então Posto Ipiranga, Paulo Guedes. O liberalismo bolsonarista, que na verdade nunca foi franco, deixou de existir formalmente quando o governo entregou ao Centrão a chave e o segredo do cofre. Bolsonaro tomou posse sofrendo da síndrome do impostor, que é aquele estado em que as pessoas percebem que foram beneficiadas pela sorte e não pelo talento. Com este quadro, e quando seus eleitores menos esperavam, surgiu o radical pronto para destruir todas as pontes usando a mentira e a desfaçatez como aliadas.
Por isso, o presidente que
foi eleito com 55,3% dos votos no segundo turno de 2018 tem hoje, de acordo com
o último Datafolha, 28%, e perderia para Lula num eventual segundo turno com
apenas 34% dos eleitores ao seu lado; ou com 37% num embate com Ciro Gomes. O
extremismo é burro, mas a maioria dos eleitores não é. O problema é que em
alguns casos a intolerância cega as pessoas. É por esta razão, aliás, que o presidente
segue com um apoio grande, ainda que não o suficiente para o eleger.
Exemplos clássicos de tolerância
mostram que saber ouvir e compartilhar ajudam a governar e preservam os
governantes. Desde a volta da eleição direta, o Brasil elegeu cinco
presidentes: Fernando Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Bolsonaro. Os
mais tolerantes sem qualquer sombra de dúvida foram FH e Lula, que se
reelegeram. Collor fechou o Palácio ao Congresso e acabou impichado por
corrupção. Dilma radicalizou no seu segundo mandato e teve o mesmo destino, mas
por motivação política.
Bolsonaro, apesar de ter
escancarado o governo para o Centrão, desestabilizou o resto da sua agenda,
sobretudo com o Judiciário e com as instituições que são esteio da civilidade
da nação, sejam públicas, como os ministérios da Educação, do Meio Ambiente e
da Cultura, a Funai e a Fundação Palmares, sejam Organizações Não
Governamentais. Só não vê isso quem não quer ver ou os que têm os seus olhos
vendados pela intolerância.
Com este radicalismo tosco,
ultrapassado e autofágico, Bolsonaro está pronto para inaugurar a galeria dos
presidentes de um mandato só depois de instituído o princípio da reeleição. Nos
EUA, que têm larga experiência no assunto, discute-se se o destino de
presidentes de apenas um mandato, como Donald Trump, foi determinado por suas
ações desastradas e erros políticos ou por questões que fugiram do seu
controle. No Brasil, nenhuma dúvida, o radical extremista vai perder para si
mesmo.
Lula no passado
A fala de Lula sobre os sequestradores de
Abílio Diniz poderia ser compreensível há 30 anos. Em 1989, ao serem presos no
estouro do cativeiro do empresário, os sequestradores usavam camisas com o
logotipo do PT, que disputava com Lula o segundo turno da eleição presidencial
contra Fernando Collor. Soube-se depois que as camisetas foram levadas ao
cativeiro pela polícia. No julgamento dos dois canadenses do grupo (também
composto por chilenos e brasileiros), setores da igreja e o PT deram apoio ao casal. Na
época, O GLOBO mandou um repórter para o Canadá e constatou que Christine
Lamont e David Spencer eram militantes políticos de esquerda que entraram para
a clandestinidade dois anos antes do sequestro. O casal foi extraditado em
1998. Na semana passada, Lula disse que pediu a Fernando Henrique a extradição
dos dois. Evidentemente o crime teve motivação política, mas ainda assim foi um
crime violento. O mesmo grupo político sequestraria dois anos depois o
publicitário Washington Olivetto, que permaneceu 53 dias trancado num cômodo de
1 metro de altura por três de comprimento, sem janelas ou luz natural. Diniz
teve mais sorte, porque ficou apenas cinco dias preso dentro de um caixote de
dois metros quadrados. Se defender criminosos capazes disso fazia algum sentido
nos anos 1980 e início dos 1990, hoje não faz sentido algum. Lula falou com a
voz do passado.
E agora, Jair?
Quando o ex-ministro Milton Ribeiro foi
denunciado por dar abrigo a pastores bandidos no MEC, Jair Bolsonaro disse que
era uma covardia o que faziam com ele e avisou que colocaria sua “cara no fogo”
se o indigitado tivesse alguma culpa. Agora, segundo o Ministério Público
Federal, houve
interferência do presidente nas investigações da Polícia
Federal e no processo após a prisão, impedindo o deslocamento de Ribeiro para
Brasília e evitando o seu depoimento à PF. Vamos ver o que ele fará depois que
Milton foi solto e virou um arquivo explosivo que vai fazer o que for preciso
para não voltar para a cadeia.
Fake news
O senador zerinho saiu-se com mais uma
estupenda mentira da lavra bolsonarista ao comentar a prisão do ministro que
foi indicado para o cargo pela sua madrasta: “O presidente trabalha de domingo a domingo…”, disse
o filhote se queixando de ataques ao pai numa entrevista amiga à Jovem Pan.
Podia ter dito qualquer coisa, menos que o preguiçoso trabalha.
Terceira via
Aparentemente, não vai ser agora, por falta
de tempo e porque a briga está polarizada demais, mas será bom para o Brasil se a terceira via se
consolidar a ponto de ocupar um lugar de destaque na vida
política e eleitoral do país no futuro. É necessário que se tenha aqui uma
direita democrática, civilizada, com ideias e projetos alternativos para onde
possam desaguar liberais e conservadores e para afastar de vez a hipótese
estúpida da extrema-direita.
Centrão piorado
Não se pode dizer que o Centrão foi algum
dia um agrupamento político do bem, dedicado a causas nacionais, preocupado com
os rumos do país. Mas, agora, tem sido especialmente pior. Além de seguir vivendo de dinheiro e cargos públicos, o
Centrão passou a abusar, provavelmente por orientação de Lira e Bolsonaro. Em
duas semanas protagonizou a tentativa de passar emenda que tornaria o Congresso
em instância revisora do Supremo e torpedeou a Lei das Estatais. Se as medidas
fossem aprovadas, seus membros poderiam anular eventuais condenações e se
aproximar ainda mais do Erário.
Acredite se quiser
“O Congresso está preocupado com os mais
vulneráveis”. Que parlamentar você acha que pronunciou esta frase? Não, não foi
Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição de 1988. Foi o inacreditável Arthur Lira protestando
contra o aumento de preços dos combustíveis pela Petrobras, empresa que julga
ser propriedade sua.
Dias de glória
Estudo da prestigiosa National Academy of
Science (NSA), fundada em 1863 em Cambridge, Massachusetts, relata o percurso
da galinha ao longo de mais de 8 mil anos. A certa altura da jornada, diz o
estudo das NSA, o galináceo era uma ave considerada maravilhosa, exótica
e reverenciada como símbolo de
status do seu proprietário. O animal só passou a ser
domesticado em escala para consumo humano há cerca de 3,5 mil anos. Se até a
galinha teve seus dias de glória, por que Arthur Lira não pode também ter os
seus?
Dinossauro
Dizem que a galinha é a parente mais
próxima dos dinossauros. Em 1980, descobriu-se na Bélgica o fóssil de uma penosa de
66,7 milhões de anos, que por aqui perambulou antes do impacto do asteroide que
dizimou os dinos. Há, contudo, quem jure que pelo menos um deles ainda
sobrevive no Planalto Central do Brasil.
Alegria, alegria
A euforia com a campanha expressada pelos assessores mais próximos de Lula só se compara com a de Roger Flores comentando jornada ruim do Flamengo.
A esquerda quando se arma peca miseravelmente,isto é tão claro quanto o dia.
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