quinta-feira, 16 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O ecossistema do crime na Amazônia

O Estado de S. Paulo

Enquanto o presidente combate fantasmas, cresce a verdadeira ameaça à soberania da Amazônia: um narcoestado paralelo entrelaçado aos crimes ambientais

O desaparecimento do indigenista Bruno Araújo e do jornalista Dom Philips despertou o mundo para um mal que atinge a região do Alto Solimões, na fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, mas que se alastra cronicamente por toda a Amazônia. A escalada do narcotráfico está cada vez mais entrelaçada a uma velha rede de ilicitudes, como o garimpo e a extração de madeira, formando um ecossistema do crime. A Amazônia é hoje um barril de pólvora onde se misturam três mazelas que destroem a reputação do Brasil no mundo: a violência, a miséria e a devastação ambiental.

Na última década, o Brasil passou de um mercado consumidor da cocaína latino-americana para um dos principais fornecedores do planeta. Organizações como o PCC, o Comando Vermelho e a Família do Norte passaram a orquestrar o transporte transatlântico de cocaína, seja a da Colômbia e do Peru, passando pela rota amazônica até os portos do Nordeste, seja a da Bolívia, passando pelo interior do Centro-Oeste aos portos do Sudeste. A média de apreensões, que entre 1995 e 2004 era de 6 toneladas ao ano, explodiu nos últimos seis anos para 50 toneladas.

Segundo a ONU, o País responde por 7% das apreensões globais, atrás apenas de Colômbia (34%) e EUA (18%). O Brasil é a quarta maior origem para a Oceania e a primeira para a Ásia e a África, e está se tornando para a Europa o que o México é para os EUA.

Na Amazônia, o narcotráfico se entrelaça com os crimes ambientais. As facções se valem dos carregamentos clandestinos de madeira e manganês para escoar as drogas, e também estão envolvidas na mineração ilegal de ouro e invasão de terras indígenas. “Esses grupos criam empresas, lavam dinheiro e tomam parte no contrabando e no tráfico de armas e drogas”, diagnosticou Aiala Couto, um dos coordenadores da pesquisa Cartografias das Violências na Região Amazônica, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O estudo constata que, entre 1980 e 2019, enquanto no Sudeste os homicídios caíram 19%, no Norte aumentaram 260%. A dinâmica também se diferencia pela acentuada interiorização: enquanto nos municípios rurais do País a violência cai, nos amazônicos, cresce. Para não deixar dúvidas sobre a imbricação entre crimes ambientais, grilagem e as dinâmicas das facções, nos municípios sob pressão do desmatamento, as taxas de homicídios são bem superiores à da Amazônia Legal.

No Alto Solimões, os cartéis de Miami, Medellín e Sinaloa mantêm um grande esquema de transporte de armas e drogas, pistolagem, lavagem de dinheiro e pesca e caça ilegais, que se mescla aos negócios de comerciantes, pescadores, caçadores e políticos locais. A polícia trabalha com a hipótese de que atravessadores tenham assassinado Araújo e Philips por causa dos prejuízos que suas investigações causavam à pesca ilegal.

“A criminalidade à frente das ilicitudes ambientais tem efeitos brutais, incluindo mais insegurança e corrosão da autoridade”, disseram R. Muggah e M. Margolis, do Instituto Igarapé, em artigo para a Reuters. “O Brasil megalopolitano conhece esse roteiro bem demais. Os municípios no caminho da onda de crimes amazônicos devem agora escrever o seu.” 

O mero envio de forças militares é caro e pouco efetivo para enfrentar o ecossistema do crime. “É preciso investir no fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectem esferas federal e estadual, e, em especial, diferentes órgãos e Poderes (Polícias, MP, Defensorias, IBAMA, ICMBio, Judiciário, entre outros)”, aponta o Fórum.

Mas é precisamente essa tessitura de uma rede institucional que tem sido explicitamente desconstruída pela agenda antiambientalista de Jair Bolsonaro. O mesmo presidente que nutre paranoias conspiratórias sobre ameaças à soberania da Amazônia por parte de Estados e ONGs e gosta de desafiar autoridades que poderiam auxiliar o Brasil no combate a organizações criminosas cada vez mais sofisticadas e internacionalizadas faz vista grossa à real e crescente ameaça às vidas, ao desenvolvimento e à soberania da região: o sequestro da Amazônia por um narcoestado paralelo.

