segunda-feira, 27 de junho de 2022

Sergio Lamucci: Inflação e crise no MEC acentuam populismo

Valor Econômico

Medidas tomadas às pressas, driblando o teto de gastos, pioram o risco fiscal

A combinação de inflação alta com a prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro acentuou o desespero do governo para tomar medidas populistas, num cenário em que as pesquisas mostram o presidente Jair Bolsonaro atrás de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pela Presidência. As ideias para tentar reduzir os estragos do aumento de preços na popularidade de Bolsonaro se sucedem sem planejamento, piorando a percepção sobre o estado das contas públicas. Nesse quadro, o governo e o Congresso articulam iniciativas para driblar mais uma vez o teto de gastos e fugir das restrições da legislação eleitoral. O foco agora é aumentar até o fim do ano o valor do Auxílio Brasil, criar uma ajuda aos caminhoneiros e dobrar o benefício do vale-gás.

Com a prisão de Ribeiro e os indícios de que Bolsonaro interferiu nas investigações, perde mais força o discurso do presidente contra a corrupção. Somado a isso, a inflação continua disseminada, rodando acima de 10% em 12 meses, como mostrou a alta de 12,04% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de junho nessa base de comparação.

A primeira ofensiva para reduzir os preços se concentrou em cortes de impostos feitos de improviso. O mais recente é a iniciativa, já aprovado pelo Congresso e sancionada por Bolsonaro, impondo limites à alíquota de ICMS a ser cobrada por Estados sobre itens como energia elétrica e combustíveis, que vai provocar perda de receita importante para os governos estaduais. Ganhos de arrecadação temporários, obtidos devido à inflação alta e às cotações de commodities nas alturas, têm sido usados para justificar reduções de impostos promovidas pelo governo e pelo Congresso.

Além disso, havia a ideia de compensar os Estados que zerassem o ICMS do óleo diesel e do gás de cozinha até o fim do ano, aprovando mais uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para driblar o teto de gastos. Com a resistência dos governadores e a necessidade de agir rápido, a proposta foi descartada. A prioridade agora é aumentar até o fim do ano o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, instituir uma bolsa caminhoneiro de R$ 1 mil e dobrar o vale-gás. Além disso, a PEC também vai bancar a gratuidade de idosos no transporte público.

“Em linha com o aumento da aflição a respeito da reeleição de Bolsonaro, aguçada pela prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, a aposta subiu”, resume Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores e sócio da Ponteio Política. O custo dessas medidas deverá ser de R$ 34,8 bilhões, com o valor ficando fora do teto, o mecanismo que limita o crescimento das despesas da União à inflação do ano anterior. Como a criação de novos benefícios e o reajuste do valor dos existentes são vedados em ano eleitoral, a opção deve ser a adoção do estado de emergência, como forma de driblar as restrições. O estado de calamidade, que teria o mesmo efeito fiscal, foi deixado de lado, escreve Ribeiro. Segundo ele, o ponto é que “o estado de calamidade exige que o Executivo edite um decreto, enquanto o estado de emergência é de iniciativa exclusiva do Congresso”. Com isso, “não haveria digital do governo, o que, segundo se avalia entre os governistas, reduziria o risco de a medida causar problemas legais para Bolsonaro junto à justiça eleitoral”, aponta Ribeiro. Para ele, a dúvida é se o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) “aceitarão esse repentino estado de emergência, que dará a Bolsonaro mais munição para tentar reverter a desvantagem nas pesquisas”.

Ribeiro ressalta o apelo político das medidas, avaliando que podem até avançar no Congresso, “apesar da confusão”. No entanto, pondera, “o recesso parlamentar está próximo, começando em 18 de julho, e a fraqueza eleitoral de Bolsonaro reduz, principalmente no Senado, o incentivo à adoção de medidas que, em última instância, têm como principal beneficiário político um presidente cujo governo pode muito bem estar próximo do fim”.

O discurso oficial é de desprezar o resultado das pesquisas, que em geral mostram Lula bem à frente de Bolsonaro. O desespero e a falta de coordenação na resposta à inflação elevada, porém, deixam claro o temor em relação ao resultado das eleições de outubro, assim como os questionamentos ao sistema de votação, com as críticas sem provas à confiabilidade das urnas eletrônicas.

A situação da economia, em especial a inflação, afeta a popularidade de Bolsonaro. Uma das estratégias do governo tem sido tentar jogar integralmente sobre a Petrobras a responsabilidade pela elevação dos preços dos combustíveis, como diz Ribeiro. “O sucesso da estratégia, contudo, é no mínimo duvidoso. Para o consumidor-eleitor, a informação mais importante é que o diesel e a gasolina aumentaram mais uma vez”, afirma ele, referindo-se ao reajuste promovido há 10 dias. “Todos sabem que a Petrobras é uma empresa estatal, ou seja, pertence ao governo de Bolsonaro. A grande maioria dos eleitores não entende nem quer saber dos detalhes da governança da Petrobras”, diz Ribeiro. “Por fim, no Brasil e em qualquer outro lugar, justa ou injustamente, o custo político dos problemas econômicos recai sobre o máximo mandatário do país.” Para piorar a situação da economia, a atividade econômica deve perder mais fôlego no segundo semestre, refletindo o impacto da alta dos juros para conter a escalada dos preços.

A inflação atual incomoda especialmente os mais pobres, que gastam mais com alimentos. Nos 12 meses até junho, os preços de alimentação no domicílio subiram 16,71%, segundo o IPCA-15. Ao elevar o valor do Auxílio Brasil para R$ 600, o governo mira na faixa de eleitores em que o presidente mostra o pior desempenho. Segundo o Datafolha, ele perde de Lula de 56% a 22% entre quem ganha até dois salários mínimos. Não há, porém, um esforço para colocar no programa as cerca de 2,8 milhões de famílias que em abril estavam na fila e atendiam aos critérios para receber o Auxílio Brasil, segundo números da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

Medidas tomadas às pressas, para driblar o teto de gastos, pioram o risco fiscal. Além do enfraquecimento institucional da âncora das contas públicas, a avaliação é que novas medidas nessa direção podem ser tomadas até outubro. Isso pressiona o câmbio, num cenário em que a alta mais forte dos juros nos EUA afeta países emergentes. Mesmo com a Selic em 13,25% ao ano, a solidez das contas externas e as commodities caras, o dólar tem subido - fechou em R$ 5,25 na sexta-feira. No começo de abril, chegou a bater em R$ 4,60. Com incertezas fiscais e eleitorais, o dólar pode continuar em alta nos próximos meses, alimentando a inflação, justamente o que Bolsonaro tenta combater.

 

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