Valor Econômico
Paralisação é risco para a economia e o
ambiente político
Uma nova greve dos caminhoneiros está no
radar de preocupações daqueles que enumeram os riscos à economia e à ordem
pública até o fim do ano.
Deveria constar, também, da lista do
presidente Jair Bolsonaro. No entanto, ao que parece ele acredita que pode se
beneficiar politicamente de um movimento semelhante ao que paralisou o país
quatro anos atrás. Afeito a criar cortinas de fumaça para distrair a opinião
pública dos problemas que o seu próprio governo não resolve, Bolsonaro pode
acabar tumultuando o que lhe resta de mandato se fizer essa aposta.
Anteontem, comentou que soube da possibilidade
de um grupo se reunir na segunda-feira a fim de pressionar a Petrobras a
reduzir o preço do diesel. O problema é que um dos organizadores do encontro é
acusado de realizar atos antidemocráticos no 7 de Setembro: incentivar essa
mobilização será um erro, o qual pode ainda ter efeitos danosos à economia e ao
ambiente de negócios.
A experiência de 2018 precisa ser recapitulada.
Era domingo, dia 20 de maio, quando o então
candidato à Presidência pelo PSL divulgou um vídeo defendendo a greve. Deputado
do baixo clero, ele afirmou que a categoria não encontrava apoio no Legislativo
e o Executivo teimava em se omitir. “Somente a paralisação prevista a partir de
segunda-feira poderá forçar o presidente da República a dar uma solução para o
caso.”
Mas o mundo dá voltas, as rodas dos
caminhões giram.
Aquela foi uma semana tensa. Enquanto os
negociadores do governo mantinham contato direto com lideranças dos
caminhoneiros, um gabinete de crise se reunia diariamente às 10h da manhã. Por
fim, fechou-se um acordo na quinta-feira.
A União decidiu ressarcir a Petrobras para
garantir uma redução de 10% no preço final do diesel. Para dar mais
previsibilidade aos custos da categoria, ficou definido que o preço cobrado só
mudaria a cada 30 dias. Houve a eliminação da Cide que incidia sobre o diesel,
o estabelecimento de uma reserva de 30% das cargas da Conab para
transportadores autônomos e a discussão de uma tabela com um piso para os
fretes. Assim como hoje faz Bolsonaro, o governo federal também apelou para que
os Estados reduzissem o ICMS que incide sobre os combustíveis.
O alívio pouco durou. No dia seguinte, o
presidente Michel Temer fez um pronunciamento à nação em tom grave. Lembrou que
um acordo havia sido assinado, mas uma ala radical da categoria insistia em
bloquear trechos de rodovias.
Após listar as concessões feitas aos
transportadores, concluiu: estava decretada uma ação de Garantia da Lei e da
Ordem (GLO), na qual militares ajudariam as polícias estaduais e a Polícia
Rodoviária Federal (PRF) a assegurar a circulação de insumos em todo território
nacional. “O governo teve, como tem sempre, a coragem de dialogar. O governo,
agora, terá a coragem de exercer sua autoridade em defesa do povo brasileiro”,
declarou Temer.
No dia 29, pouco antes do fim total da
greve, a postura de Bolsonaro mudou. “Chegamos ao limite nesta questão. Não
colaboro mais com esticar a corda. Tenho apelado aos caminhoneiros de forma
bastante humilde que revejam a situação”, disse em uma entrevista. “Nós não
podemos quebrar o Brasil para atingir uma classe política ineficiente. A minha
classe política é um desastre”, acrescentou.
Dados oficiais dão dimensão ao estrago. Num
primeiro momento, avaliou-se no governo de forma conservadora que a greve dos
caminhoneiros custaria entre R$ 15 bilhões e R$ 16 bilhões para a economia, ou
o equivalente a 0,2 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) daquele
ano. A previsão de crescimento era 2,5%, a qual foi logo revisada para baixo
por causa da greve.
O PIB de 2018 acabou crescendo 1,8%, de
acordo com dados revisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) - ante uma alta inicialmente divulgada de 1,3%. Ainda assim, nada a
comemorar: nas contas feitas à época pelo extinto Ministério da Fazenda, o
impacto negativo da crise de abastecimento decorrente da paralisação chegou a
1,2 ponto percentual do PIB.
Isso deveu-se à falta de combustíveis e
alimentos, por exemplo, em mercados e feiras. A agropecuária também sentiu os
efeitos danosos do movimento: criadores tiveram que sacrificar animais por
falta de ração, produtores de leite viram milhões de litros de leite se perder
por falta de transporte até o consumidor. A inflação acelerou. Um estudo do
Banco Central concluiu que, além do impacto direto sobre a atividade, a greve
afetou a confiança dos agentes em relação à recuperação econômica, com
possíveis impactos sobre as decisões de produção, consumo e investimento.
Um dos principais negociadores do governo
Temer durante a greve de 2018, o ex-ministro da Secretaria de Governo Carlos
Marun destaca uma diferença daquele momento com o que se observa hoje: “De um
dia para o outro foi praticamente parado o Brasil. Isso não se faz simplesmente
com alguns caminhoneiros trocando mensagens por WhatsApp. Houve uma organização
maior. Os organizadores são simpatizantes hoje do bolsonarismo e não estão
interessados em criar uma situação que possa atrapalhar mais ainda o difícil
caminho de reeleição do presidente. Não acredito numa nova greve,
principalmente com aquela força que tivemos que enfrentar”.
Ainda assim, militares estão acompanhando a
situação com atenção. No Judiciário, onde está em análise a constitucionalidade
do tabelamento dos fretes, avalia-se que os caminhoneiros saíram fortalecidos
da pandemia depois de terem mantido as atividades durante os momentos mais
graves da crise. Algo a classe política irá dar para a categoria se acalmar.
Existe, porém, um outro efeito colateral
dessa mobilização. Em 2018, Nereu Crispim (PSD-RS) destacou-se e se tornou
líder da frente parlamentar do segmento. André Janones (Avante-MG) também virou
deputado e hoje é pré-candidato ao Planalto. Agora, a categoria tenta se
organizar para eleger uma bancada maior na Câmara e nas assembleias
legislativas de 12 Estados.
É impossível prever o futuro. Porém, mais do que possível, é necessário revisitar o passado para escolher melhores saídas diante dos desafios do presente.
Bolsonaro apoia tudo que não presta.
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