Valor Econômico
O crime avança na Amazônia aproximando-se
de atividades clandestinas
Em discurso há poucos dias, em reunião do
Pulitzer Center em Washington com cem jornalistas brasileiros e internacionais
que cobrem a Amazônia, a jornalista Eliane Brum contou um pouco de seu
cotidiano. Vive há cinco anos em Altamira, no Pará. “Sempre há um defensor da
floresta ligando porque teve a casa queimada ou porque um pistoleiro botou uma
arma em seu peito e fez a família de refém”, disse. Em 12 dias de maio, dez
pessoas foram assassinadas em Altamira, citou. Foi desfiando casos assim,
recentes, e concluiu “a Amazônia vive uma guerra”.
O indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips haviam desaparecido e muitos no salão eram amigos de um, de outro ou de ambos. Os estrangeiros escutavam com expressão de horror. Ainda não se sabia que Dom e Bruno haviam sido mortos, mas a suspeita era forte. Eliane emendou: “As guerras mais longas e mais difíceis de vencer, as do século XXI, são as que se passam nos enclaves de natureza neste momento”. Em bela homenagem ao amigo, Jonathan Watts, chefe global de Meio Ambiente do “Guardian”, publicou no jornal britânico: “Há uma guerra na natureza. Dom Phillips foi morto tentando te avisar disso”.
A constatação dos jornalistas é mais que
retórica e vem sendo traduzida em estudos de vários pesquisadores da região que
observam a escalada da violência nos anos de Jair Bolsonaro.
Em novembro, o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública lançou um estudo que apontava o crescimento de 9,2% na taxa
de mortes violentas intencionais nas áreas rurais e de floresta da Amazônia
Legal entre 2018 e 2020. Esta dinâmica foi oposta no resto dos municípios
rurais brasileiros, que registraram queda de 6,1% no período. As maiores taxas
de assassinatos na região se concentraram em áreas desmatadas ou não
florestais.
O estudo diz que a Amazônia é hoje palco de
disputas entre facções do crime organizado e assiste a uma intensificação de
conflitos fundiários associados ao desmatamento. A estrutura das forças de
segurança também é menor na comparação com outras regiões do país.
A taxa média de violência letal na região é
40,8% superior à verificada nos demais municípios brasileiros, diz a nota à
imprensa que promovia o estudo. As cidades que compõem a Amazônia Legal
registraram 8.729 mortes violentas intencionais - isso é a soma de homicídios
dolosos, latrocínios, mortes decorrentes de intervenção policial e morte de
policiais em 2020.
“A luta dos povos indígenas não é de agora,
tem 500 anos. Mas reputo este momento, senão como o pior, entre os piores dos
que ameaçam os povos indígenas, porque parte de uma ação governamental”, diz o
sertanista Sydney Possuelo. “O que se vê hoje, nas terras indígenas do Brasil,
com invasão, pessoas entrando, dando tiros nos índios, matando... Está aberta
uma temporada de caça aos povos indígenas. É mais perigoso porque é uma
política que nasce no seio do governo, pegando a máquina governamental para
atuar contra os interesses dos povos indígenas e do meio ambiente.”
Várias notícias desenharam um quadro
desolador da situação do Vale do Javari: a atuação do Incra é inexistente nos
assentamentos; o manejo do pirarucu, que permitiria aos pescadores agirem de
modo sustentável, está abandonado. Quem monitora a TI são os indígenas,
principalmente através da associação Univaja, onde Bruno atuava. A delegacia de
Atalaia do Norte tem um único carro, velho, e três policiais - o delegado, um
agente e um escrivão. O delegado é itinerante e passa cada semana em uma cidade
diferente da região.
Receita para desastre
“A Amazônia sempre foi violenta, mas vemos
um crescimento desta violência e que atinge povos indígenas e ribeirinhos”, diz
Aiala Colares O. Couto, doutor em geografia e pesquisador da Universidade do
Estado do Pará. “Não é certo dizer que se está perdendo o controle da região.
Porque há um apoio institucional. Vejo como parte de um projeto político”,
segue Couto, um dos autores do estudo do fórum.
O Vale do Javari, onde Bruno e Dom foram
assassinados, registra uma explosão de atividades ilícitas - comércio ilegal de
madeira, pesca ilegal às toneladas, garimpo ilegal, contrabando de manganês.
“Tivemos muita dificuldade em ver a associação entre os crimes ambientais e o
narcotráfico. Durante muito tempo não havia conexão. Mas os narcotraficantes
começaram a se dar conta de que a rota da madeira ilegal para a Europa é a
mesma que eles usam”, diz Couto. Facções que antes atuavam no Sudeste migraram
para a Amazônia. Há no Javari um corredor estratégico para entrada de cocaína
no Brasil, que atravessa a fronteira do Peru, Colômbia e Brasil. “O Javari é um
ponto de entrada, que conecta com o Solimões”, menciona, citando uma das
maiores rotas do tráfico no país.
Alexandre Saraiva, ex-superintendente da
Polícia Federal no Amazonas, disse em entrevistas que a “Amazônia virou uma holding
criminosa” e que “o crime organizado domina a floresta”. Ele comandou as
operações Androanthus e Akuanduba, responsáveis por apreender o maior volume de
madeira ilegal da história - e entrou em rota de colisão com o então ministro
do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Antes realizou uma operação com Bruno
Pereira. Juntos destruíram 60 balsas de garimpo. “Foi um prejuízo enorme para o
crime. Ali na Amazônia tem o Código Penal completo”, disse ao “Antagonista”. É
o que chama de “fenômeno da convergência” - o sujeito que atua com madeira
ilegal vira traficante, por exemplo. “A organização criminosa vai onde tem
dinheiro. A Amazônia hoje é a receita para o desastre: tem ouro, madeira e
droga.” Saraiva reconhece que quem tem condições de proteger a Amazônia são as
Forças Armadas. “Mas infelizmente as Forças Armadas têm uma doutrina ainda que
espera o ataque de um inimigo externo, quando temos um inimigo interno
corroendo a nação.”
Carioca com dez anos de Amazônia, Saraiva se diz muito preocupado com o futuro. “Chega um ponto em que para reverter a situação é extremamente difícil. Se esta doutrina não for repensada vejo um problemaço para a Amazônia em 20 anos. Vai virar um Rio de Janeiro de tamanho continental”, diz, referindo-se ao domínio do tráfico nos morros cariocas.
A Amazônia nas mãos do crime organizado,quem diria!
ResponderExcluirUma mão suja a outra.