quarta-feira, 1 de junho de 2022

Pedro Cafardo: Gastar ou não gastar, um dilema regional

Valor Econômico

“Índice da miséria” indica reeleição difícil de Bolsonaro

Mesmo quem não mora em São Paulo certamente já ouviu falar do Minhocão. É uma via elevada expressa que liga as zonas leste e oeste da capital paulista. Seu nome oficial, Elevado Presidente João Goulart, foi adotado em 2016. Desde sua inauguração, em 1971, pelo então prefeito Paulo Maluf, chamava-se Elevado Presidente Costa e Silva.

Muita gente defende a demolição desse monstrengo que atravessa o centro da cidade ou sua transformação em jardim suspenso, algo polêmico. Mas não é disso que se pretende tratar aqui, e sim dos sinais emitidos em cima e embaixo do elevado.

Fechado para veículos nos fins de semana, o Minhocão abre quatro pistas bem agradáveis para ciclistas e pedestres em seus 3,5 km. Um desses ciclistas, dias atrás, caiu em um buraco no elevado e, irritado, resolveu fotografar e contar os rombos nas pistas: achou 11, alguns deles capazes de estourar pneus de carros e provocar acidentes.

O cenário mais assustador, porém, está embaixo do Minhocão, um longo espaço coberto e sempre aberto a centenas de moradores de rua. Com barracas ou cabanas, neste maio gelado, famílias inteiras de sem-teto proporcionaram ali um “espetáculo” desolador.

Se este texto fosse para um documentário, o roteirista cortaria agora para uma entrevista do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). Ao completar um ano de gestão - assumiu após a morte de Bruno Covas -, Nunes anuncia que a prefeitura tem em caixa R$ 30 bilhões, sendo R$ 18,9 bilhões livres, disponíveis para gasto em qualquer área.

Não há aqui intenção de criticar o prefeito. Qualquer cidadão, porém, pode constatar as condições da cidade: buracos, ruas abandonadas na periferia, calçadas intransitáveis, faixas de pedestres apagadas, mato e, mais importante, o triste “espetáculo” de milhares de moradores de rua. Há 1,4 milhão de paulistanos em situação de pobreza extrema.

Na verdade, São Paulo é uma amostra do que se passa no país: tristes cenários urbanos, deslizamentos de morros em sequência, com mortes, e superávits orçamentários. Nessas condições, como podem gestores públicos, sentados em montanhas de dinheiro, dormir à noite? Dormem, talvez, porque em geral são vítimas de duas armadilhas: uma, a falta de experiência na gestão pública; outra, o equivocado viés ideológico fiscalista pelo qual é preciso equilibrar as contas públicas ou obter superávits em todas as situações.

Durante a pandemia, gestores públicos em todo o mundo vêm expandindo gastos para atender às necessidades sanitárias da população e conter a recessão. Foi obviamente dominante a política anticíclica, pela qual os governos gastam mais em momentos de contração e cortam despesas quando se dá a expansão.

Certamente, gestores estaduais e municipais precisam pagar dívidas e cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sabem também que parte do aumento da receita se deve à elevação da inflação. E devem avaliar a possível perda de recursos - estima-se em até R$ 83 bilhões - se o Congresso aprovar o teto de ICMS sobre combustíveis e outros setores essenciais. Apesar disso, há também a responsabilidade social, que não recomenda a acumulação bilionária de caixa em tempos tão assustadores.

Aqui o roteirista do eventual documentário faria outro corte para apresentar os números da excelente situação fiscal de Estados e municípios. Em 2021, em plena crise sanitária, tiveram superávit de R$ 43,4 bilhões. Neste ano, no primeiro trimestre, o saldo já alcançava R$ 53,85 bilhões - só em março, R$ 18,8 bilhões, o maior para o mês em 30 anos. No fim do primeiro bimestre, publicou “O Globo”, tinham em caixa R$ 505 bilhões.

Essa exuberância fiscal começou com repasses da União para o combate à covid-19. Depois, a inflação elevou as receitas enquanto as despesas eram contidas.

Dada a situação da economia, estagnada, seria o caso de inverter a famosa frase de Tancredo Neves, que ele pronunciaria em 15 de março de 1985 se tivesse tomado posse: “É proibido não gastar”.

Não se trata de propagar irresponsabilidade fiscal. Trata-se de alertar Estados e municípios sobre a sua responsabilidade na adoção de medidas anticíclicas em momento de contração econômica, miséria, desemprego e fome. O óbvio caminho para esses bilhões acumulados seriam investimentos que criam empregos, desde obras para tapar buracos como os do Minhocão até ações para dar ocupação e moradia a milhares de pessoas que vivem embaixo de elevados e viadutos. Superávits não são troféus para exibição como se fossem lucros de empresas privadas. E podem até caracterizar incompetência.

Tarefa difícil

Mudando de assunto, mas nem tanto, vai, abaixo, um gráfico revelador. Foi produzido pelo economista Adalmir Marquetti, da PUC-RS, “só por curiosidade”, somando taxas de inflação e desemprego durante os últimos governos, de FHC a Bolsonaro.

A linha gráfica revela que “a reeleição de Bolsonaro é uma tarefa difícil”, diz Marquetti. Presidentes que elevaram esse “índice da miséria” não tiveram sucesso eleitoral nem apoio no Congresso. É o que se vê no gráfico, que dispensa comentários, inspirado no “misery index”, criado pelo economista Arthur Okun (1928-1980), na década de 1970, nos EUA.

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