Folha de S. Paulo
Momento não permite que programa do partido para a economia repita ajuste duríssimo de 2003
Na semana passada, vazou o programa de
governo do PT.
O documento defende a revogação
da reforma trabalhista e o fim do teto de gastos. Também se opõe à
privatização da Eletrobrás. Aliados
do PT criticaram as propostas, que devem ser revisadas.
Eis o que eu acho que será a economia em um
eventual terceiro governo Lula.
Não se deve esperar um ajuste duríssimo
como o que Antonio
Palocci fez em 2003. Suceder a Jair
Bolsonaro (PL) não é a mesma coisa que suceder a Fernando
Henrique Cardoso (PSDB). A transição de FHC para Lula foi a melhor e
mais pacífica da história brasileira. Isso deu a Lula o direito de perder
popularidade sem ter medo de cair.
A próxima transição deve começar com Jair tentando um golpe porque não aceitou o resultado da eleição. Pedro Malan manteve as contas razoavelmente sob controle no segundo governo FHC. Paulo Guedes vai gastar uma Eletrobrás para garantir que a gasolina não suba até a eleição.
Além disso, quando Palocci estava segurando
os gastos em 2003, o superciclo das commodities começava a garantir o
crescimento. Não
há nada disso no horizonte.
Mas um governo do PT pode não ser
"Palocci" e ainda ser responsável.
Guilherme
Mello, um dos economistas da Fundação Perseu Abramo, já declarou que o PT
não pretende mexer na autonomia do Banco Central. É uma boa notícia, embora
devesse vir acompanhada de pedido de desculpas a Marina Silva.
O que foi privatizado não vai ser
estatizado de novo. Fazê-lo seria pegar todo o dinheiro disponível que Lula
terá para gastar e dizer para o Brasil, "olha, não vou fazer mais nada
porque comprei de volta a Eletrobrás". Era inteiramente legítimo ser
contra a privatização da Eletrobrás, mas a esquerda não conseguiu
impedi-la. O
custo de revertê-la é muito alto.
O
teto de gastos de Temer já morreu. Enterrá-lo provavelmente vai dar a Lula
uma chance de agradar a esquerda. Mas haverá uma nova regra fiscal. No começo
do ano, o ex-ministro Nelson Barbosa propôs
uma regra fiscal atrelada ao PIB, fixada no início de cada governo, com
separação de gasto corrente e investimento (mas limites para os dois). As
discussões devem partir de algo assim.
A
reforma trabalhista não será revogada, mas será alterada. Deve incluir
medidas para proteger categorias que cresceram nos últimos anos, como os
entregadores e outros setores "uberizados". O documento do PT defende
medidas para favorecer a sindicalização, sem listá-las. Se elas derem certo, a
possibilidade de flexibilização sem precarização é muito maior.
É alta a probabilidade de Lula bancar
a reforma
tributária proposta pelo deputado Baleia Rossi, do MDB de São Paulo. Ela
desperta entusiasmo entre os especialistas, no mercado, e é baseada nas ideias
de Bernardo Appy, economista que fez parte do governo Lula.
Se eu fosse apostar para uma surpresa
negativa para a Faria Lima, seria
tributação dos ricos. O PT não vai terminar mais um mandato presidencial
sem ao menos propor tributação progressiva. Se fosse apostar em uma surpresa
positiva para a Faria Lima, apostaria em alguma coisa sobre abertura comercial.
Enfim, não vai ser o governo dos sonhos da
Faria Lima de 2018. Mas suspeito que, depois de quatro anos de Paulo Guedes
delirando sem entregar, nem eles sonhem mais com aquilo tudo.
A Faria Lima tem que ver que Paulo Guedes é um blefe absoluto.
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