quarta-feira, 29 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Gatilho ideológico

Folha de S. Paulo

Bolsonaro logra difundir armas com decretos duvidosos e motivações delirantes

A agenda ideológica de Bolsonaro (PL) se faz notar mais à base de inação, aparelhamento e desorganização administrativa do que na forma da novas leis e políticas de governo. Assim se produziram desastres em áreas como educação, saúde e meio ambiente.

No mais, até aqui frustraram-se, por falta de sustentação política, social ou jurídica, tentativas de coibir a punição de abusos policiais (excludente de ilicitude), cercear conteúdos em salas de aula (Escola sem Partido), restringir as possibilidades de demarcação de terras indígenas (marco temporal).

Um caso à parte é o da ampliação do acesso a armas de fogo, em que o bolsonarismo, ainda que por meios tortuosos, conseguiu avançar. Nesta terça (28), o anuário publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública trouxe novos e preocupantes dados nesse sentido.

É particularmente espantoso o aumento do número de registros ativos de armas no sistema da Polícia Federal (Sinarm), que passou de 1,06 milhão em 2019, no início do governo, para 1,49 milhão no ano passado, numa alta de 41%.

Considerando também outras fontes de informação, chega-se a um total de 2,8 milhões de artefatos —revólveres, pistolas, espingardas e outros— particulares no país. Como comparação, os órgãos públicos, como as polícias militares e civis, dispõem de não mais que 384 mil artigos do gênero.

São conhecidos os riscos da liberalização do acesso a armamentos, que tendem a agravar conflitos pessoais, provocar acidentes e facilitar suicídios. Ademais, produtos legalmente adquiridos não raro vão parar nas mãos de criminosos.

Bolsonaro tem estimulado a posse e o porte por meio de decretos presidenciais, que por sua natureza não deveriam contrariar o espírito da lei —no caso, o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003. Assim, sem debate e escrutínio do Legislativo, normas de controle e restrição são eliminadas.

Além da forma questionável, as motivações de tal política, importada da pauta conservadora americana, variam do equívoco ao delírio paranoico. No discurso bolsonarista, as armas particulares seriam proteção tanto contra bandidos, o que já faz pouco sentido, quanto contra alguma ofensiva ditatorial, presumivelmente comunista.

Como já mostraram pesquisas do Datafolha, tais ideias contam com apoio minoritário na sociedade brasileira. Em maio, 71% dos entrevistaram disseram discordar da ampliação do acesso a armas, com a qual concordaram 28%.

O mínimo que se espera é que a discussão seja travada às claras, na arena legislativa, com dados e argumentos. A providência mais imediata, a cargo do Supremo Tribunal Federal, é deliberar sobre a legalidade de decretos de Bolsonaro.

O julgamento está suspenso desde setembro de 2021 por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques —indicado à corte pelo atual ocupante do Planalto.

Saga funerária

Folha de S. Paulo

Meritória, privatização dos cemitérios será tentada mais uma vez em São Paulo

Com a publicação de um novo edital, a Prefeitura de São Paulo adicionou mais um capítulo à saga em que se converteu, nos últimos anos, o processo de concessão dos serviços dos 22 cemitérios municipais à iniciativa privada.

Trata-se de nada menos que a sexta tentativa desde 2017 —e, para o bem dos paulistanos, espera-se que desta vez a iniciativa possa finalmente chegar a bom termo.

Afinal, são bem conhecidas as mazelas e os desvios que atingem o serviço funerário da capital paulista.

Em 2019, por exemplo, cinco relatórios produzidos pela Controladoria Geral do Município desvelaram irregularidades em contratos, desperdício milionário de recursos públicos e desrespeito com os despojos dos mortos.

Por cinco vezes, entretanto, as tentativas de privatização terminaram barradas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).

Na mais recente delas, ocorrida em março deste ano, o TCM apontou risco de concentração de mercado, dado que um mesmo licitante poderia adquirir mais de um dos quatro blocos nos quais a municipalidade dividiu os cemitérios.

