sexta-feira, 24 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Tudo por pontos

Folha de S. Paulo

Estável no Datafolha, Bolsonaro tende a buscar medidas temerárias por 2º turno

A agitação política, o conflito entre Poderes e a escalada dos preços dos combustíveis e de outros produtos parecem por ora não afetar as intenções de voto para presidente.

A nova pesquisa Datafolha mostra um cenário quase inalterado em relação ao de março. De mais significativo, nota-se que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continua a ter apoio bastante para, em teoria, vencer a eleição no primeiro turno —53% dos votos válidos.

Tal perspectiva tende a incentivar ainda mais o governo de Jair Bolsonaro (PL) a buscar medidas que possam render pontos suficientes para evitar a derrota precoce.

É um estímulo a providências imediatas e imediatistas, tanto na esfera de favores com dinheiro público quanto no combate por meio de mídias digitais ou na procura de bodes expiatórios para desviar a atenção da falta de governo.

Lula continua à frente, com votação quase inalterada em 47%, ante os 28% de Bolsonaro. O petista venceria hoje o presidente por 57% a 34% dos votos em um eventual segundo turno. O mandatário seria também derrotado por Ciro Gomes (PDT), por 51% a 37%. Observe-se que, no primeiro turno, Ciro tem apenas 8% das preferências.

Tampouco houve mudança na rejeição aos pré-candidatos ou sinal de reação de quem se apresenta como alternativa, como o pedetista ou Simone Tebet (MDB). Depois da melhora entre o final do ano passado e março, a avaliação do governo também tem permanecido estável. O governo é ruim ou péssimo para 47% do eleitorado; ótimo ou bom para 26%.

Quaisquer que sejam os determinantes do voto, tais fatores não alteraram a percepção dos eleitores ou não apresentaram mudança relevante. Más notícias, como combustíveis mais caros, suspeitas de corrupção no governo ou tragédias como os assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira, por exemplo, não alteraram convicções.

Além do mais, 70% dos entrevistados dizem que não mudarão mais seu voto. De todo modo, a história do pleito se torna menos previsível em um cenário de segundo turno, dado potencial de tumulto com as ameaças golpistas de Bolsonaro.

O governo e seus aliados devem ficar ainda mais decididos a ampliar benefícios sociais e a tomar medidas de curto prazo a fim de ganhar algum terreno nas pesquisas, não importam os danos colaterais.

A situação socioeconômica pouco deve se alterar até outubro. A campanha plena será curta. Deve chamar mais atenção do público em geral apenas em fins de agosto, quando começa em TV e rádio.

Pode ser tarde. A lógica indica que, nas próximas semanas, Bolsonaro terá de usar toda a força da máquina pública e da propaganda para manter-se vivo na disputa.

Opção no ensino

Folha de S. Paulo

Com cautela, organizações sociais podem melhorar educação pública paulistana

Inexiste solução simples e rápida para o ensino básico público no Brasil, mas registraram-se nos últimos anos iniciativas meritórias em lugares tão diversos como Ceará, Espírito Santo, Goiás e Pernambuco, que apresentam boa evolução nas avaliações do MEC. E há espaço para experimentar mais.

Nesse contexto, é bem-vinda a proposta paulistana de autorizar o terceiro setor a gerir parte das escolas municipais. Um projeto de lei com esse teor tramita na Câmara Municipal e pode ser aprovado nas próximas semanas.

Pela proposta, as organizações sociais (OSs) contratadas teriam liberdade para definir projeto pedagógico e metodologias de ensino nas unidades sob sua gestão. Ganhariam autonomia também para montar a equipe de profissionais, podendo contratar pessoas de fora da rede, sem concurso público.

A utilização de OSs não é exatamente uma novidade nos domínios paulistanos. Ela é realidade há vários anos na saúde; na educação, já vem sendo usada nas creches.

São, portanto, conhecidos os riscos e as vantagens do modelo de entidades privadas sem fins lucrativos.

