sábado, 25 de junho de 2022

Pablo Ortellado: Revistas policiais são racistas e ineficientes

O Globo

Secretários de Segurança Pública decidiram contrariar indicação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e manter em todos os estados e no Distrito Federal as revistas policiais arbitrárias. Em abril deste ano, o STJ, por unanimidade, considerou ilegal a busca pessoal ou veicular motivada apenas pela impressão subjetiva do policial sobre a aparência ou a atitude.

Imagine ser arbitrariamente escolhido por um policial, ter de encostar as mãos no muro ou colocá-las na cabeça e, em seguida, passar por minuciosa revista, sendo tratado como suspeito de um crime em plena via pública, sob o olhar de todos. Imagine essa cena no seu bairro, na frente dos vizinhos —ou, pior, dos seus filhos. Pois quatro entre dez cariocas já viveram essa situação humilhante e vexatória. E incríveis 7% dos cariocas já passaram por isso mais de dez vezes, segundo a pesquisa Negro Trauma, conduzida em 2022 pelo Datafolha. Dos que já foram abordados pela polícia, 23% sofreram intimidação ou violência verbal, e 28% foram alvo de uma arma apontada pelos policiais. Os negros são 48% da população carioca, mas 63% das pessoas abordadas pela polícia.

Em Nova York, a prática das revistas arbitrárias foi abolida depois do chocante assassinato de George Floyd, o homem negro que morreu sufocado durante uma abordagem policial abusiva. Foi a morte de Floyd que deu ímpeto ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Na cidade americana, de cada cem revistas, apenas 12 encontravam algum objeto ilícito. A Justiça Federal do país julgou esse número muito baixo e considerou a prática inconstitucional. No Brasil, uma pesquisa de mestrado na UnB, com dados oficiais das secretarias de Segurança Pública, mostrou que menos de 1% das revistas encontra objetos ilícitos. Mais de 99% não acham nada — servem apenas para humilhar os cidadãos inocentes enquadrados.

Para os ministros do STJ, para serem legais, as abordagens policiais precisam ter “fundada suspeita” — o que significa serem objetivas e apoiadas em indícios concretos de que o individuo está em posse de drogas, armas ou outro objeto ilícito. Não podem se basear apenas na intuição do policial, em alguma impressão subjetiva ou denúncia anônima. Embora a decisão valha apenas para o caso julgado, aponta para um amplo consenso na Corte sobre a ilegalidade das revistas arbitrárias.

Por isso surpreendeu a resposta dos secretários de Segurança que, em reunião nacional, decidiram, também por unanimidade, desconsiderar a opinião do STJ e manter as revistas pessoais, consideradas “medida crucial ao desenvolvimento de ações preventivas”. A unanimidade da decisão é muito preocupante e mostra como, diante das críticas, as polícias adotam uma postura defensiva e corporativa.

Igualmente preocupante é a reação legislativa à decisão do STJ. Reunião da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados propôs retomar a tramitação de Projeto de Lei que regulamenta as revistas com base numa mudança no Código de Processo Penal. A mesma comissão aprovou Projeto de Lei do deputado Bibo Nunes (PL-RS) prevendo pena de prisão ao cidadão que encostar num policial durante qualquer abordagem.

Muitos punitivistas gostam de pensar que são necessários métodos duros da polícia para combater a criminalidade com firmeza. Mas o excesso e o destempero não punem apenas os criminosos, punem também os inocentes. No caso das revistas arbitrárias, punem principalmente os inocentes: 99% das vezes a suspeita da polícia está equivocada. São um exercício de poder abusivo que serve apenas para humilhar trabalhadores negros inocentes.

 

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