O Globo
Na França, onde Emmanuel Macron perdeu a
maioria parlamentar absoluta, as oposições de esquerda e da direita
nacionalista unem-se na resistência às reformas econômicas. No Brasil, a frente
ampla, que se estende de Bolsonaro a Lula passando por Ciro Gomes, é contra a
Petrobras. A empresa deve ser inviabilizada para servir às conveniências da
facção política encastelada no Planalto.
Sob o influxo da aliança com Paulo Guedes,
Bolsonaro flertou com a proposta de privatização da petrolífera, uma ideia que
ainda emana de seus discursos sem nexo, mas fixou-se num combate retórico à
política de preços da empresa. Com a aproximação das eleições, a operação
bolsonarista alargou-se até transfigurar-se numa guerra contra a própria
estatal. Nela, engajaram-se aliados como Arthur Lira, presidente da Câmara, e
André Mendonça, o militante extremista que veste a toga de ministro do Supremo.
É inédito. Nunca, no Brasil ou no exterior, o controlador de uma empresa conduziu uma campanha deliberada de ataques à reputação da empresa controlada, com impactos bilionários sobre o seu patrimônio em ações.
Os desafiantes de esquerda não participam
da guerrilha verbal, mas partilham com Bolsonaro o objetivo de converter a
Petrobras em ferramenta de subsídio ao preço dos combustíveis. Ciro engata a
sua proposta de “desindexar o valor do barril de petróleo do dólar” o projeto
de recompra das ações de investidores privados, rumo à estatização integral da
empresa. Numa linha paralela, Lula incluiu no seu plano de governo a curiosa
noção de “abrasileirar o preço dos combustíveis”.
Do ponto de vista da teoria econômica, nada
disso faz sentido. O mercado define o preço de um bem — e o petróleo é uma
commodity cotada em dólares no mercado internacional. Bolsonaro, Lula e Ciro
querem que a Petrobras venda seus produtos abaixo do preço, eis a verdade
simples que se oculta atrás da demagogia eleitoral.
Nos mandatos de Lula, a Petrobras serviu
como instrumento de política externa, dispersando capital em investimentos de
retorno negativo para azeitar alianças com governos de esquerda na América
Latina e na África. Ilustração mais trágica: a refinaria Abreu e Lima, foco da
desastrosa parceria com a PDVSA venezuelana. Depois, sob Dilma, a empresa foi
precipitada à falência técnica, com a Eletrobras, justamente pelo
“abrasileiramento” dos preços. Bolsonaro, Lula e Ciro prometem reproduzir a
experiência catastrófica do passado recente.
Na frente ampla que reúne a esquerda à
extrema direita, a voz mais coerente é a de Ciro. A reestatização completa da
petrolífera possibilitaria ignorar totalmente as sinalizações de mercado,
reduzindo a Petrobras à triste condição de vaca leiteira do governo de turno —
algo como uma PDVSA sem Chávez.
A recuperação financeira da Petrobras
baseou-se na subordinação da administração da empresa às regras de mercado e no
reconhecimento do conceito econômico de preço. Os lucros da petrolífera,
ridiculamente qualificados como pecado imperdoável, formam a plataforma para os
pesados investimentos exigidos por um mercado energético mundial em acelerada
mudança. São, por isso, um componente fundamental da segurança nacional, algo
óbvio na hora em que a invasão russa da Ucrânia ilumina a natureza estratégica
da produção de óleo e gás.
Atualmente, a empresa gera rendas fabulosas
ao governo sob a forma de impostos e dividendos, que poderiam ser usados pelo
Tesouro para subsidiar o gás de cozinha consumido pelos mais pobres e, ainda, a
criação de um fundo de estabilização do preço de combustíveis. Mas a separação
entre Estado e Petrobras não combina com o projeto de concentração de poder dos
três bufões que firmaram um pacto de ocasião.
Populismo custa caro. Na França, o bloqueio das reformas nas aposentadorias e no mercado de trabalho ameaça a competitividade geral da economia — e, portanto, a estabilidade da união monetária que lastreia a União Europeia. Por aqui, a guerra política contra a Petrobras ameaça o futuro da empresa — e, portanto, o lugar do Brasil no ciclo da transição energética global.
Ser jornalista é caçar encrenca com todos os políticos,parece que apenas FHC foi e é um pouco poupado até hoje.
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