Folha de S. Paulo
Autoridades precisam entender que nós,
mulheres, temos o direito supremo sobre nossos corpos, vidas e escolhas
A Suprema Corte dos EUA fez o país andar
meio século para trás ao
derrubar o entendimento de que o aborto era um direito constitucional das
mulheres. Agora, estados conservadores poderão proibir o aborto por meio de
legislações locais. Permitir que governos interfiram dessa forma em assunto tão
íntimo é uma violência suprema contra as mulheres.
Aqui no Brasil, o risco de retrocesso é
ainda maior. Embora o aborto
em decorrência de estupro seja permitido por lei desde 1940, nem todas as
brasileiras têm a garantia de que conseguirão acesso a esse direito, como ficou
claro no caso
da menina de 11 anos, de Santa Catarina, violentada e grávida.
Em razão de alguma crença fundamentalista, um médico, uma promotora e uma juíza tentaram impedir o aborto (não conseguiram, felizmente). Que fique claro: o feto resultante de um estupro é a sequela de uma violência e nenhuma mulher deve ser obrigada a carregar no ventre o produto de um crime.
Outro caso também expôs uma teia de abusos
e constrangimentos contra uma vítima de estupro. Refiro-me à atriz Klara
Castanho, 21 anos. Em um relato dilacerante, ela revelou que, ao descobrir a
gestação, decidiu dar o bebê para adoção, direito garantido em lei. Ainda
assim, Klara passou por profissionais
incapazes de protegê-la em momento de extrema vulnerabilidade: um médico,
uma enfermeira e abutres que não merecem ser qualificados como jornalistas.
Falsos moralismos e preceitos religiosos
servem apenas para turvar a discussão e perpetuar o ciclo de violências contra
as mulheres. Proibir ou dificultar o aborto, em qualquer tempo e lugar, não vai
impedi-las de buscar a interrupção de uma gravidez indesejada. Só vai tornar
tudo mais doloroso.
Autoridades precisam entender que nós, mulheres, temos o direito supremo sobre nossos corpos, vidas e escolhas. Enquanto não alcançarmos esse patamar civilizatório, continuaremos sendo cidadãs de segunda classe, vivendo em democracias pela metade.
Eu só voto em quem não rouba. Apresenta um. Será que merecemos só esses dois ladroes? Or que não merecemos gente honesta para nós governar?
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