segunda-feira, 27 de junho de 2022

Demétrio Magnoli: Frente ampla contra a Petrobras

O Globo

Na França, onde Emmanuel Macron perdeu a maioria parlamentar absoluta, as oposições de esquerda e da direita nacionalista unem-se na resistência às reformas econômicas. No Brasil, a frente ampla, que se estende de Bolsonaro a Lula passando por Ciro Gomes, é contra a Petrobras. A empresa deve ser inviabilizada para servir às conveniências da facção política encastelada no Planalto.

Sob o influxo da aliança com Paulo Guedes, Bolsonaro flertou com a proposta de privatização da petrolífera, uma ideia que ainda emana de seus discursos sem nexo, mas fixou-se num combate retórico à política de preços da empresa. Com a aproximação das eleições, a operação bolsonarista alargou-se até transfigurar-se numa guerra contra a própria estatal. Nela, engajaram-se aliados como Arthur Lira, presidente da Câmara, e André Mendonça, o militante extremista que veste a toga de ministro do Supremo.

É inédito. Nunca, no Brasil ou no exterior, o controlador de uma empresa conduziu uma campanha deliberada de ataques à reputação da empresa controlada, com impactos bilionários sobre o seu patrimônio em ações.

Os desafiantes de esquerda não participam da guerrilha verbal, mas partilham com Bolsonaro o objetivo de converter a Petrobras em ferramenta de subsídio ao preço dos combustíveis. Ciro engata a sua proposta de “desindexar o valor do barril de petróleo do dólar” o projeto de recompra das ações de investidores privados, rumo à estatização integral da empresa. Numa linha paralela, Lula incluiu no seu plano de governo a curiosa noção de “abrasileirar o preço dos combustíveis”.

Do ponto de vista da teoria econômica, nada disso faz sentido. O mercado define o preço de um bem — e o petróleo é uma commodity cotada em dólares no mercado internacional. Bolsonaro, Lula e Ciro querem que a Petrobras venda seus produtos abaixo do preço, eis a verdade simples que se oculta atrás da demagogia eleitoral.

Nos mandatos de Lula, a Petrobras serviu como instrumento de política externa, dispersando capital em investimentos de retorno negativo para azeitar alianças com governos de esquerda na América Latina e na África. Ilustração mais trágica: a refinaria Abreu e Lima, foco da desastrosa parceria com a PDVSA venezuelana. Depois, sob Dilma, a empresa foi precipitada à falência técnica, com a Eletrobras, justamente pelo “abrasileiramento” dos preços. Bolsonaro, Lula e Ciro prometem reproduzir a experiência catastrófica do passado recente.

Na frente ampla que reúne a esquerda à extrema direita, a voz mais coerente é a de Ciro. A reestatização completa da petrolífera possibilitaria ignorar totalmente as sinalizações de mercado, reduzindo a Petrobras à triste condição de vaca leiteira do governo de turno — algo como uma PDVSA sem Chávez.

A recuperação financeira da Petrobras baseou-se na subordinação da administração da empresa às regras de mercado e no reconhecimento do conceito econômico de preço. Os lucros da petrolífera, ridiculamente qualificados como pecado imperdoável, formam a plataforma para os pesados investimentos exigidos por um mercado energético mundial em acelerada mudança. São, por isso, um componente fundamental da segurança nacional, algo óbvio na hora em que a invasão russa da Ucrânia ilumina a natureza estratégica da produção de óleo e gás.

Atualmente, a empresa gera rendas fabulosas ao governo sob a forma de impostos e dividendos, que poderiam ser usados pelo Tesouro para subsidiar o gás de cozinha consumido pelos mais pobres e, ainda, a criação de um fundo de estabilização do preço de combustíveis. Mas a separação entre Estado e Petrobras não combina com o projeto de concentração de poder dos três bufões que firmaram um pacto de ocasião.

Populismo custa caro. Na França, o bloqueio das reformas nas aposentadorias e no mercado de trabalho ameaça a competitividade geral da economia — e, portanto, a estabilidade da união monetária que lastreia a União Europeia. Por aqui, a guerra política contra a Petrobras ameaça o futuro da empresa — e, portanto, o lugar do Brasil no ciclo da transição energética global.

Um comentário:

  1. Ser jornalista é caçar encrenca com todos os políticos,parece que apenas FHC foi e é um pouco poupado até hoje.

    ResponderExcluir