Valor Econômico
Aliados do presidente Bolsonaro criticam rumos
da campanha
Em uma tarde de domingo sem emoções no
noticiário político, o telefone celular vibra com a notificação de mais uma
mensagem do presidente Jair Bolsonaro (PL) à sua lista de transmissão. “Governo
aprimora o Bolsa Família, beneficiando de forma mais justa a mais brasileiros!”,
diz o título da nota disparada para 1,3 milhão de destinatários.
Horas depois, já na segunda-feira de manhã, outra postagem surge no perfil do presidente nas redes sociais. “A transposição [do rio São Francisco] era para ter concluído em 2010, no final do governo Lula. Passou para 2012 com a Dilma, para 2014 e não concluíram nada. Nós pegamos partes de obra lá completamente destruídas. Tiveram que ser refeitas novamente”, afirma o presidente na entrevista replicada. “Teve barragem que estava sendo construída desde 1952, nem eu era nascido ainda, e nós concluímos. Como é a barragem de Oiticica. Então, hoje a água está chegando no Nordeste de fato.”
Os exemplos são diários. Em outras
publicações, Bolsonaro lista uma série de obras iniciadas por gestões anteriores
que foram ou serão concluídas até o dia 31 de dezembro.
“Aprimorar”,
“refazer” e “concluir”. Verbos fracos e sem personalidade, que evidenciam uma
das principais dificuldades enfrentadas pelos estrategistas da pré-campanha de
Bolsonaro à reeleição: o governo não tem uma marca própria.
Isso se reflete nos resultados das
pesquisas, apesar de autoridades do Executivo insistirem em desqualificá-las em
público. Nos bastidores, com frequência o papo é outro.
Não se trata de fogo amigo. Os comentários
são feitos por quem quer sair vitorioso da disputa, nacionalmente e nos
Estados, e por isso aponta a necessidade de a campanha rediscutir a estratégia,
levar a sério as propagandas de rádio e televisão e acelerar as articulações
voltadas à arrecadação de recursos.
Para esses aliados de Bolsonaro no
Congresso, as redes sociais devem ter um papel fundamental na campanha. Mas não
podem novamente ser tratadas como o único instrumento de comunicação, como
ocorreu em 2018. É considerável o desafio de convencer o presidente de que as
redes sociais, comandadas por seu filho Carlos, ajudam a mobilizar quem já está
decidido a permanecer ao seu lado. Isso não quer dizer que serão decisivas para
reconquistar quem votou em Bolsonaro nas últimas eleições e se arrependeu. Ou
ampliar o número de brasileiros dispostos a dar a ele mais um mandato.
Quando um consumidor quer comprar um
produto, só efetiva a aquisição depois de fazer uma boa pesquisa. Procura saber
as características daquilo que é de seu interesse, as vantagens e desvantagens.
Analisa os concorrentes, o custo-benefício de cada potencial escolha e o
provável tratamento que receberá no pós-venda.
O mesmo vale para os políticos. Muitos
marqueteiros veem os eleitores como se fossem compradores, que até podem se
mover por paixão, mas, ainda assim, realizam suas comparações antes de fazer
uma escolha. É por isso que existe a preocupação, no entorno do presidente, com
o que Bolsonaro irá mostrar na propaganda eleitoral e como ele se comportará
daqui em diante.
Estão fracassando na tentativa de
convencê-lo a parar de atacar outros Poderes, e essa conduta o tem afastado do
que é visto como urgente por alguns de seus aliados.
Primeiro, o presidente tem que ser mais
eficaz na proteção do seu próprio terreno. Em outras palavras, impedir que
adversários se apropriem de bandeiras com as quais ele buscou identificar-se
nos últimos anos. Um exemplo é a defesa do que ele e seus aliados consideram
ser o conceito de “família” e outros valores conservadores.
Em paralelo, tornou-se imperativo dar mais
publicidade ao que foi feito nos últimos anos. É muito difícil um governante
bem avaliado não se reeleger ou conduzir um sucessor à vitória. Porém, para
isso se concretizar, é essencial que a gestão seja identificada com uma boa
marca.
No entorno do presidente, reconhece-se que
a transposição do rio São Francisco e o Bolsa Família são mais ligados ao
governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Dilma Rousseff, também do Partido dos
Trabalhadores, subiu a rampa do Palácio do Planalto muito em razão da imagem de
boa gestora que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) lhe propiciou. O
processo de impeachment a que foi submetida demonstrou que essa imagem era
bastante questionável, mas também é inegável que o PAC deu impulso a diversas
obras Brasil afora.
Michel Temer (MDB) assumiu a Presidência na
sequência e entregou parte das reformas que prometeu fazer. A defesa da reforma
trabalhista, inclusive, passou a constar do discurso de Bolsonaro contra os
pré-candidatos de esquerda.
Que ele cite a renegociação de dívidas do
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o aumento da validade da carteira de
motorista, a nova lei de liberdade econômica e o aumento da concessão de
títulos de propriedades rurais. O Pix é sempre mencionado também pelo chefe do
Executivo. Porém, ainda assim, ele ainda não emplacou uma marca própria forte.
Aliados do presidente no meio político
lamentam que o presidente não tenha sido firme o suficiente para exigir da
equipe econômica a elevação do valor do Auxílio Brasil, hoje em cerca de R$ 400
em média. Sim, é muito mais do que o recebido pelas famílias mais pobres do
país em governos anteriores. Mas o benefício é inferior ao valor inicial do
Auxílio Emergencial, de R$ 600, e desde que foi anunciado já perdeu seu poder
de compra devido à inflação.
Além disso, estes aliados não se conformam
com a incapacidade do governo de trocar os cartões do programa. A bandeira
“Bolsa Família” continua a circular por aí.
Bolsonaro tende a enfrentar severas
dificuldades para convencer o eleitor de que é o mais indicado para solucionar
o principal problema que atinge a vida do brasileiro, a economia. E os
especialistas em marketing político não conseguem fazer mágica. No entanto,
costumam ajudar aqueles que aceitam ouvir seus conselhos. Lula também teve
problemas na área de comunicação de sua pré-campanha e correu para resolvê-los.
Parece que o homem-candidato e o candidato-homem é um caso perdido.
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