A boa decisão sobre o rol da ANS

O Estado de S. Paulo

Ao aplicar a lei e reconhecer o caráter taxativo do rol de procedimentos, o STJ protegeu a função regulatória eforneceu critérios para o sistema de Justiça

Cumprindo o seu papel constitucional de uniformizar a jurisprudência sobre lei federal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS) é taxativo. Ou seja, as operadoras de saúde não estão obrigadas a cobrir tratamentos não previstos na lista. Trata-se de um tema importante, que envolve a saúde das pessoas, a viabilidade econômica do sistema de saúde complementar e os próprios limites da Justiça.

A respeito das exceções da taxatividade, a Segunda Seção do STJ fixou que as operadoras de plano não são obrigadas a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se já houver previsão, no rol, de outro procedimento eficaz, efetivo e seguro. No entanto, em caso de não haver substituto terapêutico, a Corte entendeu que a Justiça pode determinar, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico desde que (i) a incorporação da tecnologia demandada não tenha sido indeferida após análise técnica da ANS; (ii) exista comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais e estrangeiros; e, sendo possível, (iv) o magistrado tenha um assessoramento técnico sobre a questão médica debatida.

No julgamento, o STJ lembrou que é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento não contemplado no rol de procedimentos. Na ação, o que estava em discussão era o mínimo de cobertura obrigatório do plano-referência de assistência à saúde.

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a taxatividade do rol da ANS, ao ser fundamental para o funcionamento e a viabilidade do sistema de saúde suplementar, protege o próprio beneficiário. Lembrou-se ainda que o respeito à lista garante que a introdução de novos fármacos seja precedida de avaliação criteriosa da ANS, especialmente em relação à eficácia dos tratamentos e à adoção de novas tecnologias em saúde. De toda forma, o relator defendeu que, em situações excepcionais, a Justiça pode, seguindo critérios técnicos, determinar que o plano garanta ao beneficiário a cobertura de procedimento não previsto pela agência reguladora.

Foi lembrado, no julgamento, que o Congresso alterou recentemente a Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), fixando o prazo de 180 dias para a conclusão do processo administrativo para atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar pela ANS. Trata-se de um ponto fundamental. Se o rol é taxativo, a ANS deve atualizá-lo regularmente, sem atrasos.

A decisão do STJ é correta, em conformidade com o que dispõe a lei e com a experiência internacional. Não há país no mundo em que a lista de procedimentos de cobertura obrigatória seja aberta, meramente exemplificativa. A função do rol é precisamente definir, para todos os envolvidos, a cobertura mínima necessária.

Tão importante quanto o reconhecimento da taxatividade do rol foi a definição de critérios técnicos e rigorosos para as situações excepcionais. As exceções devem ser exceções. Se todos os que entram com ações na Justiça conseguem a cobertura pleiteada – como frequentemente ocorria –, o rol da ANS torna-se, na prática, exemplificativo. Além disso, os parâmetros técnicos fixados pelo STJ contribuem para uma prestação jurisdicional mais equânime, menos discricionária. Se a ANS, para elaborar e atualizar o rol de procedimentos, deve realizar antes um profundo estudo técnico, a Justiça, ao conceder uma exceção, deve ser também extremamente técnica.

Por fim, ao assegurar o caráter taxativo do rol de procedimentos, o STJ protegeu a função regulatória da ANS. O papel do Judiciário é aplicar a lei, não criar regulamentação médica. Ou seja, ao contrário do que às vezes apontam algumas vozes, a Justiça – no caso, o STJ – lembrou os limites da própria Justiça. Nem tudo é ativismo no Judiciário.

Falta combinar com o frentista

O Estado de S. Paulo

Governo pressiona Petrobras a segurar aumento para não anular efeito do teto de ICMS, aposta eleitoreira de Bolsonaro

O Estadão/Broadcast apurou que emissários do governo voltaram a pressionar a diretoria da Petrobras para tentar impedir um novo reajuste dos preços dos combustíveis. A empresa planeja para os próximos dias um aumento de 9% no preço da gasolina e de 11% no do diesel para reduzir a defasagem entre os valores dos derivados praticados no mercado internacional e no mercado interno.

