quarta-feira, 1 de junho de 2022

Fernando Exman: Assédio institucional contra a Petrobras

Valor Econômico

Bolsonaro vê empresa como rival na pré-campanha

Foi no município de Candeias, a 50 quilômetros de Salvador, que o então presidente Getúlio Vargas pronunciou-se sobre a criação da Petrobras.

Era 23 de junho de 1952, e o Congresso ainda discutia o projeto enviado pelo Executivo meses antes. Vargas enfrentava questionamentos em relação ao caráter nacionalista da proposta, que acabou por ser sancionada apenas no fim do ano seguinte: mais especificamente, no dia 3 de outubro de 1953. A Petrobras completará 69 anos um dia depois do primeiro turno de uma eleição que pode ser determinante para o seu futuro.

Naquele discurso de 1952, Vargas aproveitou uma visita à região produtora de petróleo do recôncavo baiano para explicar o modelo escolhido para a empresa.

Primeiro, relembrou que fora na Bahia anos antes, em 1939, que pela primeira vez jorrou petróleo no Brasil. O feito ocorreu depois de inúmeras sondagens, mas a produção dele resultante era apenas suficiente para atender a uma pequena parcela da demanda local. As reservas baianas chegaram a produzir 5 mil barris por dia no fim de 1951.

“Com essa produção, ainda estamos muito longe de atender às necessidades do país, que consome, em média, 130 mil barris diários, prevendo-se que, em 1953, esse consumo atingirá 170 mil”, completou Vargas, que dificilmente poderia imaginar que aproximadamente 70 anos depois o Brasil produziria 2,9 milhões de barris de petróleo por dia.

Ele já planejava intensificar as pesquisas na “Amazônia, em outros Estados do Norte e na bacia do Paraná”. No mesmo dia, sinalizou a conclusão da primeira refinaria do país, na Baixada Santista, e novos investimentos em pesquisa e exploração.

Para tanto, explicou, seria necessária a criação de uma empresa para dar unidade e eficiência às ações nesta área. Somado a isso, defendeu a instituição de novas fontes de receita por meio da tributação das atividades do setor.

“O projeto de incorporação da Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima, ou, mais simplesmente, Petrobras, visa captar, para o desenvolvimento da indústria brasileira do petróleo, as fontes de receita de que necessita e a centralização de iniciativas que lhe é indispensável”, afirmou. Parte desse dinheiro seria paga pelos proprietários de automóveis.

Na sua visão, a proposta em tramitação garantia o controle do Estado em um setor estratégico sem prejudicar a liberdade de ação industrial e comercial de uma empresa que precisaria ter “bastante flexibilidade, dinamismo, autonomia de ação e máxima capacidade de expansão industrial”. “A Petrobras será, na verdade, o próprio governo agindo no campo da indústria petrolífera, tal como já o faz na indústria do aço, através da Companhia Siderúrgica Nacional. E isto sem prejuízo do concurso do capital privado, através das subscrições compulsórias de todos os proprietários de veículos automóveis”, destacou o mandatário, para quem o formato da proposição impediria condutas indesejáveis de grupos financeiros estrangeiros ou nacionais na companhia.

Foram criadas limitações a subscrições de ações com direito a voto. Estabeleceu-se, também, que o presidente e os diretores da Petrobras deveriam ser nomeados pessoalmente pelo presidente da República. E o presidente da empresa tinha poder de veto sobre as decisões do conselho de administração. “Ela [Petrobras] dará o petróleo do Brasil aos brasileiros e tornará possíveis os recursos financeiros vultosos de que necessitamos para explorar uma das maiores fontes de riqueza da civilização”, acrescentou Vargas.

Desde então, muito mudou. Em 1997, por exemplo, a Petrobras perdeu de vez a atribuição de executar o monopólio estatal que a legislação lhe garantia. E ao longo dos anos foi sofrendo mudanças em sua estrutura, repleta de subsidiárias, que um dia chegou a ser chamada de “sistema Petrobras”.

Em 1999, a companhia adotou um novo estatuto a fim de se adequar à lei das sociedades anônimas e às inovações impostas pela nova regulamentação do setor. Anos depois, já no governo Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou a descoberta de petróleo na camada pré-sal. Sua produção cresceu. Muito.

Entre os pontos mais baixos da sua trajetória, viu-se a eclosão do escândalo do “petrolão” e o controle de preços, feito durante o governo Dilma Rousseff. Após o impeachment, foi adotada a política de preços baseada na paridade nas cotações praticadas no mercado internacional - ponto que tem gerado ataques diários do presidente Jair Bolsonaro à Petrobras.

Tudo indica que a estatal permanecerá no centro do debate político. E não só porque é mais do que provável que os desmandos investigados pela Operação Lava-Jato retornem à pauta quando adversários questionarem a lisura de Lula e seu partido, o PT. Mas, também, devido ao fato de Bolsonaro ter escolhido a Petrobras como principal adversária neste período de pré-campanha eleitoral.

O presidente da República e seu grupo consideram a inflação o maior desafio para a reeleição, sobretudo a alta dos preços dos combustíveis. Para combatê-lo, demonstram disposição de forçar mudanças na composição do conselho de administração da Petrobras, na política de preços da empresa e até mesmo privatizá-la. Como a desestatização total pode levar muito tempo, fala-se, agora, em fatiar a companhia para induzir maior concorrência.

Se aquele discurso de Vargas pode hoje ser visto como um marco nas discussões da criação da empresa, é possível prever que alguma declaração de Bolsonaro possa figurar nos livros de história como o prenúncio do fim da Petrobras como ela é hoje. Isso, claro, se o governo não estiver apenas “blefando”.

Em sua já conhecida estratégia de criar inimigos com o objetivo de evitar debates que o constranjam, o presidente Jair Bolsonaro já atacou outros Poderes e as urnas eletrônicas. Agora, é a Petrobras que sofre o assédio institucional vindo do Palácio do Planalto e de parte da base aliada.

 

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