A prefeitura acolheu as sugestões do tribunal e produziu um novo edital, no qual se estipula que os campos-santos serão concedidos pelo prazo de 25 anos, incluindo suas gestão, operação, manutenção e revitalização.

Prevê-se ainda a expansão da estrutura já existente, com a construção de mais três crematórios —hoje, o serviço municipal conta com apenas um, na zona leste.

Os interessados deverão pagar ao município, pelos quatro blocos, um montante inicial de aproximadamente R$ 540 milhões, além de 4% das receitas. No total, entre despesas e intervenções obrigatórias, os valores estimados para os contratos somam mais de R$ 7 bilhões.

A gestão Ricardo Nunes (MDB) estipulou que todas as gratuidades existentes precisarão ser mantidas e que haverá valores máximos para a cobrança dos trabalhos funerários, a saber, os praticados hoje.

Com controle rígido sobre a atuação dos concessionários, a transferência dos cemitérios à iniciativa privada tem potencial para melhorar o serviço. Um sofrimento a menos para aqueles que já passam por um duro momento.

Explícita compra de votos

O Estado de S. Paulo

Ao distribuir dinheiro a caminhoneiros e famílias pobres, sem planejamento e a menos de 100 dias das eleições, Bolsonaro dá argumentos para nulidade de sua candidatura

O presidente Jair Bolsonaro aparentemente não está satisfeito somente em legar ao País a destruição de políticas públicas consolidadas. O Executivo pretende agora ignorar as restrições legais e, às vésperas das eleições, criar um novo programa para ajudar caminhoneiros autônomos com o pagamento mensal de mil reais para a compra de diesel. O fato de não haver uma base de dados atualizada sobre o setor ou qualquer estudo sobre as dificuldades dos motoristas não será um empecilho. Como mostrou o Estadão, quem constar de um cadastro genérico e desatualizado da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estará apto a receber o benefício. Ou seja, não há preocupação nem com o foco do programa nem com eventuais fraudes. Para Bolsonaro, só interessa o potencial eleitoral da distribuição de dinheiro. A tentativa de compra de votos é tão explícita que será difícil, para a Justiça Eleitoral, encontrar argumentos para ignorar o crime que está para ser cometido.

Criado por lei em 2007 para servir como referência da estrutura logística do País, o Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) inclui caminhoneiros, mas também motoristas de furgões e de vans. Como a inserção de dados não exige revalidação, basta fazer o cadastro pela internet, o que pode ser realizado tanto pelo profissional quanto pelo sindicato que o representa. De acordo com a ANTT, haveria 872.320 transportadores autônomos de cargas no País em 2017, um cenário que sofreu mudanças drásticas após a greve de 2018, quando empresas passaram a operar com frota própria e a contratar transportadoras que formalizam motoristas como empregados.

A frouxidão do controle sobre os beneficiários de programas sociais é um padrão do governo Bolsonaro. Começou com o Auxílio Emergencial, quando o ministro Paulo Guedes alegou ter descoberto milhões de “invisíveis” na pandemia de covid-19 em 2020, ignorando as informações reunidas em mais de 20 anos de existência do Cadastro Único dos programas sociais. À época, a União aceitou pagar R$ 600 para cada um que passasse pelos parcos controles do programa. Ao todo, 67,9 milhões de pessoas, quase um terço da população, foram beneficiadas – quem precisava e quem não precisava. Sabe-se que pelo menos 3,02 milhões de pessoas receberam indevidamente R$ 1,072 bilhão em recursos públicos, segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU).

Foi no período de vigência do Auxílio Emergencial que Bolsonaro registrou seus melhores índices de aprovação. Logo, no raciocínio oportunista que predomina hoje no Palácio do Planalto, a única maneira de impulsionar as chances eleitorais de Bolsonaro seria injetar “dinheiro na veia do povo”, como classificou em 2020, a propósito do Auxílio Emergencial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, outrora liberal e hoje completamente alinhado ao populismo ordinário do presidente.