Os contratos precisam ser fiscalizados de perto, pois há registro de abusos, incluindo casos de corrupção. É também preciso ficar atento à qualidade dos profissionais contratados.

De melhor, as OSs conseguem operar com mais agilidade e menos limitações do que o poder público.

Não se trata, obviamente, de substituir a estrutura de escolas administradas diretamente pelo município, com professores concursados, pelo terceiro setor. É meritório, isso sim, introduzir um pouco de diversidade no ecossistema. A rede oficial, como está estruturada hoje, acumula problemas.

Exemplo gritante é o absenteísmo de professores. Entre faltas abonadas e licenças médicas, cerca de 10% dos docentes deixam de comparecer a cada dia. Não se conhecem taxas nem remotamente parecidas na iniciativa privada.

Ou trabalhar para o município faz muito mal à saúde, ou criou-se uma cultura de receber sem trabalhar que é lesiva aos cofres públicos e injusta com os alunos. Introduzir modelos alternativos ajudaria no mínimo a expor o problema.

Não se deve, contudo, passar um cheque em branco à prefeitura. É preciso que a proposta seja discutida a fundo pelos vereadores paulistanos e que cautelas extras sejam adicionadas ao projeto e às regulamentações posteriores.

Bolsonaro quer controlar as eleições

O Estado de S. Paulo

Ministérios da Defesa e da Justiça reivindicam autoridade para fiscalizar eleições, atribuição exclusiva da Justiça Eleitoral; ingerência desse tipo é motivo para impeachment

É absolutamente inaceitável a campanha de Jair Bolsonaro contra as eleições. Ele não apenas difunde inverdades contra o processo eleitoral, como vai colocando as instituições, uma a uma, a serviço do seu intento de difamação das urnas eletrônicas e da Justiça Eleitoral. Antes, envolveu o Ministério da Defesa. Agora, incluiu o Ministério da Justiça e a Polícia Federal.

Segundo a Constituição, as eleições são assunto da Justiça Eleitoral. Tal é a importância para o regime democrático dessa exclusividade de competência que o texto constitucional traz uma disposição drástica: “São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), salvo as que contrariarem esta Constituição e as denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança”. Ou seja, a Justiça Eleitoral tem a última palavra, salvo em caso de matéria constitucional, a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF).

No entanto, Jair Bolsonaro quer ter a última palavra sobre as eleições. Quer ditar não apenas as regras do sistema de votação – competência do Congresso –, como também o resultado eleitoral – definido pelo eleitor nas urnas e contabilizado pela Justiça Eleitoral. Em seu intento antidemocrático, vale-se da disseminação da desconfiança, numa tática escandalosamente golpista.

As Forças Armadas sempre colaboraram com a Justiça Eleitoral, tanto na logística e segurança das eleições como em questões técnicas. Por exemplo, o desenvolvimento da urna eletrônica contou com o auxílio de militares. No entanto, até o governo de Jair Bolsonaro, era impensável – uma vez que rigorosamente inconstitucional – que as Forças Armadas fizessem demandas públicas sobre a Justiça Eleitoral. Ou, como Jair Bolsonaro aventou em maio, pudessem realizar uma contabilidade paralela dos votos.

Em vez da colaboração cordial com a Justiça Eleitoral, o governo de Jair Bolsonaro deseja impor uma dinâmica de confronto entre Ministério da Defesa e TSE. Convidadas, as Forças Armadas não quiseram participar de um teste público de segurança da urna eletrônica. Na reunião da Comissão de Transparência do TSE, o representante do Ministério da Defesa nem sequer abriu a câmera. No entanto, o titular da pasta, general Paulo Sérgio Nogueira, enviou no dia 20 de junho um inusitado e inconstitucional ofício ao TSE comunicando que encaminhará técnicos militares para atuarem como representantes das Forças Armadas na fiscalização das urnas eletrônicas. Não cabe às Forças Armadas fiscalizar eleições, como também não lhes cabe fiscalizar o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo. Não é demais lembrar que o Código Penal e a Lei do Impeachment definem como crime ações de ingerência no processo eleitoral.