A novidade não é essa pressão sobre a Petrobras. O País inteiro tem assistido há meses aos persistentes ataques do presidente Jair Bolsonaro à autonomia da estatal para definir sua política de preços, baseada no Preço de Paridade Internacional (PPI) desde o governo de Michel Temer. Bolsonaro tenta baixar na marra o preço dos combustíveis para reduzir a inflação e, assim, reduzir o alto risco de não ser reeleito em outubro.

Na verdade, o que chamou a atenção nessa nova investida foi o argumento dos emissários do Palácio do Planalto para sensibilizar os diretores da Petrobras. Um novo aumento, segundo esses emissários, anularia os esforços que o governo tem empreendido no Congresso para limitar o teto do ICMS em 17% para uma série de itens essenciais, entre os quais os combustíveis. 

Ora, isso significa que o governo Bolsonaro involuntariamente reconhece que o foco quase obsessivo sobre o ICMS e a responsabilização dos governadores pela escalada dos preços não passa de uma retórica eleitoreira. Em que pese sua relevância para a composição final do preço do diesel e da gasolina, a alíquota do imposto estadual não é a causa dos eventuais aumentos.

Mantidas as regras de governança da Petrobras e a lógica de mercado, um novo reajuste dos preços dos combustíveis é inevitável. Atualmente, os preços do diesel e da gasolina acumulam uma defasagem de 16% em relação ao mercado internacional. Além disso, o dólar voltou a subir. São fatores que não têm relação direta com a obsessão de Bolsonaro e de seus sócios do Centrão no Congresso com o ICMS e as finanças dos entes subnacionais.

Na condição de acionista controlador da Petrobras, não é ilegal que o governo da União pressione a diretoria da estatal sobre questões de seu interesse. Mas há limites muito claros para esse tipo de gestão. Eles são dados pela Lei 6.404/1976, a chamada Lei das S.A., que em seu artigo 117 dispõe que “o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder”. Sobre as formas em que esse abuso pode ser exercido, é particularmente esclarecedora a alínea “e” do parágrafo primeiro do referido artigo, que define como abuso de poder “induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia-geral”. Interferir na gestão da Petrobras a fim de impedir que a estatal ajuste seus preços às cotações do petróleo no mercado internacional é agir claramente “contra o interesse da companhia”. Nada disso, obviamente, está sendo levado em conta por Bolsonaro.

Anticorpos eleitorais

Folha de S. Paulo

TSE terá o desfio de combater a desinformação sem recair em abusos judiciais

Ao ser confirmado como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o pleito deste ano, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que a Justiça não vai tolerar milícias pessoais ou digitais que desrespeitem a vontade do eleitor e atentem contra a democracia.

No começo do mês, ao discursar no 8º Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, Moraes sustentou que o aparato judicial, hoje, dispõe de muito mais anticorpos para se defender das diversas modalidades de desinformação.

Argumentou que devem ser cassados candidatos que, por exemplo, façam uso de notícias fraudulentas ou discursos mentirosos ao longo da campanha.

Ele sabia do que estava falando. Alguns dias depois, o Supremo Tribunal Federal validou decisões do TSE que haviam cassado os mandatos do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR) e do deputado federal José Valdevan de Jesus Santos (PL-SE).

Aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL), o primeiro foi condenado por disseminação de informações falsas, e o segundo, por abuso de poder econômico.

O recado está dado, mas seria ingenuidade supor que o problema tenha sido resolvido. Por mais bem-vindos que se mostrem os esforços normativos do TSE, eles não constituem fórmula capaz de antecipar e solucionar todos os problemas.

Tome-se o caso da veiculação de notícias falsas, sobretudo por meio das redes sociais. A legislação vigente estatui que a livre manifestação do pensamento encontra limites, entre outras hipóteses, na divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral.

A lei ainda prescreve que, por ação do Ministério Público, tais ilícitos devem ser interrompidos, sem prejuízo de apuração da responsabilidade penal, do abuso de poder e do uso indevido dos meios de comunicação. Nos dois últimos casos, a pena pode ser a cassação.

Faz sentido que seja assim. O recurso à desinformação tem por objetivo tumultuar a eleição a ponto de provocar graves distorções na vontade do eleitor.

Como quase sempre no direito, porém, a dificuldade reside em passar da teoria à prática. O que define um fato sabidamente inverídico? O que caracteriza uma descontextualização grave? Nem todos os casos serão cristalinos.