Se o foco do governo estivesse no resgate das famílias mais vulneráveis, como deveria ser, o correto seria investir para zerar a fila de beneficiários do Auxílio Brasil, estimada em 2,78 milhões de famílias, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), e diminuir o longo tempo de espera para agendar um atendimento nos Centros de Referência da Assistência Social (Cras). Combater a fome será tarefa impossível sem socorrer os que mais precisam.

Mas a necropolítica bolsonarista não se importa se há brasileiros sem ter o que comer. Hoje, como sempre, Bolsonaro só usa a poderosa caneta presidencial para viabilizar o pagamento do “bolsa-eleição”. Com esse objetivo, o governo cogita até inventar um “estado de emergência” para liberar gastos em ano eleitoral e fora do teto fiscal, algo escandalosamente ilegal. Ou seja, Bolsonaro dá de bandeja argumentos para a nulidade de sua candidatura, mas não parece preocupado com isso, pois talvez aposte na impunidade. Assim, roga-se que as autoridades eleitorais e judiciais do País não fiquem inertes diante de tal afronta às leis vigentes, especialmente as que determinam igualdade de condições entre os candidatos e as que impõem limites cristalinos aos gastos públicos.

BC leva meta de inflação a sério

O Estado de S. Paulo

Com arrocho nos juros, Copom felizmente faz sua parte contra a alta de preços, enquanto Executivo e Legislativo, que só se importam com as eleições, mantêm e ampliam baderna fiscal

O pior momento da inflação passou, disse com aparente otimismo o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Mas o tom realista predominou em seguida: falta entender o impacto de “algumas medidas desenhadas pelo governo”. A advertência é clara: ainda é preciso saber o efeito das bondades eleitorais. Aumento de gastos, corte de impostos e consequente insegurança fiscal poderão criar pressões inflacionárias. É cedo, portanto, para afrouxar a política, e há excelentes motivos, poderia ter acrescentado, para manter em 3% a meta de inflação até 2025, repetindo a de 2024.

Essa meta, segundo alguns, é irrealista e impõe, de forma ineficiente, a adoção de juros muito altos e prejudiciais ao crescimento econômico. Em 2021, a inflação chegou a 10,06%, passando longe do centro do alvo, de 3,75%, e até do limite de tolerância, de 5,25%. Algo parecido está previsto para este ano. Estima-se inflação próxima de 9%, muito acima do objetivo central, de 3,50%, e do teto, de 5%. Trabalha-se com meta de 3,25% para 2023 e de 3% para o ano seguinte. Os objetivos são fixados, com limites de tolerância acima e abaixo, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Integram o conselho o ministro da Economia, o secretário de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia e o presidente do BC.

Fatores importantes, internos e externos, continuam pressionando os preços para cima e dificultando a ação anti-inflacionária, mas isso de nenhum modo justifica uma ação mais frouxa da autoridade monetária. Ao contrário: qualquer sinal de afrouxamento, ou de tolerância aos aumentos, poderia estimular mais desarranjos e produzir efeitos desastrosos nos próximos dois anos. Seria um péssimo legado para o próximo governo e uma grave ameaça ao bem-estar dos brasileiros, principalmente dos desempregados e de milhões de pobres.

Não há sinal de leniência da autoridade monetária, apesar de algum indício de otimismo. “Acreditamos que a maior parte do processo já foi feita”, disse o presidente do BC, na segunda-feira, durante o Fórum Jurídico de Lisboa. Campos Neto, no entanto, logo lembrou a importância de completar o trabalho de “ancorar expectativas”, isto é, de instilar nos agentes econômicos a confiança no sucesso em relação às metas.

