Valor Econômico
Escalada populista atinge não apenas a
gestão fiscal, mas também a Petrobras, num grau de intervenção de fazer inveja
às administrações petistas
Na ata da última reunião o Banco Central
admitiu estar cada vez mais difícil o objetivo de trazer a taxa de inflação
para o centro da meta em 2023. Por isso, sinalizou uma alta da taxa Selic acima
do que esperava a média dos analistas e também a permanência por mais tempo dos
juros nesse patamar mais elevado. São vários os fatores a dificultar a tarefa
do BC, muito deles de origem externa, mas as ações e omissões do Executivo e do
Legislativo têm sido um obstáculo formidável para a queda mais rápida e
contundente da inflação brasileira.
Ao introduzir na ata, de modo inesperado, menção às projeções de inflação de 2024 e explicitar seu objetivo de derrubar a inflação em 2023 para uma taxa “ao redor da meta”, o Banco Central dá uma no cravo e outra na ferradura: não admite o abandono da busca de convergência para a meta no corrente ano, mas ao mesmo tempo começa a sinalizar - em linha com as expectativas de mercado - que tal objetivo se encontra cada vez mais distante. De toda maneira, em função da complexa conjuntura externa e dos movimentos erráticos no âmbito fiscal, o resultado inevitável do texto divulgado pelo BC foi a leitura de que a autoridade monetária jogou a toalha e que o “horizonte relevante” para a política passou a ser 2024.
Alguns analistas têm criticado o Banco
Central pelas dificuldades para reduzir a inflação observada e as expectativas
futuras, atribuindo-lhe uma reação tardia e insuficiente aos sinais de piora
dos cenários doméstico e externo. Não compartilho dessa opinião, principalmente
porque não é razoável pretender que o Banco Central tenha o dom absoluto de
adivinhar o futuro. Trabalha, como nós analistas, com cenários, hipóteses e
modelos estatísticos que podem se mostrar equivocados. Aliás, no particular, o
BC brasileiro se encontra no mesmo barco em ilustre companhia de vários outros
bancos centrais.
Tome-se como exemplo o Fed. O FOMC em sua
última reunião acelerou o ritmo de alta da taxa dos “fed funds” para 75 bps, o
que reflete a preocupação de seus membros com a resiliência da inflação - que
atingiu seu maior patamar em 40 anos - afetada por choques de oferta e também
pelo grau de aquecimento da economia norte-americana, que continua ainda se
beneficiando da expansão pós-covid turbinada por programas federais de
estímulo. Também lá, a autoridade monetária tem sido alvo de críticas pela sua demora
e timidez na resposta à aceleração inflacionária.
Tudo isso indica que estamos, de fato,
diante de um quadro bastante diferente do que foi a tônica das últimas décadas,
em que a inflação de maneira geral se manteve bem-comportada globalmente, o que
trazia o debate para o outro lado do espectro, ou seja, para a dificuldade de
os bancos centrais estimularem as economias apesar de juros reais extremamente
negativos (inclusive, em alguns casos, com juros nominais negativos), em todos
os vértices da curva de juros.
Uma das características do cenário atual a
obstaculizar a ação dos bancos é a acumulação e a persistência de sucessivos
choques de oferta. A disrupção das cadeias produtivas pela pandemia da covid
ainda persiste, embora tenha havido alguma melhora, principalmente pela
política de “covid zero” em prática pelo governo chinês e pela dificuldade no
restabelecimento pleno das cadeias logísticas após a parada forçada no auge da
pandemia.
Em cima disso, a invasão russa a Ucrânia
implodiu os mercados de petróleo e gás e de grãos, resultando em alta
generalizada de preços e mesmo risco de desabastecimento em alguns mercados
relevantes. Ademais, no momento é impossível prever com segurança o desfecho do
conflito que, mesmo após a cessação dos combates, pode deixar cicatrizes
duradouras na economia global.
Nesse contexto, políticas monetárias
restritivas - que atuam sobre a demanda agregada - podem penalizar fortemente a
atividade econômica antes que a inflação se acomode na meta pretendida pelos
bancos centrais, fato que acaba impondo cautela no processo de elevação dos
juros pela autoridade monetária.
Além desses fatores que compartilha com a
maioria dos bancos centrais, o BC brasileiro ainda tem que lutar contra os
efeitos deletérios do populismo patrocinado pelo Executivo e pelas lideranças
do Congresso Nacional. As barreiras que o arcabouço legal impõe ao aumento da
despesa pública com fins eleitorais desmoronam uma a uma e o Ministério da
Economia frequentemente parece estar mais engajado na reeleição do presidente
do que na gestão racional da economia. A escalada populista atinge não apenas a
gestão fiscal, mas também a Petrobras, num grau de intervenção de fazer inveja
às administrações petistas recentes.
Com tudo isso, o BC se vê na contingência
de brigar não apenas contra uma conjuntura externa desafiadora, mas também
contra os tiros de canhão no próprio pé que o governo se desfere a cada
momento, na ânsia de apresentar ao eleitorado um cenário econômico mais
favorável às vésperas das eleições. Desse modo, está difícil para o BC ser
bem-sucedido no objetivo de trazer a inflação de volta à meta em 2023, a não
ser causando estrago muito grande na atividade econômica, pela necessidade de
aplicar dose bem maior do remédio amargo dos juros altos.
*Gustavo Loyola doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
Paulo Guedes esqueceu sua função,virou cabo-eleitoral permanente do Bozo.
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