segunda-feira, 27 de junho de 2022

Fernando Gabeira: Verde, rosa e vermelho, novas cores da amazônicas

O Globo

Se o favoritismo de Lula for confirmado nas urnas, uma nova configuração se instalará na Amazônia. Pela primeira vez, a maioria esmagadora da região estará sob controle da esquerda: Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela.

Ao abordar o tema pela primeira vez, confesso que pode ser apenas uma informação curiosa, de almanaque. Mas pode também representar uma novidade geopolítica, dependendo de alguns fatores: a consciência da necessidade de preservar, o desejo de cooperação para a sustentabilidade, a vontade de articular o apoio planetário, sobretudo das grandes democracias ocidentais.

Nesse sentido, as eleições na Colômbia são promissoras. O governo Gustavo Petro-Francia Márquez anunciou a prioridade na transição para uma economia de baixo carbono e, sobretudo, a vice parece muito consciente do desafio ambiental.

A Colômbia, ao lado do Chile de Gabriel Boric, é considerada a tendência cor-de-rosa da esquerda. O que parece adequado não só pela moderação, mas pela presença decisiva das mulheres.

Confesso que ainda há um longo caminho de formulação e empenho para que um novo pacto sobre a Amazônia se realize.

No entanto a experiência me indica que são muitas as vantagens, desde que os governos saibam também articular as autoridades locais e a própria sociedade. O combate ao desmatamento entre 2004 e 2013 deu certo no Brasil porque houve essa ampla articulação.

Um exemplo interessante que o momento nos oferece: o Vale do Javari, onde morreram Dom Phillips e Bruno Pereira, dominado pelo crime, poderia ser mais bem protegido por uma cooperação entre Brasil, Peru e Colômbia.

O papel da Colômbia é especial. Visitei Tabatinga e Leticia, duas cidades muita próximas na fronteira. A informação que obtive lá é que a Colômbia é muito mais bem equipada para patrulhar a região. Isso se deve a um grande investimento americano.

O Brasil tem muito a oferecer, sobretudo as imagens do Inpe, que poderiam dar um quadro bem amplo dos problemas da região. Da mesma forma, o próprio Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), na época em que estive na política, era potencialmente um trunfo diplomático, pois trabalhava com o mesmo fator que poderia ser nosso diferencial: a informação.

A experiência mostrou que, apesar do desastre de seu modelo, a Venezuela não pode ser alijada da cooperação. Não me refiro apenas à produção de energia para Roraima e outros laços econômicos.

Na década de 1990, formamos uma comissão de deputados para tratar da questão ianomâmi, uma vez que o território indígena existe de um lado e de outro da fronteira. Nada mais urgente que retomar o trabalho, agora que o garimpo ilegal também ignora limites nacionais.

Nas inúmeras viagens que fiz à fronteira, constatei o interesse mundial pelo Monte Roraima, que pode ser explorado pelos dois países.

Apesar de estar fora dessa configuração, a Guiana Francesa também pode ser considerada um território de cooperação. De um lado, é preciso desestimular projetos poluidores da França; de outro, conter a entrada ilegal de garimpeiros.

Toda essa divagação geopolítica, certamente, dependerá da visão dos governos de esquerda. Historicamente, têm um discurso simpático à preservação. Na prática, não se destacam tanto dos outros.

A extrema direita é inigualável em seu ímpeto destrutivo. Uma das vantagens colaterais é que estimula a solidariedade internacional.

Um discurso politicamente correto e uma prática leniente com a destruição podem combinar resultados negativos na Amazônia e uma certa passividade planetária, na suposição de que tudo está sob controle.

A possibilidade histórica que se abre, portanto, é cobrar coerência entre discurso e prática e, simultaneamente, o compromisso internacional de alavancar o desenvolvimento sustentável da região.

Afinal, por que não tentar tudo, diante da situação dramática da Amazônia e de seus habitantes?

 

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