domingo, 26 de junho de 2022

Elio Gaspari: Eletrobras torrou R$ 340 milhões

Folha de S. Paulo / O Globo

Em dezembro de 2017, o repórter Maurício Lima contou que a Eletrobras contratou por cerca de R$ 400 milhões o escritório de advocacia americano Hogan Lovells para investigar roubalheiras descobertas pela Operação Lava Jato no setor de energia. As roubalheiras estavam estimadas em R$ 300 milhões.

Eram os estranhos tempos do lava-jatismo. O Datafolha dava 35% das preferências para uma candidatura de Lula e 17% para Bolsonaro. Donald Trump estava na Casa Branca e, no Brasil, o economista Paulo Guedes trabalhava pela candidatura do apresentador Luciano Huck à Presidência da República. O IBGE informava que, em 2016, 52,2 milhões de brasileiros viviam abaixo da pobreza. Hoje são 54,8 milhões.

A notícia de Maurício Lima foi rebatida pela Eletrobras: As informações seriam "incorretas", deu o assunto por encerrado e batalhou para mantê-lo sob sigilo.

Passaram-se quatro anos e o lava-jatismo tornou-se um anátema. Desde setembro de 2020, circula no Tribunal de Contas da União um relatório de inspeção com 379 páginas e o carimbo de "reservado" sobre o contrato assinado pela Eletrobras com o escritório Hogan Lovells.

No último dia 15, os ministros começaram a tratar do assunto e o trabalho foi suspenso por um pedido de vistas. Está estabelecido pelo relatório que a Eletrobras pagou R$ 340 milhões para investigar desvios que ficaram abaixo dessa quantia.

O relatório mostra como torraram-se R$ 340 milhões para investigar empreiteiras metidas em licitações viciadas, sobrepreços (quando o serviço é caro), superfaturamentos (quando há mutreta na cobrança), benefícios impróprios e subcontratações malandras.

O trabalho da infantaria do TCU mostrou um painel desalentador. Nos contratos com o escritório Hogan Lovells, havia vícios, sobrepreços, superfaturamentos e subcontratações que chegaram a R$ 263 milhões, pagando-se em muitos casos por serviços que não eram comprovados.

Nos tempos da Lava Jato, empreiteiros e gestores públicos viraram Belzebus. Em muitos casos, eram. No entanto, olhando para o que aconteceu no contrato da Hogan Lovells, ocorre um raciocínio cínico, porém inevitável: roubava-se na construção de hidrelétricas, mas as empresas empregavam milhares de trabalhadores e, ao fim do negócio, as usinas produziam eletricidade. O trabalho da Hogan Lovells empregou algumas dezenas de afortunados e produziu papéis de pouca serventia.

A investigação do TCU encontrou "a existência de sobrepreço na contratação" e mais:

"Pagamentos por serviços sem regular e prévia comprovação de sua execução (superfaturamento)."

"Reembolso de despesas não autorizadas previamente ou irregularmente demonstradas."

"Elevação de preços contratuais acima do limite legalmente autorizado."

"Realização de contrato verbal para prestação de serviços não caracterizados como de pequenas compras de pronto pagamento ""Membros da Cigi."

Membros da Comissão Independente de Gestão da Investigação da Eletrobras, a Cigi, além de serem remunerados pelos serviços que prestavam, foram reembolsados por colaborações adicionais. Entre eles: Ellen Gracie Northfleet (ex-presidente da Supremo Tribunal Federal), Durval José Soledade Santos (ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários) e Júlio Sérgio de Souza Cardoso.

"Foi identificado que a Eletrobras firmou termos de reconhecimento de dívida (TRD), com pessoas físicas e jurídicas em vista da prestação de serviços, sem cobertura contratual formal."

O escritório Ellen Gracie Advogados Associados recebeu R$ 474 mil. Os doutores Durval e Júlio Sérgio cobraram R$ 67,5 mil cada um.

Além desses reembolsos, entre 2015 e 2017, Durval recebeu R$ 68 mil mensais e o Ellen Gracie Associados, R$ 131,1 mil mensais em 2015 e 2016 como remuneração por integrar a comissão.

Pagamentos legítimos, remuneravam trabalho. Durval José Soledade Santos, recebeu R$ 2.517 por hora trabalhada e o escritório de Ellen Gracie, R$ 3,6 milhões (R$ 4.788 por hora).

O documento informa:

"Os valores pagos pela Eletrobras aos membros da Cigi são incompatíveis com os preços praticados pelo mercado."

"Os pagamentos por serviços sem regular e prévia comprovação da execução implicaram dano ao patrimônio do tomador e enriquecimento imotivado dos prestadores".

"Os produtos entregues à Eletrobras pelo Hogan Lovells não se prestam à: a) detecção de fraudes já ocorridas que ainda não fossem de conhecimento de autoridades nacionais de controle e investigação; b) prevenção de fraudes futuras ainda não conhecidas."

O relatório de inspeção listou 53 responsáveis e sugeriu que todos sejam ouvidos. Na caçamba, entraram executivos e membros dos conselhos da Eletrobras, bem como os sócios e diretores das empresas contratadas.

O documento é apenas um ponto de partida para o julgamento. Está longe de ser um veredito e a memória das decisões do Tribunal de Contas tem pelo menos um horrível esqueleto. Em 2017 o TCU congelou os bens dos conselheiros da Petrobras numa decisão absurda, com um lance de amnésia seletiva.

Uma coisa é certa: se em 2017 a Eletrobras tivesse tomado o cuidado de investigar a denúncia de Maurício Lima, o caso do contrato com o escritório custaria menos à sua reputação.

Madame Natasha

Madame Natasha adora ler documentos do Tribunal de Contas da União e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo à equipe do relatório de inspeção do contrato da Eletrobras com o Hogan Lovells.
Em duas ocasiões eles queriam dizer "acessoriamente" e escreveram "assessoriamente".

Nada grave. Em março de 1964, antes de entrar para a Academia Brasileira de Letras, o general Aurélio de Lyra Tavares, futuro ministro do Exército, disparou um "acessoramento" numa carta ao seu colega Humberto Castello Branco.

O direito da Unimed

Durante cerca de 20 anos o economista Cláudio Salm, ex-diretor do IBGE, foi freguês da operadora de saúde privada Unimed. Diagnosticado com um câncer de pulmão, recorreu a um medicamento importado.

Como o fármaco não estava na lista da Anvisa, foi à Justiça e obteve uma liminar que lhe assegurava o reembolso.

Meses depois, em abril de 2006, o remédio entrou na lista da agência.

Em agosto de 2019 Cláudio Salm morreu.

A Unimed está na Justiça, cobrando R$ 176 mil ao espólio do falecido.

Como o Superior Tribunal de Justiça decidiu que as operadoras não são obrigadas a reembolsar o custo de medicamentos que não estão no rol da Anvisa, ficou a questão:

Se a Justiça concedeu uma liminar quando o remédio não está na lista e depois ele é incluído, o espólio do freguês tem que pagar?

Um comentário:

  1. Escrever errado é da lei,hoje ficou mais fácil não errar por causa do computador,quer dizer,corrige só a grafia.

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