A disposição de manter uma dura política de ajuste já havia sido reafirmada na ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. Elevada para 13,25% nessa reunião, a taxa básica de juros deverá ser mais uma vez aumentada na próxima sessão do comitê. O próximo ajuste, de acordo com a ata, poderá ser inferior ou igual ao anterior, quando a variação foi de 0,5 ponto porcentual.

O presidente do BC e seus companheiros têm reafirmado a disposição de manter sua política até a inflação se aproximar da meta. Mesmo com alguma redução, os juros básicos deverão continuar muito altos pelo menos até o fim de 2023. Dinheiro caro será um entrave à expansão econômica e manterá elevado o custo da dívida pública. Mas com essa política o BC continuará empenhado na tarefa principal de frear a alta dos preços.

As declarações de Campos Neto deixam implícito um recado político muito importante: o BC está realizando seu trabalho e cumprindo sua obrigação mais importante, a mesma atribuída como objetivo primordial às autoridades monetárias em outros países. Inflação contida é sempre o alvo número um, mesmo quando um BC, como o dos Estados Unidos, tem de levar em conta, como parte de seu mandato legal, a preservação do emprego. A consideração do emprego também aparece nas deliberações do Copom, mas sem implicar desleixo em relação aos preços.

O recado implícito inclui um lembrete relativo à disciplina fiscal. Os Poderes da República, principalmente o Executivo e o Legislativo, contribuirão de forma importante para o controle da inflação se cuidarem melhor das finanças públicas, evitando bondades eleitorais, ações populistas e barbaridades como o orçamento secreto. Será inútil protestar contra terapias muito duras, se toda a responsabilidade ficar para o Banco Central.

Politicagem na política externa

O Estado de S. Paulo

PEC que permite a parlamentar assumir embaixada mantendo o mandato mistura questões de Estado com política miúda

Um grupo de senadores liderados por Davi Alcolumbre (União-AP) busca aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) permitindo que parlamentares ocupem cargos de embaixador sem renunciar ao mandato. Isso em nada tem a ver com os interesses da política externa. É apenas mais uma tentativa de congressistas clientelistas, no fim de feira em que se transformou o governo Jair Bolsonaro, de ampliar seu balcão de negócios com novas mercadorias.

Diplomatas são funcionários concursados de carreira ligados ao quadro de profissionais do Itamaraty. A lei já prevê a nomeação excepcional de brasileiros reputados por mérito e experiência. Não é incomum, no Brasil e em outros países, que chefias de missões permanentes sejam exercidas por juristas e mesmo políticos. Incomum é que os políticos exerçam essa função mantendo seu mandato.

Alcolumbre argumenta que é uma “afronta ao bom senso” o fato de um congressista poder exercer o cargo de ministro das Relações Exteriores sem a obrigatoriedade de renunciar, mas ter essa “amarra” para ser embaixador. A prevalecer esse entendimento, não só os cargos diplomáticos, mas todos os cargos exercidos por profissionais de carreira em quaisquer ministérios estariam sujeitos a ser ocupados por parlamentares.

É justamente a garantia de que os ministros exercerão suas funções políticas sobre um quadro de profissionais técnico e isento que assegura o equilíbrio entre as vontades do governo e os interesses do Estado. Os riscos de conflito com a PEC são evidentes. Os interesses de Estado, nacionais, poderiam ser sobrepostos pelos interesses regionais e partidários dos congressistas. 

A politização da diplomacia ameaça uma das ilhas de excelência do serviço público do Estado brasileiro. “Isso é o princípio da destruição da carreira diplomática como tal”, disse a embaixadora aposentada Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação de Diplomatas Brasileiros. “Você acha que jovens vão entrar no Itamaraty para disputar no par ou ímpar com deputado ou senador, em troca de voto político?”

