Folha de S. Paulo
Não é a carta de Biden que garante a
democracia. É o voto. É a escolha.
Tudo indica que Jair Bolsonaro
subscreverá uma
carta da Cúpula das Américas em defesa da democracia e da presença de
observadores internacionais em eleições continente afora, o que inclui as
nossas, é claro!, cujo resultado o presidente põe em dúvida de antemão. Joe
Biden, com quem ele vai se encontrar, conhece a máxima: "Se eu perder,
então houve fraude".
Se a garatuja do "Mito" estiver
no documento, estamos livres da virada de mesa? A pergunta está errada. O golpe
no Brasil é um "estar sendo", já em curso, e se faz um pouco por dia.
Em outubro, temos de começar a "desgolpear" o Brasil. Vamos a uma
digressão elucidativa e volto ao ponto.
Ainda que Bolsonaro possa, tudo indica, sonhar com um desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios e com as respectivas cabeças de pelo menos nove ministros do STF fincadas em postes —Arthur Lira e Ciro Nogueira estariam na segunda fileira, por motivos diversos—, uma disrupção dessa natureza é improvável.
Nessa hipótese, o "Brasil
pária", sonhado por Ernesto Araújo, se tornaria realidade, o que
isolaria também as Forças Armadas do resto do mundo. Nem Putin iria querer
conversa. A corrupção de valores dos fardados impressiona, mas a tal grau de
estupidez não chega.
O jogo de Bolsonaro é mais claro do que ele
e Braga Netto supõem. No extremo do delírio, ter-se-ia o "Cenário
Capitólio", com incompetência ou desídia das Polícias Militares na
contenção dos "revoltosos", caso em que seria necessário recorrer ao
Artigo 142 da Constituição para que as Forças Armadas fossem chamadas a
garantir a "independência dos Poderes".
O "capitão", então, como
comandante supremo, tentaria negociar com os generais o futuro do Brasil. Seria
um desastre para todos, inclusive para os golpistas, e um monte de gente
acabaria na cadeia.
Lendo o colunismo
"terceira-coluna", fica-se com a impressão de que as ameaças de
Bolsonaro são uma invenção do PT para tentar forçar o voto útil. É mesmo? Lula
seria, então, o culpado até pela retórica de seu principal adversário? Encoste
o ouvido ao peito desses valentes, como recomendaria Ivan Lessa, e você lhes
ouviria o coração a bater: "Não fosse o Supremo, e o petista nem
estaria na liderança da disputa..." Há momentos em que essa gente e o
bolsonarismo transitam na mesma, digamos, "via" —uma herança do
trogloditismo lava-jatista, que nos jogou neste abismo.
Volto ao ponto. Não percebem? Já vivemos
sob a égide do golpismo nas instituições, na independência dos Poderes, na
eficácia das leis, nos direitos humanos, na possibilidade —ainda que fosse
distante— de uma vida realmente civilizada. A herança de Bolsonaro para a
(in)cultura democrática é devastadora. E a degradação está em toda parte.
Por isso afirmei nesta
coluna, na semana passada, que golpe mesmo ele daria (ou dará?) se vencesse
(ou vencer?) a eleição. Nesse caso, as agressões a direitos fundamentais, que
hoje são matéria de fato, se transformariam também em matéria de direito.
Forças de segurança torturam
e matam à luz do dia, na certeza da impunidade. Os
massacres, sob o pretexto de combater o crime, viram rotina. Balas
perdidas encontram a carne preta de crianças no suceder sangrento dos
dias.
Morros
desabam sobre a cabeça de miseráveis porque chove... Ah, o mandatário
não responde por aquilo que cai do céu, mas é o culpado pela
desestruturação do Minha Casa Minha Vida, por exemplo. Nunca tantos trabalharam
por tão pouco, destituídos de direitos, de proteção, de alguma perspectiva de
futuro. Os pobres, como é evidente, sentem muito mais o "estar sendo"
do golpe.
Os contornos formais da institucionalidade
estão borrados —e não há exercício regular do direito se inexiste a forma. O
Orçamento virou peça de ficção na disputa do Centrão pelos despojos do povo
brasileiro,
ao som do "Tchê tchererê tchê tchê" da cafajestagem. Incapaz de formular
políticas públicas, a mais recente indignidade da ala que teme que o butim lhe
fuja das mãos é cogitar um decreto
de calamidade do vale-tudo.
Ou se entende que outubro pode marcar o
início do "desgolpe", ou não se entende nada. Não é a carta de Biden
que garante a democracia. É o voto. É a escolha.
Os sertanejos de boteco apoiam Bolsonaro,a MPB apoia,todo mundo sabe quem... Não,não é preconceito social,a elite econômica do Brasil adora sujar o ouvido.
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