sábado, 4 de junho de 2022

Carlos Alberto Sardenberg: Brasil poderia ocupar o lugar da China?

O Globo

Aqui vai só um exemplo de que como foi uma tortura o tipo de confinamento imposto aos moradores de Xangai. Ou de como a política de Covid Zero faz com que muita gente grande reveja a disposição de investir na China.

História contada de fonte segura: numa fábrica de mais de 5 mil funcionários aparece um caso de Covid-19. No mesmo dia, todos os empregados são convocados a comparecer à empresa. E todos ficam ali confinados por sete dias. Isso mesmo, todo mundo na fábrica, de chefões a operários. Passados os sete dias, e não se verificando nenhum outro caso de Covid-19, todos são dispensados, mas com a ordem de permanecer em casa por sete semanas.

O lockdown de sete semanas foi imposto a toda a população de Xangai. “Imposto” não é modo de expressão. Repararam nas imagens, da semana passada, de moradores festejando a suspensão do confinamento? Viram como se animavam no trabalho de levantar as barricadas?

Isso mesmo — para obrigar as pessoas a permanecer em casa, foram erguidas barricadas em boa parte da cidade, bloqueando residências e prédios comerciais. Mesmo quem se dispusesse a enfrentar os policiais não conseguiria sair.

A política de Covid Zero tem sido debatida num duplo viés. De um lado, trata-se de saber sua eficiência em combater a transmissão do vírus. Na maioria dos outros países, o lockdown, mais ou menos restrito, foi uma prática auxiliar. Funcionou como um modo de ganhar tempo na busca de medicamentos e vacinas. Encontradas as vacinas, o lockdown foi relaxado à medida que se avançava na imunização.

Isso deu certo. Tanto que agora, com o surgimento de novas variantes, menos graves, não foi necessário impor confinamentos. As populações estão vacinadas — em boa parte.

Daí, pergunta-se: por que a China continua fazendo lockdown tão rigoroso? Caiu em Xangai, mas partes dessa cidade e outras menores continuam sob restrição. Em Xangai, a medida se aplica a áreas residenciais ainda sob “médio ou alto risco” de contaminação.

A China criou vacinas, mas não parece que a maioria da população esteja imunizada. Dizemos “não parece” porque os dados do governo não são confiáveis. É certo, de todo modo, que milhões de idosos não foram vacinados. É certo também que a China não recorreu às vacinas “ocidentais”, mais modernas, que poderiam oferecer uma eficiente combinação de imunização.

O que leva ao segundo ponto: essa política só é possível numa baita ditadura. De fato, o presidente Xi Jinping comanda pessoalmente o combate ao que ele chama de “vírus do diabo”. Para um materialista oficial, pôr a culpa no demônio é curioso.

Xi está no segundo mandato de cinco anos e se preparando para, neste ano, emplacar o terceiro. Isso rompe a tradição de limitar a Presidência a dois mandatos. Ele conseguirá fazer isso? É quase certo, pois o líder assumiu o comando do Partido Comunista, das Forças Armadas e promoveu um expurgo nos quadros políticos e administrativos.

Manda e desmanda. Muito mais que os últimos presidentes. Manda também na economia, que, convém registrar, é movida a capitais privados, nacionais e estrangeiros. Fazia tempo que as empresas, locais e internacionais, não sofriam tantas restrições como as aplicadas por Xi.

Resultado da falta de segurança, um exemplo de peso: a Apple está se preparando para retirar da China boa parte da produção. Pode levar iPad para o Vietnã e iPhones para a Índia. É um sinal de que, pouco a pouco, a China vai perdendo sua condição de fábrica do mundo, de paraíso das multinacionais. E para onde podem ir esses investimentos?

Não para a Rússia, que era outro mercado emergente muito atraente até a invasão da Ucrânia. Com a facilidade, agora perdida, de estar na Europa.

Os investidores precisam de um país grande, de economia medianamente desenvolvida, com organização administrativa e política. De preferência, uma democracia à ocidental, com regras seguras, garantidas em lei.

Pensaram no Brasil? Pois é. Pode, pode ser. Depende só daqui.

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