Alcolumbre sabe perfeitamente bem as razões dos constituintes. Na justificativa da PEC se diz que até agora prevaleceu o entendimento de que “a possibilidade de indicação de deputados e senadores para a ocupação de cargos de chefia de missão diplomática permanente representaria o sequestro da política internacional pela política miúda, fisiológica, em troca de apoio ao chefe do Poder Executivo”. Mas, segundo ele, “a restrição consistia em discriminação odiosa aos parlamentares”. O senador argumenta que “o mundo mudou significativamente nos últimos 33 anos”.

O mundo mudou. Mas os princípios que em 200 anos de regime constitucional garantiram a qualidade dos quadros diplomáticos brasileiros e o equilíbrio entre os Poderes da República não mudaram. Tampouco mudou o apetite de certas alas políticas por cargos e comissões de Estado a serviço de seus interesses paroquiais. O constituinte sempre soube que isso não mudaria e por isso estabeleceu os limites que agora estão ameaçados.

Bolsonaro aposta no vale-tudo em nome de manter o poder

O Globo

Se alguém ainda duvidava de que o presidente Jair Bolsonaro tem plena consciência da crise econômica e institucional que está semeando, a incerteza foi dirimida nesta semana com o decreto presidencial que dá poderes à Advocacia-Geral da União (AGU), chefiada por um fiel aliado, para opinar se atos do governo ferem a legislação eleitoral. Não poderia haver confissão de culpa mais contundente. Como muitos dos gastos destinados a elevar as chances de reeleição são inconstitucionais, Bolsonaro optou por essa “gambiarra”, na descrição precisa do colunista do GLOBO Merval Pereira.

A validade do novo subterfúgio será tema de acalorado debate jurídico ainda sem data para acabar. No mercado financeiro, como sempre, a resposta é mais rápida. Já há um veredito. Os investidores estão assustados com as pretensas “bondades” eleitorais do presidente em busca desesperada por um novo mandato. É nítido o efeito das medidas e discussões para intervir na Petrobras tentando segurar a alta dos combustíveis, distribuir benesses aos caminhoneiros e aumentar para R$ 600 o valor do Auxílio Brasil, o substituto do Bolsa Família.

O impacto fiscal de todas as ideias que têm saído do Planalto nas últimas semanas ainda é uma incógnita, mas poderá chegar facilmente perto de 1% do PIB. É uma conta que, em sua maior parte, todos os brasileiros continuarão a pagar doravante no Orçamento da União. Só o aumento no Auxílio Brasil, pelos cálculos do economista e colunista do GLOBO Fabio Giambiagi, consumiria metade do ganho fiscal proporcionado pela reforma da Previdência nos próximos dez anos.

Não é à toa que a percepção de risco tem crescido entre os investidores. A recente desvalorização do real e a instabilidade na Bolsa não são os únicos indicadores do mau humor do mercado. Um levantamento da consultoria Tendências, revelado pelo GLOBO, mostra que papéis que oferecem uma espécie de seguro contra calote na dívida brasileira atingiram na semana passada 290 pontos, nível mais alto desde maio de 2020. Na comparação com os vizinhos, o desempenho do Brasil é sofrível. Desde o início de 2022, a média de Colômbia, Chile, Peru e México avançou de 110 para os 167 pontos.

Está cristalizada entre os investidores a percepção de que não tem limite a sanha do governo para atropelar o bom senso na gestão do gasto público. Se a Petrobras é vista como empecilho para os planos de Bolsonaro, por que não mudar a Lei das Estatais, que blindou a petroleira de intervenção política a partir do governo Temer? Se há barreiras legais contra novos gastos em ano de eleição, por que não decretar um estado de emergência, para suspender regras fiscais e eleitorais? Se as pesquisas apontam para a derrota, por que não espalhar mais mentiras sobre as urnas eletrônicas e semear a cizânia?

Para Bolsonaro, vale tudo em nome da manutenção do poder. A estratégia de terra arrasada, mesmo que possa afetar a ele próprio em caso de vitória, tem longa tradição na política brasileira. Mas o histórico de outros políticos que promoveram gastança e quebradeira antes de eleições não torna os atos de Bolsonaro menos graves. Nem serve para eximi-lo da culpa por eventuais crimes eleitorais. Os avanços institucionais das últimas décadas resultaram nas leis que regem as eleições, as estatais e a disciplina fiscal. O Brasil não pode permitir retrocesso.