O desafio da Justiça Eleitoral será combater os abusos sem recair em abusos durante o combate, garantindo que a livre circulação de ideias e a privacidade pessoal não terminem comprometidas em vão.

Ondas da Covid

Folha de S. Paulo

Menos letal, doença tem expansão no país e evidencia necessidade de vacinação

Infecções, internações e mortes por Covid-19 voltaram a crescer de modo expressivo no Brasil nas últimas semanas. A julgar pelo que se viu em outras partes do mundo, podemos esperar novas ondas a cada dois ou três meses. A capacidade mutagênica do vírus é grande.

A boa notícia é que, graças principalmente à vacinação, a doença se tornou muito menos letal do que era no início da pandemia.

Isso não significa que tenha deixado de ser problemática. As ondas de infecção ainda são capazes de superlotar hospitais, desorganizando o sistema de saúde, tanto o público como o privado.

Cerca de 25% dos pacientes desenvolvem a chamada Covid longa, isto é, experimentam sintomas debilitantes por vários meses e talvez até pela vida toda. Para alguns indivíduos, em geral idosos e portadores de certas moléstias, o Sars-CoV-2 permanecerá mortal.

Não se pode, portanto, tratar de forma ligeira a doença, que, pelos cômputos oficiais, já custou quase 700 mil vidas de brasileiros.

Embora a retomada da obrigatoriedade das máscaras e de algumas formas de distanciamento social nessas fases de recrudescimento faça sentido teórico, é irrealista esperar que venha a ser adotada em larga escala. Foram dois anos de restrições, e a população se cansou delas —políticos dificilmente contrariarão esse sentimento.

Daí não se segue que só nos reste cruzar os braços e torcer pelo melhor. Cabe, em especial, avançar bastante na vacinação.

Embora a população brasileira tenha aceitado bem o imunizante, dado que 78% completaram o esquema vacinal primário, a primeira dose de reforço foi tomada por apenas 45%. A situação é ainda pior com as crianças de 5 a 11 anos, das quais só 37% receberam as duas doses ou a dose única.

As novas cepas em circulação apresentam escape vacinal. Isso significa que as vacinas ficaram menos eficazes em evitar a infecção, mas elas ainda são excelentes para prevenir internações e óbitos.

Ao reduzir a carga viral dos infectados e seu período de doença, elas também contribuem para baixar os níveis de contaminação e diminuem o risco de o vírus sofrer novas mutações.

Um governo responsável, o que não é o caso do atual, estaria centrando fogo em campanhas para que mais pessoas tomem os reforços e vacinem seus filhos.

Também é importante adquirir para o SUS os medicamentos antivirais com ação comprovada. Por fim, especialmente a população sob maior risco deve manter o uso de máscaras de boa qualidade.

Teto de ICMS é demagogia eleitoreira

O Globo

As 72 horas entre segunda e quarta-feira proporcionaram uma aula aos brasileiros sobre os efeitos do populismo econômico. Na segunda à noite, o Senado, sob o comando da base governista, aprovou o projeto que limita em 17% o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, serviços de telecomunicações e transporte público. A medida, na visão dos que votaram a favor dela, imporá um freio na inflação. No dia seguinte, com agilidade prodigiosa, a Câmara chancelou o texto vindo do Senado. O choque de realidade foi quase imediato. Veio ontem, com a reação sensata e óbvia do Banco Central (BC), ao elevar a taxa básica de juros de 12,75% para 13,25%.

Juros maiores por mais tempo que o previsto são sinônimo de menos atividade econômica no futuro, com as conhecidas consequências no mercado de trabalho e na renda. Os fatos desta semana mostram a incapacidade do Planalto e do Congresso para enfrentar os desafios econômicos reais do país.

De olho na reeleição, o presidente Jair Bolsonaro, senadores e deputados que votaram pelo teto do ICMS querem dar uma resposta à alta dos preços de combustíveis e energia elétrica. Se tudo ocorrer como planejaram, é possível que a medida reduza a inflação deste ano em 3 pontos percentuais. Caso a previsão se confirme, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ainda fechará 2022 acima da meta do BC. O aparente refresco terá vida curta. Poderá ajudar Bolsonaro a enganar eleitores, mas o preço virá em 2023 — na forma de mais inflação e, sobretudo, na deterioração das já combalidas contas públicas.

