Folha de S. Paulo
Uma selva habitada por homens
desinteressados pelo paradeiro de Dom e Bruno
A imagem mais clichê que se tem do Brasil
no exterior não é exagerada. O Brasil é uma selva. Mas em vez de onças,
anacondas e jacarés, o animal que coloca em risco a vida das pessoas é o
político brasileiro. A letargia do governo em mobilizar esforços para procurar
o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips é sintoma da selvageria
em que vivemos.
Jair Bolsonaro nem tentou fingir alguma preocupação quando questionado sobre o caso. Classificou como "aventura não recomendada" o trabalho dos profissionais. Minimizou a violência à qual a região está exposta, afirmando que os dois podem ter sido vítimas de uma "maldade". Desde quando dois possíveis assassinatos podem ser chamados de "maldade"? No Brasil de Bolsonaro.
Ele, que gosta de dizer que a Amazônia é
dos brasileiros, parece ignorar —ou não se importa mesmo— de que já deu
no New York Times que a posse foi entregue a traficantes,
pistoleiros, invasores de terra e matadores de indígenas. Bolsonaro conseguiu a
façanha de mostrar que não são só nossas florestas que estão à mercê da
milícia, mas o país inteiro, refém do bolsonarismo sustentado pelo centrão.
Bolsonaro et caterva normalizam fome,
desemprego, mortes na pandemia, chacinas em favelas e violência contra
ativistas e jornalistas, atacam instituições, incitam violência, ameaçam
adversários políticos. O desaparecimento de Bruno e Dom é tratado como vírgula
num cotidiano de barbárie, marca deste governo violento.
A imagem de um país exótico em que os
macacos andam no meio dos carros é caricata, mas parte da classe política se
encaixa nessa descrição de um Brasil subdesenvolvido, habitado por bárbaros que
usariam a lei de talião se pudessem. A verdadeira selva brasileira foi
projetada por Niemeyer, fica no Planalto Central e é habitada por homens de
terno e gravata que não estão interessados no paradeiro de Dom e Bruno e no que
isso representa.
A lei da selva é a que impera.
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