Valor Econômico
Bolsonaro está liquidando o antipetismo
A se confirmar o resultado que se prenuncia
para a eleição presidencial, de acordo com as pesquisas de intenção de voto,
ela merecerá ser estudada por representar uma quebra de tendência. Um livro
recente mostra o tamanho do paradoxo da eleição deste ano e uma pesquisa
internacional dá uma pista de uma possível explicação.
A direita no Brasil estava em fase de
esplendor até o começo deste ano, conforme os artigos de Antonio Lavareda, em
parceria com Vinicius Silva Alves; e de Helcimara Telles, junto com Carlos
Freitas, publicados no livro “Eleições municipais e pandemia”.
Nas eleições de 2018, a direita teve 58,7%
dos votos por uma vaga na Câmara dos Deputados. Na disputa pelas prefeituras em
2020, 54,3%, de acordo com o levantamento do artigo assinado por Lavareda. Não
se trata de raio em céu azul: a onda da direita se elevou abruptamente na
eleição para deputado em 2014 e na disputa municipal de 2016, o que permite
enxergar um encadeamento nas disputas.
Em 2012, 29,6% da população era governada por prefeitos filiados a partidos direitistas. Em 2020, esta porcentagem subiu para 53,3%, de acordo com artigo de Helcimara e Freitas.
A decorrência lógica seria uma situação
tranquila para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, desde que ele
abandonasse a roupagem outsider e entrasse para um partido grande, alicerçado
em máquina partidária. Foi o que fez pela metade. Sem nunca deixar de colocar o
golpismo em seu horizonte. Bolsonaro foi para um partido grande e tem uma rede
competitiva de candidatos a governador.
Nada indicava um cavalo de pau do
eleitorado para a esquerda. Aí veio a vida real e veio Lula. Na vida real o
país foi submetido à interminável pandemia, à gestão desta crise por Bolsonaro
e ao impacto da catástrofe na economia.
Lula tinha algo como 40% nas pesquisas de
intenção de voto quando foi retirado da disputa presidencial, em 2018, e oscila
entre 40% e 48% na maioria das pesquisas de agora. Ele se posicionou à frente
de Bolsonaro nas pesquisas praticamente desde o momento em que voltou ao
cenário, em março do ano passado.
Hoje o ex-presidente está no mesmo patamar
que o atual tinha ao fim do primeiro turno nas eleições de 2018, e Bolsonaro
quase do mesmo tamanho que o do petista Fernando Haddad em 2018 (29%). Para
onde foi o antipetismo que vitaminou a onda de direita?
A investigação das razões de tal fenômeno
obviamente ainda não fechou. E nem o quadro atual mostrado pelas pesquisas é
definitivo. Mas o levantamento do Instituto Reuters, intitulado “Digital News
Report 2022”, divulgado quarta-feira, indica um dado de certo modo
surpreendente: o brasileiro, que consome cada vez mais notícias pelo modo
digital, em que Bolsonaro impera, está cada vez mais refratário a receber
notícias. Fonte de notícia no caso brasileiro é Facebook, You Tube, Whats App e
até Tik Tok para nada menos que 64% dos brasileiros, de acordo com o
levantamento. É onde Bolsonaro e o bolsonarismo imperam, como personagem e como
tema.
Segundo a pesquisa, a proporção de pessoas
que evitam deliberadamente consumir notícias pulou de 27% em 2017, ano do
início da escalada bolsonarista, para 54% agora, a maior variação registrada no
conjunto de 46 países pesquisados. Estão saturadas.
Consideram as informações que recebem ou
deprimentes, porque a realidade brasileira por óbvio deprime, ou falsas, já que
essa percepção aumentou à medida em que a mídia tradicional foi perdendo o
protagonismo.
A exaustão do eleitor, em grande medida, é
o esgotamento do internauta. Talvez haja um efeito colateral das “fake news”.
Talvez cansaço da pandemia, de Bolsonaro, de Bolsonaro lidando com a pandemia,
da incúria na administração, dos pseudoproblemas levantados pelo presidente,
todos os dias, enquanto não se enxerga saída para a enrascada em que se vive no
mundo real.
Isto pode indicar, e aqui se entra no
terreno da hipótese, que a decepção em relação ao presente leva eleitores a
buscar o refúgio em um passado idealizado, em relação ao qual toda desconstrução
que se fez e que se faz é relativizada. Lula teve 46,4% dos votos em 2002 e
48,6% em 2006. Dilma conseguiu 46,9% em 2010 e 41,6% em 2014. Haddad devolveu o
PT ao patamar das eleições presidenciais dos anos 90, ao ficar com 29,3%. A
quebra da tendência se deu pela desilusão. A desilusão talvez esteja movendo a
engrenagem novamente.
Comparação absurda
Reclamou o presidente Jair Bolsonaro do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ter sido tão cobrado pela mídia e
pela sociedade pela execução da freira norte-americana Dorothy Stang em 12 de
fevereiro de 2005 quanto ele está sendo agora pelo assassinato do jornalista
inglês Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira. É verdade, ele não foi. Mas
é importante ressaltar que o comportamento da autoridade máxima do País foi
diferente.
Ao se tornar pública a execução da freira
com seis tiros na cabeça, Lula, segundo registrou o jornal “O Globo”,
“determinou empenho máximo” e convocou uma reunião governamental de emergência,
da qual saiu uma força-tarefa para esclarecer o crime.
Também foi diferente o comportamento do
presidente José Sarney por ocasião do assassinato do sindicalista Chico Mendes
em 22 de dezembro de 1988. Por meio do general chefe do SNI, Sarney se disse
“consternado” e enviou imediatamente para o Acre o chefe da Polícia Federal,
Romeu Tuma, e o secretário-geral do Ministério da Justiça.
No caso de Bolsonaro, ao se tornar público
o desaparecimento de Phillips e Pereira, o comportamento foi outro. O
presidente disse que ambos partiram para “uma aventura” ao transitarem pelo
Vale do Javari, destacou que eles não tinham aval da Funai para entrarem em uma
terra indígena e por fim disse nesta quarta-feira, quando já era iminente a
constatação do duplo homicídio, que Phillips era mal visto na Amazônia por suas
matérias contra garimpeiros.
No afã de eximir-se de responsabilidade,
faltou pouco para Bolsonaro insinuar um duplo suicídio. Apenas ontem o
presidente demonstrou empatia, ao postar em rede social uma mensagem protocolar
de pêsames e conforto às famílias de Phillips e Pereira. Escandalosa também
pode ser a forma como se lida com o problema, além do próprio problema.
Sarney e Lula nunca estimularam as ações ilícitas na Amazônia.
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