O Globo
Se o favoritismo de Lula for confirmado nas
urnas, uma nova configuração se instalará na Amazônia. Pela primeira vez, a
maioria esmagadora da região estará sob controle da esquerda: Brasil, Bolívia,
Peru, Colômbia e Venezuela.
Ao abordar o tema pela primeira vez,
confesso que pode ser apenas uma informação curiosa, de almanaque. Mas pode
também representar uma novidade geopolítica, dependendo de alguns fatores: a
consciência da necessidade de preservar, o desejo de cooperação para a
sustentabilidade, a vontade de articular o apoio planetário, sobretudo das
grandes democracias ocidentais.
Nesse sentido, as eleições na Colômbia são
promissoras. O governo Gustavo Petro-Francia Márquez anunciou a prioridade na
transição para uma economia de baixo carbono e, sobretudo, a vice parece muito
consciente do desafio ambiental.
A Colômbia, ao lado do Chile de Gabriel
Boric, é considerada a tendência cor-de-rosa da esquerda. O que parece adequado
não só pela moderação, mas pela presença decisiva das mulheres.
Confesso que ainda há um longo caminho de formulação e empenho para que um novo pacto sobre a Amazônia se realize.
No entanto a experiência me indica que são
muitas as vantagens, desde que os governos saibam também articular as
autoridades locais e a própria sociedade. O combate ao desmatamento entre 2004
e 2013 deu certo no Brasil porque houve essa ampla articulação.
Um exemplo interessante que o momento nos
oferece: o Vale do Javari, onde morreram Dom Phillips e Bruno Pereira, dominado
pelo crime, poderia ser mais bem protegido por uma cooperação entre Brasil,
Peru e Colômbia.
O papel da Colômbia é especial. Visitei
Tabatinga e Leticia, duas cidades muita próximas na fronteira. A informação que
obtive lá é que a Colômbia é muito mais bem equipada para patrulhar a região.
Isso se deve a um grande investimento americano.
O Brasil tem muito a oferecer, sobretudo as
imagens do Inpe, que poderiam dar um quadro bem amplo dos problemas da região.
Da mesma forma, o próprio Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), na época
em que estive na política, era potencialmente um trunfo diplomático, pois
trabalhava com o mesmo fator que poderia ser nosso diferencial: a informação.
A experiência mostrou que, apesar do
desastre de seu modelo, a Venezuela não pode ser alijada da cooperação. Não me
refiro apenas à produção de energia para Roraima e outros laços econômicos.
Na década de 1990, formamos uma comissão de
deputados para tratar da questão ianomâmi, uma vez que o território indígena
existe de um lado e de outro da fronteira. Nada mais urgente que retomar o
trabalho, agora que o garimpo ilegal também ignora limites nacionais.
Nas inúmeras viagens que fiz à fronteira,
constatei o interesse mundial pelo Monte Roraima, que pode ser explorado pelos
dois países.
Apesar de estar fora dessa configuração, a
Guiana Francesa também pode ser considerada um território de cooperação. De um
lado, é preciso desestimular projetos poluidores da França; de outro, conter a
entrada ilegal de garimpeiros.
Toda essa divagação geopolítica,
certamente, dependerá da visão dos governos de esquerda. Historicamente, têm um
discurso simpático à preservação. Na prática, não se destacam tanto dos outros.
A extrema direita é inigualável em seu
ímpeto destrutivo. Uma das vantagens colaterais é que estimula a solidariedade
internacional.
Um discurso politicamente correto e uma
prática leniente com a destruição podem combinar resultados negativos na
Amazônia e uma certa passividade planetária, na suposição de que tudo está sob
controle.
A possibilidade histórica que se abre,
portanto, é cobrar coerência entre discurso e prática e, simultaneamente, o
compromisso internacional de alavancar o desenvolvimento sustentável da região.
Afinal, por que não tentar tudo, diante da
situação dramática da Amazônia e de seus habitantes?
Boa,muito boa a estratégia de cooperação.
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