Pelos cálculos do Banco Itaú, a medida terá um impacto fiscal permanente de, no mínimo, R$ 96 bilhões por ano. Esse valor poderá aumentar se dois subsídios com data de validade até 31 de dezembro forem prorrogados. A eliminação de impostos federais sobre gasolina e etanol custará R$ 17 bilhões, e a compensação para estados que zerarem o ICMS mais R$ 22 bilhões.

Ao todo, o Itaú estima em 1% do PIB o efeito permanente da demagogia eleitoreira nas contas públicas. É fundamental lembrar que, para a dívida pública entrar em trajetória sustentável, seria necessário um ajuste fiscal entre 2,5% e 3,3% do PIB. O esforço, portanto, teria de aumentar praticamente em um terço diante da insanidade do Executivo e do Legislativo.

Não é à toa que as mudanças no ICMS também tenham deteriorado as projeções de inflação para o ano que vem (de 4,2% para 5,6%, no caso do Itaú). O último boletim com estimativas de analistas ouvidos pelo BC foi publicado no dia 6, prevendo alta de 4,39% em 2023. Diante da lambança do governo, mais instituições financeiras deverão ajustar seus números para cima. É isso que explica a nova alta da Selic.

Na reta final do atual mandato, Bolsonaro e o Congresso conseguiram comprometer a saúde financeira de estados, municípios e da União. Prometem uma vantagem ilusória nas bombas de combustíveis e na conta de luz com uma mão e, com a outra, tiram dinheiro do bolso dos consumidores na forma de mais inflação futura, menos crescimento econômico, menos emprego e menos renda. A farsa custará caro.

País precisa de políticas públicas para erradicar trabalho infantil

O Globo

São desalentadores os números que mostram aumento do trabalho infantil no Brasil durante a pandemia. Segundo pesquisa da Fundação Abrinq, no último trimestre de 2021 havia 2,36 milhões de adolescentes de 14 a 17 anos trabalhando ou procurando emprego, e 1,2 milhão estavam em desacordo com a legislação, numa situação considerada trabalho infantil. Como mostrou O GLOBO, o estudo contou 317.385 jovens a mais nessas condições em relação ao mesmo período de 2020.

Pela legislação brasileira, adolescentes só podem trabalhar a partir dos 16 anos, mesmo assim com restrições. Entre 14 e 15 anos, podem exercer apenas atividades como aprendizes. Entre a lei e a realidade, existe um abismo que abarca crianças enfrentando o trabalho duro no campo, vendendo doces em sinais de trânsito, lavando carros, trabalhando como ajudantes em vans e assim por diante. Não poderiam e não deveriam estar ali. A pandemia e todas as crises a ela associadas ampliaram o desemprego e a miséria, sem dúvida empurrando crianças e adolescentes para as ruas. As escolas fechadas por quase dois anos agravaram o problema. A situação ruim ficou ainda pior.

Os números são mais preocupantes quando se constata que 640.720 adolescentes de 14 a 17 anos estão em ocupações que integram o tenebroso rol das piores formas de trabalho infantil, reunindo atividades que trazem riscos à saúde, ao desenvolvimento e à segurança de crianças e adolescentes. É o caso de serviço doméstico, construção civil, agropecuária, silvicultura, direção de tratores e máquinas agrícolas, tecelagem e exploração florestal.

Os dados da pesquisa foram coletados de acordo com os critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para identificar crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Representam apenas parte da tragédia, já que o levantamento não considera o contingente de crianças e adolescentes que trabalham para o tráfico de drogas e outras organizações criminosas. Não inclui também os menores vítimas de exploração sexual, outra aberração que avilta o país.

O Brasil deveria se envergonhar dos números. O governo não pode ficar inerte diante da calamidade. Programas de renda mínima existem — ou deveriam existir — para amparar as famílias mais necessitadas e, como contrapartida, manter as crianças na escola. Infelizmente, o mais abrangente, o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, está mais voltado para atender ao projeto eleitoral do presidente Jair Bolsonaro que aos brasileiros carentes.

Estados e prefeituras também têm responsabilidade, pois deveriam desenvolver políticas públicas para tirar meninos e meninas da rua e levá-los para a sala de aula. Além de ser desumano permitir que crianças trabalhem em ocupações precárias, isso perpetua a pobreza e a miséria. As crianças deveriam estar na escola, buscando um caminho para sair de onde estão.

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