sábado, 11 de junho de 2022

Ascânio Seleme: O julgamento do golpista

O Globo

Se as pesquisas continuarem a apontar vitória de Lula no primeiro turno, Bolsonaro vai antecipar sua tentativa de golpe para o dia 7 de setembro, mas não vai dar certo

Se as pesquisas continuarem mostrando que o crescimento de Lula se consolida, aumentando a possibilidade de vitória já no primeiro turno eleitoral, Jair Bolsonaro vai antecipar sua tentativa de golpe para o dia 7 de setembro. Será uma nova setembrada, como a do ano passado, mas desta vez com mais violência e sem freios. Não tenha dúvida de que o presidente do Brasil vai incentivar a invasão do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. De maneira mais clara e direta do que em 2021. Mas, desde já é bom que ele saiba que não vai dar certo. Pior. Além de errado, vai significar o fim de sua carreira política e muito provavelmente o seu encarceramento.

Bolsonaro deveria aproveitar que está nos Estados Unidos e prestar atenção no que acontece desde quinta-feira no Congresso americano. Um comitê suprapartidário investiga a tentativa de obstrução da diplomação de Joe Biden com a invasão violenta do Capitólio no dia 6 de janeiro do ano passado. Invasão estimulada por Donald Trump, objeto número 1 das investigações. Como uma CPI no Brasil, o comitê não tem poder de Justiça, não podendo mandar prender o golpista frustrado. Mas pode remeter suas conclusões para o Judiciário, que aliás já avisou que vai usar todos os dados e provas coletados para subsidiar uma investigação própria.

O comitê, que fez audiências com diversos envolvidos no episódio, inclusive membros do governo Trump e alguns de seus familiares, como sua filha e genro, já apontou onde o ex-presidente se situava no episódio da invasão do Capitólio. Ele estava “no centro” da tentativa de golpe. Dados novos somam-se a outros já vastamente conhecidos como o discurso que fez incentivando os direitistas que se manifestavam em frente à Casa Branca para marchar sobre o Congresso que naquele momento se reunia para referendar a vitória eleitoral de Biden. O que Trump queria, afirmou o comitê, era impedir pela força que a vontade do povo manifestada em eleição se concretizasse.

Trump pode ser o primeiro presidente americano preso. Por muito menos, Richard Nixon quase teve este destino no episódio de Watergate. Nixon foi perdoado pelo seu sucessor, Gerald Ford. Trump não terá a mesma clemência de Biden se vier a ser condenado. No Brasil, Bolsonaro poderá ser o segundo presidente encarcerado. Também não se configura provável no horizonte um indulto ou uma graça em seu favor.

No Brasil, em 7 de setembro do ano passado, Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Moraes de canalha, disse que não atenderia mais a suas ordens e insuflou contra o Supremo as massas ensandecidas para as quais discursou em Brasília e em São Paulo. Agora, o presidente convoca mais uma vez seus apoiadores para irem às ruas na próxima data cívica para socorrê-lo, pobrezinho, acuado que está pelo STF que não o deixa governar.

Nas suas palavras, numa entrevista que deu ao SBT, as pessoas irão às ruas no 7 de setembro, não para celebrar o bicentenário da independência, mas “para mostrar de que lado estão”. Ele disse ainda que seus apoiadores organizam nova manifestação para “sensibilizar o Judiciário”. Típica linguagem de torturador, mafioso ou miliciano antes de descer a porrada.

A conspiração de Donald Trump nos Estados Unidos para impedir a troca de poder é semelhante a que Bolsonaro promove aqui quando se avizinha cada vez de maneira mais clara sua derrota eleitoral. Nos EUA, Trump atacou o voto pelos correios, aqui são as urnas eletrônicas. A ideia de Bolsonaro é abusada e obtusa não por ser antidemocrática, mas porque visa apenas e tão somente atender ao desejo de um maluco desalmado, egocêntrico, autoritário que não suporta a ideia de perder a eleição.

Lá, Trump terá de se haver com o Congresso, com a Justiça e com o povo americano, que quase viu sua vontade frustrada. Aqui, mais cedo ou mais tarde, Bolsonaro será confrontado pelas dezenas de crimes que cometeu no exercício da Presidência e que o Congresso jamais teve coragem de interromper. Lá, os invasores do Capitólio estão sendo identificados e presos, um a um. Aqui, poderemos ver desfecho semelhante se a alucinação presidencial virar fato.

Méritos de Ciro

Nove das dez melhores escolas do Brasil, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), são públicas e são do Ceará. E não é de hoje, há anos o Ceará vem mantendo e melhorando este desempenho. Impossível negar que este é um mérito dos irmãos Gomes, Ciro e Cid, com a colaboração de governadores do PT e do PSDB que os sucederam no comando do estado. Se Lula ainda quiser tentar uma aproximação com Ciro, o único caminho é pela educação pública.