Para piorar, o governo Bolsonaro envolveu o Ministério da Justiça e a Polícia Federal na sua campanha contra as eleições, conforme revelou o jornal O Globo. No dia 17, o ministro da Justiça, Anderson Torres, comunicou ao TSE que participará, por meio da Polícia Federal, de todas as etapas de fiscalização e auditoria das urnas eletrônicas e de “sistemas e programas computacionais eleitorais”. Mais uma vez, o bolsonarismo tenta inaugurar uma relação de conflito onde até agora havia colaboração harmoniosa. A Polícia Federal sempre auxiliou a Justiça Eleitoral nos testes de segurança das urnas e dos softwares empregados. No ano passado, uma investigação da Polícia Federal concluiu que, desde a implantação das urnas eletrônicas, não houve ocorrência de fraude.

O ofício de Anderson Torres é ilegal e inconstitucional. Não está entre as atribuições do Ministério da Justiça confrontar o TSE, tampouco realizar auditoria independente das eleições, como se estivesse acima da Justiça Eleitoral. Certamente, Jair Bolsonaro tem todo o interesse em controlar o sistema eleitoral, por meio da pasta da Justiça ou da Defesa. Mas, como é lógico, em países democráticos, as eleições não ficam a cargo do Executivo.

Os limites foram ultrapassados por Bolsonaro há muito tempo. Ministério Público, Legislativo e Judiciário não podem se omitir na defesa da Constituição e das eleições.

Recessão nos EUA, um risco a mais

O Estado de S. Paulo

Governo brasileiro, hoje dedicado integralmente à reeleição do presidente, deveria estar mais atento ao perigo de retração na maior economia do mundo, grande parceira comercial do País

Já em crise e assolado pelas incertezas de um ano eleitoral, o Brasil se defronta agora com o perigo de recessão na maior potência econômica do mundo, segundo maior mercado importador de produtos brasileiros e principal destino de suas exportações industriais. O Banco Central (BC) aumentou de 1% para 1,7% o crescimento estimado para o País neste ano. Embora justifique algum otimismo, essa revisão ainda aponta um dinamismo bem menor que o de outros emergentes e um desempenho inferior àquele esperado para a economia global, um avanço em torno de 3%.

O risco de recessão nos Estados Unidos, nos próximos quatro trimestres, é superior a 50%, segundo estudo apresentado por Michael Kiley, economista sênior do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Quando a projeção se estende pelos próximos dois anos, a probabilidade sobe para dois terços. Se essa retração ocorrer, seus efeitos poderão ter importante impacto internacional. Esse alerta deveria ser, para o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe, mais um forte motivo para cuidar da segurança econômica do País e perder menos tempo tentando intervir na administração da Petrobras.

Retração econômica e maior desemprego poderão compor, nos Estados Unidos, o capítulo seguinte à maior inflação em 40 anos. Os preços ao consumidor subiram 8,6% nos 12 meses até maio, no mercado americano. O último resultado pior que esse, 8,9%, foi registrado no período até dezembro de 1981. Para tentar conter a onda inflacionária, o Fed passou a elevar os juros básicos e a reverter a política de expansão da moeda. As ações expansionistas haviam sido usadas para ajudar o País a recuperar-se do tombo sofrido em 2020, na primeira fase da pandemia de covid-19.

A recuperação foi um sucesso. Em 2021, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos foi 5,7% maior que o do ano anterior, quando havia diminuído 3,4%. Mas, depois desse forte crescimento, a economia americana começou a perder impulso e no primeiro trimestre deste ano encolheu, em termos anualizados, 1,5%. Recentes projeções ainda apontaram expansão superior a 3% neste ano e a 2% no próximo, mas o aperto crescente da política monetária tende a baixar as expectativas.

A invasão da Ucrânia pelas tropas de Vladimir Putin já havia alterado consideravelmente as previsões para as grandes potências e, naturalmente, para a economia mundial. Divulgado no começo de junho, o Panorama Econômico da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, trouxe uma importante revisão dos números. O crescimento esperado da economia global foi reduzido de 4,5%, estimativa de dezembro, para 3%. A expansão prevista para os Estados Unidos passou de 3,73% para 2,46%.

No caso do Brasil, o aumento do PIB em 2022 foi recalculado de 1,4% para 0,6%, com recuperação para 1,2% em 2023. A expectativa em relação à economia brasileira é inferior a previsões do BC e de outras fontes públicas e privadas, mas dificilmente uma revisão das estimativas, nos próximos meses, mudará algumas constatações importantes para qualquer debate: o País está crescendo bem abaixo da média mundial, continua correndo bem atrás de outros emergentes, carrega desajustes importantes e tem baixo potencial para se expandir economicamente nos próximos anos.

Não por acaso as projeções de crescimento no médio e no longo prazos mal chegam a atingir 2% ao ano. O investimento em recursos produtivos tem sido, há muitos anos, insuficiente para dar ao País um potencial de expansão semelhante ao de outras economias emergentes ou ainda classificadas como “em desenvolvimento”. Além disso, a inflação brasileira continua acima dos níveis observados na maior parte do mundo capitalista e, como complemento, há muita insegurança quanto à evolução das contas públicas. Por todas essas deficiências, qualquer risco de contágio por uma nova recessão em grandes economias é especialmente inquietante, exceto, é claro, para pessoas, como o presidente brasileiro, mais dedicadas a buscar fórmulas populistas de sobrevivência política.

Inspirando-se no atraso

O Estado de S. Paulo

Na tentativa de conter o preço dos combustíveis, governistas querem tributar exportações, solução antiquada e ineficaz

Experiências brasileiras de nove décadas atrás, praticamente esquecidas por sua ineficácia e disfuncionalidade econômicas, e frequentes fracassos argentinos parecem ter servido de inspiração para o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), defender a taxação das exportações brasileiras de petróleo. O objetivo da medida, segundo Lira e membros do Centrão que o apoiam, é aumentar a oferta interna de combustíveis e utilizar os recursos arrecadados para subsidiá-los.

É mais uma das seguidas, e agressivas, encenações de Lira para mostrar seu apoio às críticas do presidente Jair Bolsonaro à alta da gasolina, do óleo diesel e do gás de cozinha, cuja culpa atribui à Petrobras, aos governadores e a quem mais puder acusar. Para Bolsonaro, Lira e demais governistas candidatos à reeleição, o principal obstáculo a seus objetivos eleitorais é a inflação, fortemente impulsionada pela alta dos combustíveis e dos alimentos. Daí a agressividade crescente com que buscam culpados internos por um problema que afeta toda a economia mundial e cujas causas estão no comércio internacional.

O Imposto de Exportação, tributo exclusivamente federal, está previsto na Constituição e sua aplicação não se sujeita ao princípio da anterioridade, ou seja, pode ser cobrado a partir do momento em que for instituído. É utilizado geralmente para fins regulatórios, como meio para induzir o comportamento dos agentes, estimulando ou reprimindo o consumo.

Um de seus usos mais notáveis na história republicana ocorreu na década de 1930, período da grande depressão mundial, quando a exportação de café brasileiro foi fortemente tributada, para manter a maior quantidade possível do produto no mercado interno, pois no externo teria pouco valor. Em tempos recentes, seu uso de maneira notável tem sido raro, pois um dos principais objetivos das políticas de comércio exterior tem sido o de aumentar a competitividade dos produtos brasileiros, que seria afetada por uma tributação pesada.

Na Argentina, sucessivos governos têm utilizado a taxação das exportações ou a fixação de cotas máximas para as vendas externas na tentativa de assegurar a regularidade do abastecimento doméstico de produtos de grande peso na pauta do comércio exterior do país, como trigo, carne e soja. As dificuldades que o país não consegue aplacar mostram seguidamente a ineficácia de medidas desse tipo.

Em 2021, as exportações de petróleo e óleos combustíveis alcançaram US$ 30 bilhões; para este ano, projetam-se vendas externas de US$ 50 bilhões, por causa da alta da cotação do óleo no mercado internacional. Para o deputado Danilo Forte (União-CE), relator da Proposta de Emenda à Constituição que trata de biocombustíveis e contém medidas para reduzir os preços dos combustíveis, “está na hora” de cobrar o Imposto de Exportação. Há também propostas para aumentar a taxação sobre a Petrobras, considerada “insensível” por Bolsonaro e seus apoiadores e, por isso, tratada como “inimiga”, ainda que esteja sob o controle da União.

Permitir estado de emergência seria equívoco bizarro

O Globo

Em mais um sinal de desespero diante das pesquisas eleitorais, o presidente Jair Bolsonaro decidiu aumentar o Auxílio Brasil para R$ 600 e buscar a aprovação do Congresso para decretar um bizarro estado de emergência, de modo a poder romper os limites impostos pela lei eleitoral e pelo teto de gastos e criar um “Pix caminhoneiro” de até R$ 1.000.

Sabendo que o estado de emergência nesses moldes contraria as leis, Bolsonaro e o Centrão querem aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para livrar o presidente de eventuais punições. O estado de emergência e o privilégio aos caminhoneiros são ideias descabidas, e o aumento no Auxílio Brasil exigiria espaço fiscal. É provavelmente o pior plano já concebido para mudar as regras que evitam o uso da máquina pública em favor de candidatos.

Os motivos que levaram o Brasil a adotar uma legislação que proíbe criar novas benesses em ano eleitoral eram válidos quando ela foi criada e continuam válidos hoje. Para evitar abusos, a lei deve ser mantida como está. Os planos de Bolsonaro são didáticos, pois mostram o que aconteceria em caso de aprovação da mudança. Redutos de apoiadores, como os caminhoneiros, receberiam agrados por motivação política, e a conta seria paga com o dinheiro de todos os brasileiros.

Uma PEC para permitir o “liberou geral” em ano eleitoral, como quer o governo, traria danos fiscais, ao anular regras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal e na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O Congresso não pode permitir esse retrocesso institucional. Uma vez desimpedido esse caminho, Bolsonaro provavelmente aumentaria a lista dos beneficiados. Futuros governantes também estariam diante de uma porta aberta para aquilo que, num passado não tão distante, era chamado simplesmente de compra de votos.

É uma lástima que Bolsonaro ataque as regras sobre a decretação do estado de emergência, fundamentais para lidar com crise sanitária provocada pela pandemia. Oficializado em fevereiro de 2020, poucos dias depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar emergência internacional de saúde pública,o estado de emergência permitiu que os governos federal, estaduais e municipais tomassem medidas necessárias, como impor o uso de máscaras ou comprar medicamentos e insumos médicos com urgência. A emergência na área da saúde só foi revogada em abril deste ano, com a queda nas mortes.

A preocupação de Bolsonaro com o efeito da alta dos combustíveis no eleitorado virou obsessão já há alguns meses. Ele insiste em buscar soluções erradas, como as trocas recorrentes na presidência da Petrobras ou o teto para o ICMS cobrado pelos estados. Na tentativa de reverter o mal-estar, o presidente tem promovido e proposto retrocessos inaceitáveis, como a ideia de aprovar alterações na Lei das Estatais, uma medida do governo de Michel Temer para blindar a Petrobras das históricas roubalheiras.

Com a prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, sob acusação de corrupção, Bolsonaro está louco para mudar de assunto e levar boas notícias ao eleitorado. É em momentos como este que as instituições precisam de mais força para resistir ao populismo.

