Valor Econômico
Medidas tomadas às pressas, driblando o
teto de gastos, pioram o risco fiscal
A combinação de inflação alta com a prisão
do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro acentuou o desespero do governo para
tomar medidas populistas, num cenário em que as pesquisas mostram o presidente
Jair Bolsonaro atrás de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pela Presidência.
As ideias para tentar reduzir os estragos do aumento de preços na popularidade
de Bolsonaro se sucedem sem planejamento, piorando a percepção sobre o estado
das contas públicas. Nesse quadro, o governo e o Congresso articulam
iniciativas para driblar mais uma vez o teto de gastos e fugir das restrições
da legislação eleitoral. O foco agora é aumentar até o fim do ano o valor do
Auxílio Brasil, criar uma ajuda aos caminhoneiros e dobrar o benefício do
vale-gás.
Com a prisão de Ribeiro e os indícios de que Bolsonaro interferiu nas investigações, perde mais força o discurso do presidente contra a corrupção. Somado a isso, a inflação continua disseminada, rodando acima de 10% em 12 meses, como mostrou a alta de 12,04% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de junho nessa base de comparação.
A primeira ofensiva para reduzir os preços
se concentrou em cortes de impostos feitos de improviso. O mais recente é a
iniciativa, já aprovado pelo Congresso e sancionada por Bolsonaro, impondo
limites à alíquota de ICMS a ser cobrada por Estados sobre itens como energia
elétrica e combustíveis, que vai provocar perda de receita importante para os
governos estaduais. Ganhos de arrecadação temporários, obtidos devido à
inflação alta e às cotações de commodities nas alturas, têm sido usados para
justificar reduções de impostos promovidas pelo governo e pelo Congresso.
Além disso, havia a ideia de compensar os
Estados que zerassem o ICMS do óleo diesel e do gás de cozinha até o fim do
ano, aprovando mais uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para driblar o
teto de gastos. Com a resistência dos governadores e a necessidade de agir
rápido, a proposta foi descartada. A prioridade agora é aumentar até o fim do
ano o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, instituir uma bolsa
caminhoneiro de R$ 1 mil e dobrar o vale-gás. Além disso, a PEC também vai
bancar a gratuidade de idosos no transporte público.
“Em linha com o aumento da aflição a
respeito da reeleição de Bolsonaro, aguçada pela prisão do ex-ministro Milton
Ribeiro, a aposta subiu”, resume Ricardo Ribeiro, analista político da MCM
Consultores e sócio da Ponteio Política. O custo dessas medidas deverá ser de
R$ 34,8 bilhões, com o valor ficando fora do teto, o mecanismo que limita o crescimento
das despesas da União à inflação do ano anterior. Como a criação de novos
benefícios e o reajuste do valor dos existentes são vedados em ano eleitoral, a
opção deve ser a adoção do estado de emergência, como forma de driblar as
restrições. O estado de calamidade, que teria o mesmo efeito fiscal, foi
deixado de lado, escreve Ribeiro. Segundo ele, o ponto é que “o estado de
calamidade exige que o Executivo edite um decreto, enquanto o estado de
emergência é de iniciativa exclusiva do Congresso”. Com isso, “não haveria
digital do governo, o que, segundo se avalia entre os governistas, reduziria o
risco de a medida causar problemas legais para Bolsonaro junto à justiça
eleitoral”, aponta Ribeiro. Para ele, a dúvida é se o Supremo Tribunal Federal
(STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) “aceitarão esse repentino estado de
emergência, que dará a Bolsonaro mais munição para tentar reverter a
desvantagem nas pesquisas”.
Ribeiro ressalta o apelo político das
medidas, avaliando que podem até avançar no Congresso, “apesar da confusão”. No
entanto, pondera, “o recesso parlamentar está próximo, começando em 18 de
julho, e a fraqueza eleitoral de Bolsonaro reduz, principalmente no Senado, o
incentivo à adoção de medidas que, em última instância, têm como principal
beneficiário político um presidente cujo governo pode muito bem estar próximo
do fim”.
O discurso oficial é de desprezar o
resultado das pesquisas, que em geral mostram Lula bem à frente de Bolsonaro. O
desespero e a falta de coordenação na resposta à inflação elevada, porém,
deixam claro o temor em relação ao resultado das eleições de outubro, assim
como os questionamentos ao sistema de votação, com as críticas sem provas à
confiabilidade das urnas eletrônicas.
A situação da economia, em especial a inflação,
afeta a popularidade de Bolsonaro. Uma das estratégias do governo tem sido
tentar jogar integralmente sobre a Petrobras a responsabilidade pela elevação
dos preços dos combustíveis, como diz Ribeiro. “O sucesso da estratégia,
contudo, é no mínimo duvidoso. Para o consumidor-eleitor, a informação mais
importante é que o diesel e a gasolina aumentaram mais uma vez”, afirma ele,
referindo-se ao reajuste promovido há 10 dias. “Todos sabem que a Petrobras é
uma empresa estatal, ou seja, pertence ao governo de Bolsonaro. A grande
maioria dos eleitores não entende nem quer saber dos detalhes da governança da
Petrobras”, diz Ribeiro. “Por fim, no Brasil e em qualquer outro lugar, justa
ou injustamente, o custo político dos problemas econômicos recai sobre o máximo
mandatário do país.” Para piorar a situação da economia, a atividade econômica
deve perder mais fôlego no segundo semestre, refletindo o impacto da alta dos
juros para conter a escalada dos preços.
A inflação atual incomoda especialmente os
mais pobres, que gastam mais com alimentos. Nos 12 meses até junho, os preços
de alimentação no domicílio subiram 16,71%, segundo o IPCA-15. Ao elevar o
valor do Auxílio Brasil para R$ 600, o governo mira na faixa de eleitores em
que o presidente mostra o pior desempenho. Segundo o Datafolha, ele perde de
Lula de 56% a 22% entre quem ganha até dois salários mínimos. Não há, porém, um
esforço para colocar no programa as cerca de 2,8 milhões de famílias que em
abril estavam na fila e atendiam aos critérios para receber o Auxílio Brasil,
segundo números da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Medidas tomadas às pressas, para driblar o
teto de gastos, pioram o risco fiscal. Além do enfraquecimento institucional da
âncora das contas públicas, a avaliação é que novas medidas nessa direção podem
ser tomadas até outubro. Isso pressiona o câmbio, num cenário em que a alta
mais forte dos juros nos EUA afeta países emergentes. Mesmo com a Selic em
13,25% ao ano, a solidez das contas externas e as commodities caras, o dólar
tem subido - fechou em R$ 5,25 na sexta-feira. No começo de abril, chegou a
bater em R$ 4,60. Com incertezas fiscais e eleitorais, o dólar pode continuar
em alta nos próximos meses, alimentando a inflação, justamente o que Bolsonaro
tenta combater.
Bozo tá no mato sem cachorro.
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