Escolas devem permanecer abertas, apesar da nova onda de Covid-19

O Globo

Quando depararam com a ameaça do novo coronavírus em 2020, gestores federais, estaduais e municipais de Educação optaram pela solução mais fácil para enfrentar o problema: fechar as escolas. Era uma medida drástica que se justificava naquele momento em que nada se sabia sobre o vírus, mas foi estendida demais. Quase dois anos e meio depois, o equívoco, que atirou no limbo o já claudicante ensino brasileiro, ficou evidente. Por isso mesmo não pode ser repetido. Em meio à nova onda de Covid-19, traduzida pelo aumento nos casos e nas mortes, todos precisam ouvir o apelo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para que se mantenham as aulas presenciais.

Em nota técnica, o grupo de trabalho dedicado a avaliar o retorno seguro às aulas presenciais desde o início da pandemia defende que as escolas continuem abertas, por não representarem risco significativo para o aumento do contágio. “Decorrido todo esse tempo com períodos de maior ou menor transmissão do Sars-CoV-2, pode-se afirmar que as atividades presenciais nas escolas não têm sido associadas a eventos de maior transmissão do vírus”, afirma o documento.

Os pesquisadores ressaltam que o registro de infectados nas escolas não significa necessariamente que a transmissão se deu em sala de aula. São, segundo eles, contaminações em sua maioria ocorridas fora do ambiente escolar. “A experiência atual, comprovada por estudos de relevância, revela disseminação limitada de Covid-19 nas escolas”, diz a Fiocruz. Ainda de acordo com a nota técnica, a transmissão entre funcionários é mais frequente que entre alunos e funcionários ou entre os próprios estudantes.

Não significa, claro, que não se deva fazer nada. A própria Fiocruz apresenta o receituário. Recomenda avançar na vacinação infantil (cinco meses depois de iniciada a campanha, apenas pouco mais de 60% das crianças de 5 a 11 anos foram imunizadas), ampliar a testagem, afastar casos positivos ou com sintomas respiratórios e adotar medidas de proteção conhecidas, como melhoria da ventilação, higiene das mãos e uso de máscaras.

O fechamento de escolas na pandemia não ocorreu só no Brasil, mas o país exagerou na dose. Manteve por quase dois anos os alunos afastados da sala de aula. O estrago foi colossal, já que o ensino remoto, onde existiu, fracassou. Os alunos pouco ou nada aprenderam nesse período, como atestam os números vergonhosos de avaliações realizadas desde então. Sem falar nos graves danos causados pelo afastamento do convívio social.

Diante do avanço da vacinação, nem de longe a nova onda traz preocupação comparável à de 2020 ou 2021. As escolas devem seguir as recomendações da Fiocruz, adotar as medidas de proteção necessárias e manter as aulas presenciais. Seria o cúmulo voltar a fechar escolas quando todas as demais atividades funcionam, e a própria população age como se não houvesse mais pandemia. É preciso aprender com os erros.

Planos de Bolsonaro não se detêm diante das leis

Valor Econômico

Bolsonaro vai aos poucos derrubando o arsenal de austeridade com o qual assumiu e outros mais

A prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro trouxe mais reveses inesperados para Jair Bolsonaro, em um mês repleto deles. Os dissabores causados pela traficância de interesses no MEC se somam ao dos mercadores de vacinas inexistentes no Ministério da Saúde, revelado pela CPI da Covid, e ambos roubam argumentos do discurso do presidente de que não há corrupção em seu governo. Os problemas não terminaram: o juiz Renato Borelli encaminhou o caso ao Supremo Tribunal Federal, porque o Ministério Público viu “indício de vazamento da operação policial e interferência ilícita do Presidente da República”.