Acordo fiscal com União é bem-vindo, mas não pode ser licença para gastar

O Globo

É motivo de celebração e preocupação a adesão do Estado do Rio de Janeiro ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), homologada depois de mais de um ano de intrincadas negociações envolvendo o governo fedederal e o ministro Dias Toffoli, do Supremo. Celebração, porque a rejeição do acordo, como já acontecera, paralisaria o estado, que tem uma dívida de R$ 148 bilhões com a União. Preocupação, porque o bem-vindo alívio nas contas públicas não pode servir de licença para gastar, especialmente em ano eleitoral, quando governos se mostram tentados a torrar o dinheiro do contribuinte sem pensar no amanhã.

É verdade que, no acordo, com vigência até 2030, o governo fluminense se compromete a cumprir o teto de gastos, uma das principais pendências que travavam as negociações. Como defendia a União — e a despeito da resistência do Rio —, ficou acertado que o estado instituirá mecanismos para limitar o crescimento das despesas à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação. Em caso de descumprimento, o Planalto poderá acionar o Supremo para exigir que os termos sejam respeitados. São as regras do jogo.

Numa outra queda de braço, o estado conseguiu dobrar o governo federal para que servidores públicos mantenham privilégios inaceitáveis, como os triênios, reajustes salariais automáticos por tempo de serviço que não levam em conta o mérito. Valerá o que foi aprovado na Assembleia Legislativa sob pressão das corporações do funcionalismo: só perderão o adicional servidores recém-contratados. A bondade, que favorece uma minoria e aumenta os custos para o grosso da população, abre um precedente perigoso para o governo perpetuar a gastança que o levou ao fundo do poço.

A rejeição do acordo, até a semana passada uma possibilidade real, teria sido catastrófica. O Rio teria de pagar de imediato à União os R$ 42,8 bilhões que deixaram de ser quitados desde 2017. Para entender o que isso significaria, basta dizer que a arrecadação do estado no ano passado ficou pouco acima de R$ 53 bilhões. Pelas regras do acordo, o Rio pagará mensalmente à União R$ 300 milhões.

Com base em pareceres técnicos, o governo federal vetara em janeiro o ingresso do Rio no RRF. Um dos principais argumentos foi a decisão estadual de conceder reajustes aos servidores até 2030, despesa sem cabimento para um estado falido e de pires na mão. O Rio só conseguiu manter a suspensão do pagamento da dívida graças a uma liminar do ministro Dias Toffoli.

O Executivo fluminense precisa aproveitar o alívio nas contas para recuperar o estado, mergulhado em grave crise financeira desde a década passada. Sem austeridade fiscal, não só correrá o risco de ser excluído do regime — que exige equilíbrio em troca do escalonamento da dívida —, como ampliará o tamanho da catástrofe financeira. A população fluminense sabe bem o que isso representa, pois o colapso ainda está na memória de todos. O Rio tem uma chance ímpar de sair do buraco. Desperdiçá-la seria um crime.

Onda de esquerda encobre a diversidade de governantes

Valor Econômico

As condições econômicas ruins alimentam a instabilidade político-partidária

Governos de esquerda já foram tão mal-sucedidos como os de direita na América Latina e o pêndulo atual se inclina para os primeiros, o que não significa que a nova onda traga um impulso reformista renovador importante. México, Argentina, Colômbia, Peru, Chile, Bolívia e Venezuela estão sob comando de líderes esquerdistas, aos quais pode se somar o Brasil, se Luiz Inácio Lula da Silva se mantiver muito à frente nas pesquisas, como agora.