Desfaçatez

A reportagem de Patrik Camporez e Aguirre Talento, do GLOBO, sobre o uso do Ministério da Saúde pelo filho do ministro Marcelo Queiroga para alavancar sua candidatura a deputado federal pela Paraíba, mostra como é desqualificado este governo e como são infames o pai Queiroga e o filho Queiroguinha. O filho passou a intermediar verbas do ministério do pai para prefeitos de cidades paraibanas onde vai cabular votos. Uma vergonha registrada. Um crime eleitoral evidente. Uma desfaçatez.

Supervivos

Há três semanas, num encontro com empresários de supermercados, Bolsonaro foi aplaudido e ouviu vivas quando, aos gritos e em meio a palavrões, disse que a eleição de outubro será conturbada. Na quinta, agora, pediu ao mesmo público que reduza seus lucros “ao mínimo possível” para não estimular a inflação. Dessa vez o encontro foi virtual, por isso foi mais fácil para estes supervivos se fingirem de mortos. Não se ouviu hurras nem aplausos, só um sorrisinho galhofo quando o ex-liberal Paulo Guedes propôs nova tabela de preços só em 2023.

Comerciantes

Os aplausos, os gritos de apoio e as risadas para as piadas grotescas feitas no discurso abestalhado e golpista de Bolsonaro quarta-feira na Associação Comercial do Rio de Janeiro não provam nada. A não ser uma coisa: nossos comerciantes estão muito mal representados na sua agremiação de classe. Porque, claro, você sabe, a este tipo de encontro só comparecem os que querem aplaudir. Quero ver como reagiriam se o presidente fizesse a eles um apelo para reduzir seus lucros ao mínimo.

Calm Waters

Numa entrevista a Stephen Colbert, do The Late Show, Robert De Niro disse que desde a posse de Joe Biden dorme mais tranquilo. De acordo com o ator dono de dois Oscar, que nunca escondeu seu horror a Donald Trump, Biden levou os EUA para águas calmas, e que esta sempre foi a ideia (He got us to calm waters, that was the whole idea). Ele tem razão. Lá, como aqui, apenas os turbulentos gostam de turbulência.

Só Moro?

Está em vigor e deve ser respeitada por todos a lei que exige que um candidato tenha pelo menos um ano de domicílio eleitoral e outros três meses de vínculo com a cidade por onde vai concorrer. O PSOL anunciou que vai impugnar a candidatura de Tarcísio de Freitas, que concorre ao governo de São Paulo embora tenha morado nos últimos oito anos em Brasília. Vamos ver. Eduardo Cunha, que foi deputado pelo Rio em sucessivos mandatos desde 2002, disputa uma vaga na Câmara também por São Paulo. Se fosse para valer a lei do domicílio eleitoral, Cunha poderia ser no máximo candidato pelo Paraná, já que ficou preso em Curitiba alguns anos. Na História, vale citar o caso de dois ex-presidentes. O gaúcho Getulio Vargas foi eleito senador por dois estados e deputado por seis estados, no mesmo pleito e por dois partidos distintos. E o maranhense José Sarney foi eleito senador pelo Amapá já com as regras eleitorais atuais em vigor.

Fala sério

Advogados ligados a sertanejos denunciados por fazerem shows caríssimos (com dinheiro público) em cidades pobres dizem que os eventos dão dinheiro para os municípios. Alegam que os shows atraem turismo regional importante. Está certo. Imaginem então quanto a mineira Conceição do Mato Dentro levantaria com os turistas de cidades vizinhas, como Santana do Riacho (4.315 habitantes), Morro do Pilar (3.399), Ferros (9.949) e Dores de Guanhães (5.154), no show de R$ 1,2 milhão de Gusttavo Lima que quase contratou.

Bandido remunerado

Projeto de Lei que atualiza o Código do Processo Penal Militar à luz da Constituição de 1988 prevê que militar que perder o posto ou patente em razão de sentença penal condenatória deixará para seus beneficiários pensão correspondente ao posto ou graduação que possuía. O projeto de autoria do deputado Coronel Tadeu (PL) passou por todas as comissões necessárias e já está no plenário da Câmara para ser votado. O texto determina que juiz que condenar militar criminoso deve deixar essa determinação expressa na sua sentença. Trata-se de um estímulo ao crime ou não?

Público x privado

O processo disciplinar do vereador Gabriel Monteiro, acusado de abuso de menor, revelou o que não deveria ser surpresa para ninguém em se tratando de um bolsonarista. Todos os advogados do réu são servidores comissionados do seu gabinete. Trata-se da velha prática de misturar o público com o privado. Na prática, isso significa que é a Câmara, ou o cidadão carioca, quem está pagando a defesa de Monteiro.

Um comentário: