O Estado de S. Paulo
Junto com o desmatamento, proliferam crimes de todos os tipos na Amazônia
A notícia do desaparecimento do indigenista
brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips chegou até mim
quando eu desembarcava na Alemanha para um congresso sobre democracia. Havia
duas ironias trágicas além dessa. Era o dia 7 de junho, quando se celebra, no
Brasil, o Dia da Liberdade de Imprensa. O congresso era no castelo de Hambach,
palco de um levante, em 1832, contra um governo que ameaçava, entre outras
coisas, o direito à livre expressão.
Viver fora do Brasil e acompanhar as notícias do País trazem, além de angústia, a dimensão de como somos vistos mundo afora. É impossível ficar indiferente às notícias sobre a Amazônia – em especial sobre a questão indígena – de tanto que elas explodem nos noticiários estrangeiros. O desaparecimento de um profissional ligado a vários jornais importantes, como The Guardian e Washington Post, multiplica a visibilidade – na quinta-feira já havia protestos na frente da embaixada brasileira em Londres.
Para além da questão humana, o
desaparecimento de Dom e Bruno chama a atenção para uma tragédia nacional. A
Amazônia está se tornando o coração das trevas brasileiras. Não é apenas o
desmatamento que bate recordes. Junto com ele proliferam crimes de todos os
tipos, de acordo com pesquisas do Instituto Igarapé, centro de estudos de
segurança pública.
“O crime ambiental não acontece sozinho”,
diz Melina Risso, diretora de pesquisas do Igarapé e entrevistada no
minipodcast da semana. “Ele ocorre em meio a todo um ecossistema criminal, em
que mineração ilegal e extração ilícita de madeira se misturam, por exemplo,
com o tráfico de drogas.” Pistas de pouso clandestinas servem tanto aos aviões
que carregam cocaína quanto aos transportadores de ouro ilegal.
Os estudos do Igarapé que mapeiam esse
ecossistema criminoso estão anexados à versão digital da coluna. O instituto
vem radiografando também os conflitos entre os defensores do meio ambiente e os
bandidos associados a todas essas modalidades de crime, da turma do pó à turma
do ouro. Segundo Risso, ameaças como as que Bruno Pereira sofreu são comuns – e
algumas delas resultam em crimes violentos e até homicídios.
Até a conclusão desta coluna Bruno e Dom
não haviam sido encontrados. Se algo terrível acontecer a eles, será mais uma
tragédia anunciada no coração das trevas, e o Brasil sofrerá outro golpe em sua
reputação internacional. Merecemos o golpe, por não cuidar de nosso patrimônio
natural nem da segurança de nossos cidadãos – os que defendem nosso maior
tesouro, como Bruno, e os que escolheram, como Dom, viver e trabalhar entre
nós.
*Escritor, professor da Faap e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa
Uma vergonha nacional e mundial.
ResponderExcluir