Com a disparada dos preços de combustíveis e da inflação, as chances eleitorais de Bolsonaro estão diminuindo, assim como o tempo que lhe resta para melhorar sua performance nas pesquisas até as eleições, daqui a 95 dias. Com a Justiça no encalço de pastores que visitavam o Planalto e no do incompetente ministro da Educação, a estratégia de Bolsonaro e seus amigos do Centrão mudou ao sabor das necessidades. Sem planejamento e destrutivo, o governo, que ainda não conseguiu encontrar uma fórmula de suavizar as altas dos combustíveis, desistiu de compensar os Estados que zerassem o ICMS do diesel e do gás e também de fazê-lo para os Estados que perdessem receitas com a redução das tarifas do ICMS à média padrão de 17%-18% por serem considerados bens essenciais.

A PEC dos combustíveis, que passou na Câmara e está no Senado, reservou R$ 29,6 bilhões para esse fim. O governo resolveu utilizá-los em uma nova cartada eleitoral, passando por cima da regra do teto de gastos, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da lei eleitoral, que proíbe programas como os que Bolsonaro e Lira querem implantar a pouco mais de três meses do primeiro turno.

A manobra consiste em aumentar até o fim do ano em R$ 200 o Auxílio Brasil, dobrar o valor do vale gás e conceder R$ 1 mil aos caminhoneiros, por fora do teto de gastos. Para driblar a restrição do teto, cogita-se inserir na PEC no Senado até mesmo a decretação do estado de emergência, que abriria a porteira das despesas públicas, que possivelmente não ficariam restritas aos benefícios mencionados, mas às carências imensuráveis de um candidato em sérios apuros eleitorais.

Os áudios do ex-ministro Milton Ribeiro revelam que Bolsonaro teria ligado para ele, quando viajava para os Estados Unidos para a Cúpula das Américas, e teria avisado que tivera um “pressentimento” de que poderia haver operação de busca e apreensão na casa do pastor. O presidente esteve acompanhado na viagem do ministro da Justiça, Anderson Torres, a quem a Polícia Federal, que realizou as buscas, é subordinada. O delegado da PF, Bruno Callandrini, que conduziu as operações, disse que houve “interferência” na condução do processo e que Ribeiro teve “tratamento privilegiado”. As suspeitas sobre o caso, que agora envolvem Bolsonaro, podem dar impulso à CPI do MEC que, se instalada, manteria em pleno período eleitoral um clima adverso ao presidente.

A cúpula do Centrão, que acompanha o presidente em sua empreitada eleitoral, estimulou Bolsonaro a adotar as únicas medidas que poderão reduzir danos à imagem de um governo sitiado pela carestia: a distribuição direta de auxílio financeiro aos eleitores. As contas feitas pelo relator da PEC dos combustíveis no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), estimam necessidade de R$ 34,8 bilhões para as medidas, que ainda incluem gratuitade de idosos nos transportes urbanos e manutenção da competitividade do etanol.

Como não há dinheiro para isso e, mesmo se houvesse, as leis proíbem que se faça uso desses recursos em período eleitoral, o governo parece decidido a mandar tudo para os ares. Bezerra estuda um meio de reconhecer o estado de emergência em transportes para liberar os recursos. Ou seja, basta o governo inventar uma emergência para driblar a Constituição e as leis, inscrevendo na própria Carta Magna uma emenda que contraria seu espírito, desmoralizando-a ao modificá-la para inscrever medidas temporárias que não duram 6 meses.

Bolsonaro vai aos poucos derrubando o arsenal de austeridade com o qual assumiu e outros mais. Caio Paes de Andrade, indicado por Bolsonaro para presidir a Petrobras, claramente não preenchia os requisitos exigidos pela lei das estatais para ocupar tal posição. Para agradar ao presidente, a lei foi deixada de lado e essa avacalhação da institucionalidade não costuma terminar bem.

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