Folha de S. Paulo
Violência suga a vitamina da vida, a
alegria de viver
A morte de
Bruno Pereira e Dom Phillips afunda
de vez a imagem
do Brasil na esfera internacional. Uma crueldade. Barbarismo. Ausência do
Estado na região
amazônica. Um país campeão de violência. E uma pregação irresponsável
do maior
dirigente do país, que atribui a culpa das mortes às próprias
vítimas. "O
que estavam fazendo lá?" "O jornalista era malvisto na área." Quanta
insanidade!
Antes de o leitor terminar de ler este segundo parágrafo, dois cidadãos estão tombando ou sendo assaltados nos vastos espaços do território nacional, vítimas da bandidagem. De 5 doentes que baixam nos hospitais brasileiros, pelo menos 1 é vítima de uma "guerra civil" que mata por ano mais de 58 mil brasileiros (em 2018, registraram-se 57.956 homicídios; nos EUA, em 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19, ocorreram 19.350 homicídios por arma de fogo). O Brasil é campeão.
Outro olhar é para o empobrecimento do
país. Dado recente: 33
milhões de brasileiros passam fome, enquanto outros 30 milhões descem à
base da pirâmide, de onde haviam saído para a classe C nos últimos anos. Nestes
tempos de milícias e grupos organizados, a farra com o dinheiro do povo
continua —basta ver o orçamento para gastos com a campanha eleitoral, de cerca de R$
5 bilhões.
Os assassinatos do indigenista
Bruno e do jornalista
inglês Dom, no Vale do Javari (AM), escancara a triste realidade: o Brasil
não administra seus limites territoriais. Parcela ponderável da Amazônia
brasileira está sob controle de cartéis de drogas, garimpeiros, madeireiros,
bárbaros que devassam a floresta.
Em todos os recantos, o retrato do descaso
se apresenta, ornamentado com gigantesca galeria
de mortos.
O quadro é aterrador: bandidos assaltando,
dominando morros no Rio de Janeiro, matando pessoas; policiais matando
bandidos; bandidos matando policiais; bandidos roubando o dinheiro de
companheiros presos; vez ou outra, motins nos cárceres apinhados; estupros e
mortes violentas. A Amazônia brasileira? Terra
sem lei.
O clima de insegurança e medo só é mesmo
comparável aos descritos nos filmes de ficção científica, onde robôs armados
até os dentes, com todo o aparato tecnológico, não conseguem desbaratar
quadrilhas mancomunadas com a polícia, conter o ímpeto de galeras enfurecidas
ou o arrojo de súcias de bandidos.
A brutalidade jorra em proporção
geométrica, e as paliativas soluções governamentais —melhoria e ampliação do
sistema penitenciário, reforço e reaparelhamento das polícias, reforço às
estruturas de assistência aos povos indígenas— não passam de lorotas.
O beabá para combater a violência deve
começar com o desfazimento da cosmética de miséria que
se instalou no país. Os cinturões metropolitanos, já saturados de lixões que
ofertam um banquete pantagruélico para urubus, crianças e mães famintas, são
também palco para a exibição de corpos chacinados em decomposição, vítimas do
ciclo de violência destes tempos horripilantes.
O que se vê é a expansão
dos contingentes das ruas, esmoleres e mendigos, que passam a noite embaixo
de pontes e viadutos, cobertos por caixas de papelão.
O tal Auxílio
Brasil, de R$ 400, não cobre a despesa alimentar. Milhões de famílias foram
expulsas da rede assistencial. A inflação pode
atingir, logo mais, 15% ao mês, apenando mais ainda os miseráveis. E o ministro
da Economia, Paulo Guedes,
fala do Brasil como se fosse uma ilha de segurança em um oceano global revolto.
Nestes tempos armados, os bárbaros se
multiplicam pelos espaços, formando um império do "poder
informal". Norberto Bobbio,
em seu clássico "O Futuro da Democracia", já dizia: a eliminação do
poder invisível é uma promessa não cumprida da democracia. Poder que age nas
entranhas do Estado.
Sem ânimo, emoções envenenadas, os cidadãos
se veem acossados pela violência, entram em um limbo catatônico,
assemelhando-se a dândis em passeio macabro e estonteante por um jardim de
horrores. A violência suga a vitamina da vida, a alegria de viver. Ao fundo, a
sombra do vírus da pandemia em sua quarta
visita ao nosso habitat.
*Jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político
A violência campeia e,o pior,incentivado pelo chefe-mor do executivo.
ResponderExcluir