Mas os atuais líderes são bastante distintos entre si, embora tenham de reagir às mesmas condições econômicas, que hoje são muito adversas em toda a região. Afligidos por inflação alta, baixo crescimento - exceto Colômbia - e alto desemprego, a paciência dos eleitores tem se mostrado no limite. Um exemplo deste estado de espírito se vê no Chile, onde foi eleito o presidente mais jovem da história do país, Gabriel Boric, 36 anos, com 55,9% dos votos. Pouco mais de um mês após a posse, sua popularidade despencou para 36%. Em junho, ela subiu para 44%, ainda abaixo dos 47% que o rejeitam. É o pior resultado para o período em relação aos antecessores Sebastián Piñera e Michelle Bachelet.

A ideologia não tem ajudado o presidente peruano Pedro Castillo, 51 anos, que em menos de um ano de governo foi alvo de duas tentativas de impeachment (na última, 55 deputados votaram contra e 54 a favor) e trocou seu gabinete ministerial quatro vezes. O Peru teve antes dele 4 presidentes em 4 anos.

Gustavo Petro, de 62 anos, é o novo membro dessa constelação. Ex-guerrilheiro do M19 e ex-prefeito de Bogotá, venceu um candidato exótico direitista, Rodolfo Hernández, por 11,28 milhões a 10,58 milhões de votos. Petro é o primeiro presidente de esquerda no país, após derrotar os partidos do establishment que se revezavam desde sempre no poder. A Colômbia é o país que mais crescerá entre as maiores economias da América Latina no ano, 5,8% segundo as projeções do FMI.

Um ponto em comum a todos, com exceção do chileno Boric, é a apologia do intervencionismo estatal, que produziu a ruína venezuelana e a estagnação argentina. O colombiano Petro, por exemplo, divulgou em plataforma eleitoral que em sua gestão o “Estado atuará como empregador de última instância, oferecendo emprego aos que queiram e possam trabalhar, mas não o encontram no setor privado” - uma promessa delirante. As intervenções nos preços dos peronistas na Argentina são conhecidas, seus efeitos devastadores também. Já Boric critica o modelo venezuelano e defende a responsabilidade fiscal. “A esquerda precisa abraçá-la, pois é garantia de que a vida do nosso povo vai melhorar”, disse.

Os eixos de governo anunciados por Boric - direitos sociais, melhor democracia, justiça e segurança, meio ambiente e crescimento inclusivo - figuram nos planos de todos os governos de esquerda da região. Há virtudes e grandes desafios. Redistribuição de renda e abrangentes programas sociais se chocam hoje com situações econômicas bastante adversas. Isso limita as intenções distributivistas, frustra promessas eleitorais e desilude eleitores, que votarão em candidatos de outros espectros políticos nos próximos pleitos, como tem ocorrido na Argentina, ou escolherão candidatos fora dos partidos tradicionais, como no Brasil, com Jair Bolsonaro, e na própria Colômbia, com Hernández.

As condições econômicas ruins alimentam a instabilidade político-partidária. Mesmo vitoriosos, Petro, Boric e Castillo, que criaram movimentos próprios, não têm maioria nos parlamentos, e o argentino Alberto Fernández a perdeu na eleição de meio de mandato. Boa parte das promessas eleitorais ficarão pela metade do caminho ou não serão executadas.

A maior promessa de renovação da nova safra de esquerda, Gabriel Boric, terá de governar a baixa velocidade até 4 de setembro, quando ocorrerá o plebiscito sobre a nova Constituição, elaborado pela Assembleia Constituinte, que dividiu o eleitorado ao meio. Boric poderá ter de acatar e agir sob premissas que não defende.

A renovação se combina com a ortodoxia ideológica em doses variadas nesses governos. Petro tem plataforma ecológica abrangente, embora possa inviabilizar sua gestão com sua ideia de não conceder mais licenças para exploração de petróleo. Boric lançou o plano “Menos Armas, Mais Segurança”, com proibição do porte de armas e reforma da polícia. Dos partidos mais “velhos”, porém, como o peronista argentino e o PT brasileiro, a expectativa é mais do mesmo, ou menos.

 

 

 

 

 

 

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