O Globo
Trinta e três milhões de pessoas passam
fome no Brasil. O número praticamente dobrou em dois anos. É um caso de
emergência nacional.
Não creio que Bolsonaro esteja se
importando muito com isso. Quando morriam as pessoas com Covid-19, ele disse:
— E daí? Não sou coveiro.
Um humorista lembrou muito bem que ele pode
dizer agora:
— E daí? Não sou cozinheiro.
Tenho escrito que Bolsonaro é um bode na sala. Um imenso bode. Por trás de sua incompetência e insensibilidade, há uma crise muito séria, que não se resolverá com paliativos. Desde a década passada sobem os preços de alimentos e energia, assim como se sucedem eventos extremos causados pela emergência climática.
A crise ficou apenas mais profunda com a
pandemia, que matou mais de 6 milhões, e uma estúpida guerra, que opõe um
grande produtor de petróleo a um grande produtor de alimentos.
Evidente que esse pano de fundo será
ofuscado pela ruidosa derrota de Bolsonaro. O alívio imediato é uma sensação
que precisa ser vivida até que deparemos com a realidade de um mundo que mudou
e com a evidência de que o passado não volta mais.
Ironicamente, Bolsonaro venceu em 2018
colocando-se contra o sistema. Desprezava tudo, até o marketing político.
Agora, aconselhado por seus amigos
sistêmicos do Centrão, procura jovens dos mais jovens. Como? Com um discurso
paternalista, do tipo “obedeçam aos seus pais”.
Quem obedece aos pais não precisa de ajuda
de Bolsonaro para fazê-lo; quem não obedece não o fará influenciado por ele.
No fundo, seu movimento de conquista dos
jovens, no máximo, reforçou seu discurso para os mais velhos. Coisas do
marketing político que, como tantas outras iniciativas, acaba obtendo o
contrário do que almeja.
No auge da crise planetária, quando o bode
sair da sala, nos daremos conta de que a destruição da Amazônia é um de seus
componentes mais dramáticos.
Neste momento, o desaparecimento de um
jornalista inglês, Dom Phillips, e de um indigenista, Bruno Pereira, é um
aprendizado nacional.
Poucos conhecem o Vale do Javari, que, com
85 mil quilômetros quadrados, é maior que a Áustria. Poucos sabem que vivem ali
indígenas que chamamos de isolados, mas são, na realidade, grupos que não
querem contato, preferem viver sua vida.
Fica mais evidente, com o desaparecimento
de Dom e Bruno, que a Amazônia é controlada por grupos criminosos um pouco como
alguns morros do Rio. Jornalistas que tentam mostrar essa realidade podem
sofrer o que sofreu Tim Lopes.
Continuo esperançoso em que os desaparecidos
sejam encontrados. Mas é impossível não acentuar que a presença do crime
organizado na Amazônia é fruto de uma política.
Hoje podemos dizer que é uma insanidade a
ideia de controlar a natureza, ainda mais o sonho dos militares, teorizado por
Golbery do Couto e Silva, de domar a floresta, vista como um “inferno verde”.
Essa concepção certamente levaria a uma
tolerância com o garimpo, a grilagem, o desmatamento e agora o tráfico de
drogas e animais silvestres.
Nesse sentido também, Bolsonaro é apenas um
bode na sala. Simboliza, de forma caricatural, toda uma concepção de mundo que
vai da produção ao consumo, até a maneira como se faz da natureza um simples
objeto do avanço tecnológico. Ironicamente, a Amazônia que os militares querem
proteger dos invasores imaginários já está invadida pelo crime organizado, que
a destrói impiedosamente.
Nosso orgulho nacional de alimentar o
planeta com um poderoso agronegócio torna-se um constrangimento, diante do fato
de cerca de 15% do nosso povo passar fome.
Não cabe mais perguntar que país é este. Já
sabemos o bastante para responder dolorosamente.
Árvores tombando, rios contaminados, corpos
humanos torturados pela fome, talentos perdidos. O Brasil é um país suicida.
''O Brasil é um País suicida'',fato.
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