O Estado de S. Paulo
Candidatos como Tebet e Ciro cumprem papel
fundamental: dão chance a que o debate se qualifique e o centro político se
mostre mais progressista
A primeira é negativa. Seus adversários
são, em parte, ativistas de uma das duas candidaturas postas desde o ano
passado, Lula e Bolsonaro, para quem o ideal é que não se mexa no quadro atual,
que já estaria favoravelmente definido para eles. Outra parte é composta por
céticos radicais, para quem Simone chegou tarde demais e não tem fôlego para
competir com os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais. É um
ceticismo que se combina com a descrença no potencial de crescimento de Simone
e com alguma dúvida sobre sua capacidade de pensar o País e propor soluções
para o combate às suas mazelas.
Ao lado dessa rejeição, argumenta-se que
Simone – assim como Ciro Gomes – impede que a eleição seja resolvida no
primeiro turno, o que seria fundamental para a completa deslegitimação de
Bolsonaro e a desmontagem de seus planos golpistas.
Nesse argumento, dorme um ceticismo pragmático, que não desmerece Simone, mas a vê como um fator de perturbação daquilo que é tido como estratégico: a derrota do autoritarismo. A ideia seria concentrar esforços para um desfecho logo na primeira rodada eleitoral, em outubro. Dado que o fundamental é derrotar o autoritarismo, não valeria a pena cogitar do fortalecimento de polos alternativos, que poderiam promover uma perigosa dispersão de votos e reforçar o polo bolsonarista, como aconteceu em 2018.
Esse ceticismo pragmático tem uma lógica respeitável, deve ser considerado com atenção. Afinal, não temos hoje uma disputa eleitoral simples, na qual o representante do autoritarismo esteja preliminarmente derrotado, tantos são os desacertos e os crimes cometidos por seu governo. Uma caneta na mão pode muito. E o perigo mora atrás da porta. Não devemos perder de vista o que há de risco de ruptura democrática no País. A candidatura Lula-Alckmin precisa ganhar mais musculatura, e Bolsonaro precisa continuar a ser constrangido a partir de múltiplas frentes.
Numa disputa polarizada como a que se
desenha em 2022, a tendência é de uma forte magnetização dos polos, que
tenderiam não só a atrair o eleitorado, como, sobretudo, a pautar o debate
eleitoral, fazendo-o se concentrar na destruição recíproca dos adversários,
mediante a utilização intensiva de recursos de marketing, ataques, denúncias e
acusações do pior tipo. A dinâmica da disputa leva os polos a se agarrarem no
contraste entre eles, fechando-se para temas substantivos. A decorrência é que
não haveria debate político, ou ele ficaria dramaticamente empobrecido, com o
que a incerteza sobre o futuro se ampliaria. Como e com quem governará o
vitorioso? Que Brasil ele carrega no peito e na cabeça? O que promete fazer
para reerguer o País? Suas promessas são factíveis, realistas, viáveis? Com
qual programa econômico e com quais políticas públicas enfrentará os problemas
nacionais? Como projetará o lugar do Brasil no sistema internacional?
Sem uma discussão eleitoral consistente e
de qualidade, tudo ficará no campo das incógnitas. Nada saberemos sobre
política econômica, reforma social, política, cultural, educacional, sanitária.
O que mais se necessita em disputas polarizadas é de vozes alternativas, que
furem os bloqueios derivados da polarização e forcem os polos a se
posicionarem.
Candidatos como Simone Tebet e Ciro Gomes –
cada qual a seu modo – cumprem um papel fundamental: representam uma
oportunidade a mais para que o debate público se qualifique e o centro político
se mostre mais progressista.
Isso não significa, evidentemente, que
Simone e Ciro conseguirão crescer vitoriosamente. Ambos têm problemas de
afirmação. Ciro é conhecido pelo destempero, Simone tem o tempo como
adversário. Ciro está mais adiantado na formulação programática, Simone ainda
não apresentou propostas consistentes. Terá de trabalhar dobrado para
conquistar terreno.
A seu favor, Simone conta com baixa
rejeição e com uma imagem positiva como parlamentar, ativa integrante da
bancada feminina e da CPI da pandemia. Nas entrevistas que vem concedendo desde
a sua indicação, demonstra conhecer o País e deixa claro que sabe discutir
temas complexos com serenidade e tolerância, sem ocultar a indignação com a
fome, a miséria, a exclusão, o desmatamento, o maltrato aos indígenas, o descaso
governamental. Passa a impressão de que dispõe de garra, coragem e energia para
olhar nos olhos do Brasil profundo, decifrá-lo e ajudar a reconstruí-lo. Pode
não bastar para fazê-la crescer, mas é um trunfo e tanto. Se conseguir, por
exemplo, deslocar Bolsonaro e passar para o segundo turno, a democracia ganhará
alento.
Ainda temos cem longos dias pela frente
antes de outubro. É um tempo estreito quando está em marcha uma dinâmica
eleitoral com forte viés de cristalização. Mas hoje, no mundo complexo e acelerado
em que vivemos, o tempo já não se dobra aos ponteiros do relógio, escapa deles
e sempre se abre para surpresas desconcertantes.
*Professor titular de teoria política da Unesp
Só um inesperado muito inesperado poderia colocar Simone Tebet no segundo turno.
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