O Globo
Os resultados da última pesquisa Datafolha produziram efeitos importantes sobre a corrida eleitoral. Um deles foi a desorientação do núcleo político de Jair Bolsonaro.
Antes de o levantamento mostrar que, se as
eleições fossem hoje, Luiz Inácio Lula da Silva poderia ganhar no primeiro
turno, Ciro Nogueira, Arthur Lira e Paulo Guedes marchavam juntos para trocar a direção da Petrobras, estabelecer um teto para
o ICMS dos combustíveis e ter uma desculpa para dizer, nos palanques, que
fizeram todo o possível para derrubar a inflação.
Nos bastidores, Guedes comemorava a adesão
dos chefes do Congresso a sua proposta de lidar com a crise sem ter de recorrer
a subsídios do Tesouro. Veio o Datafolha, e o jogo virou. Lira, Nogueira e
outros líderes do Centrão agora informam que a estratégia do ministro da
Economia está errada e que, se ele continuar nessa toada, acabará ajudando a
eleger Lula.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro passou a dizer
que não vai aos debates no primeiro turno, numa demonstração de que não vê
vantagem em se expor à discussão pública sobre o próprio governo. Seria
esperado se estivesse na frente nas pesquisas, e não num distante segundo
lugar.
Esses movimentos facilitam o jogo para Lula, que se sente à vontade para também não expor a própria proposta. Numa entrevista na terça-feira aos jornalistas Sérgio Stock e Guilherme Macalossi, da Rádio Bandeirantes de Porto Alegre, o petista foi questionado diversas vezes sobre seu plano econômico.
Embora tenha arriscado um ou outro palpite
— ao dizer, por exemplo, que pretende buscar uma fórmula para “abrasileirar” o
preço dos combustíveis —, o tom geral da conversa pode ser resumido por esta
resposta:
"Depois que ganhar, nós vamos começar
a dizer o que vai acontecer nesse país. Tem que ter muita previsibilidade.
Ninguém vai ser pego de calça curta no meu governo. Os banqueiros sabem disso,
o agronegócio sabe disso, o pequeno comerciante sabe disso".
Diante do comentário de que ele parecia
querer um cheque em branco para governar, Lula refutou. "Eu não preciso
ficar fazendo promessas. Eu só tenho que mostrar o que nós já fizemos".
Guardadas as nuances entre uma entrevista
de rádio e uma conversa em reunião fechada, o conteúdo é muito parecido com o
que empresários, banqueiros e agentes do mercado financeiro vêm ouvindo dos emissários
do ex-presidente: não anteciparemos nada sobre economia; vocês conhecem o Lula,
confiem nele. Ele é a garantia.
Do ponto de vista eleitoral, a estratégia
faz sentido. Para que o líder nas pesquisas vai se jogar na fogueira dos
combustíveis, se pode assistir de camarote ao calvário de Bolsonaro? Também não
é despropositado que ele recorra a seu histórico de governo para pedir que lhe
deem mais uma chance.
Tudo certo, não fossem algumas questões
nada desprezíveis. O legado de Lula e do PT não traz apenas a lembrança do
combate à fome e do crescimento econômico dos primeiros anos.
Traz também a memória da recessão do
governo Dilma e da corrupção na Petrobras. Foi o próprio Lula quem disse, na
discussão com os jornalistas da Band, que o que aconteceu na Petrobras “não foi
falta de dinheiro, foi falta de decência na direção”.
Quem se incomoda com esse aspecto do legado
petista é justamente a fatia do eleitorado que as pesquisas mostram ainda
reticente com a ideia de votar em Lula para tirar Bolsonaro do poder.
Portanto, mesmo que queira interditar o
debate, sob o argumento de que só ele pode reconstruir nossa democracia, ainda
assim Lula terá de explicar o que pretende repetir do passado e o que fará
diferente, porque disso podem depender votos decisivos.
Além disso, por mais desafiador que seja o
cenário para a democracia brasileira, tanto lulistas quanto bolsonaristas
reconhecem que a economia é que decidirá a disputa presidencial. Todos os
levantamentos internos das campanhas mostram que, em outubro, o eleitor escolherá
quem puder resolver os problemas do país.
No atual estágio da campanha, o discurso de
Lula tem sido suficiente para passar essa imagem de resolvedor. Mas o país hoje
é muito diferente do que Lula encontrou em 2003. O eleitor sabe disso.
Acreditar que será possível se manter assim
até outubro demonstra excesso ou de autoconfiança ou de ingenuidade. Lula pode
estar acometido da primeira, mas nunca se poderá acusá-lo da última.
Mesmo porque sinais de corrupção há em todo governo.
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