Valor Econômico
Eleitores enrustidos de Lula podem decidir
a eleição no 1º turno
Algumas semanas atrás, uma empresa de
pesquisa contratada por um banco fez um teste curioso. Depois de perguntar aos
entrevistados em quem eles pretendiam votar para presidente da República neste
ano, perguntou em quem eles achavam que a maioria da outras pessoas da família
e da roda de amigos estava disposta a votar.
Constatou que tem mais gente que conhece
parentes e amigos interessados em votar no ex-presidente Lula do que o próprio
desempenho de Lula na pergunta direta. Com o presidente Jair Bolsonaro ocorre o
inverso.
Os resultados são sugestivos.
Na véspera do primeiro turno das eleições de 2018, o Datafolha informava que Bolsonaro tinha 40% dos votos válidos, o Ibope falava em 41%. No domingo, conforme a apuração do Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro terminou o primeiro turno em primeiro lugar, exatamente como diziam as pesquisas, mas com pouco mais de 46% dos votos válidos.
A diferença de cinco ou seis pontos entre
os números de véspera apurados pelos institutos de pesquisa e o resultado
extraído das urnas naquela eleição foi atribuída à aceleração de última hora de
uma onda conservadora que pairava sobre a sociedade - fenômeno que teria
exercido pressão maior no grupo dos que deixam para decidir no dia do pleito -
e ao chamado voto envergonhado.
Voto envergonhado foi um fenômeno muito
discutido nos Estados Unidos após a surpreendente vitória de Donald Trump em
2016. Lá, o excêntrico empresário e apresentador de TV também havia conquistado
mais votos nas urnas do que as empresas de pesquisa conseguiam enxergar antes
do pleito.
Apurou-se depois que uma parte considerável
do eleitorado americano torcia intimamente pela vitória de Trump, mas, antes da
eleição, não se sentia confortável para admitir isso publicamente. O candidato
era tão estranho ao figurino tradicional de presidentes americanos, tão
grotesco e tão politicamente incorreto, que alguns apoiadores tinham receio de
sofrer qualquer tipo de constrangimento social se admitissem a simpatia que
realmente sentiam.
O medo de ser reprovado pelo interlocutor
também se manifestava quando esse disfarçado simpatizante de Trump era abordado
por algum profissional de pesquisa. “Se eu afirmar que prefiro o Donald, o que
esse entrevistador vai pensar de mim?”, poderia especular.
Na dúvida, o trumpista receoso respondia
qualquer outra coisa para ao entrevistador. Mas na cabine de votação, sozinho,
em ato secreto, sem o risco da patrulha de amigos ou parentes, o voto era para
Trump.
No Brasil de 2018, o mais exótico entre os
candidatos competitivos da eleição presidencial era Bolsonaro.
Não são poucos os estigmas negativos
associados à figura do agora presidente. Machista. Racista. Homofóbico. Vulgar.
Violento. Apoiador da ditadura militar, admirador de torturadores. Muitas
dessas marcas fortes sempre foram alimentadas pelo próprio personagem.
É razoável supor que, quatro anos atrás,
uma parcela não desprezível do eleitorado que se identificava com os atributos
repugnantes de Bolsonaro ainda não tinha coragem suficiente para assumir o
bolsonarismo de peito aberto.
Em seus círculos, esses eleitores
dissimulavam a simpatia pelo capitão reformado. Abordados pelos institutos de
pesquisa, não se sentiam à vontade para responder “Bolsonaro”. Nas urnas,
porém, fincaram “17”.
Não há razão para acreditar que o voto
envergonhado em Bolsonaro se repetirá nas eleições deste ano.
Quatro anos depois, qualquer pudor que
algum bolsonarista de armário nutria em 2018 já teve tempo suficiente para se
diluir. De braços dados com o chamado Centrão, Bolsonaro não pode mais ser
confundido com um estranho do mundo político, um “outsider”. Não é mais o
deputado amalucado com linguagem transgressora. Agora ele é o presidente da
República, o titular do cargo, o oficial, o incumbente.
Um indício da evaporação do apoio
envergonhado a Bolsonaro aparece nos relatórios das próprias pesquisas de
opinião. Como método de controle, as empresas também perguntam aos
entrevistados em quem eles votaram na última eleição. Diferentemente do que
ocorria antes do pleito de 2018, os resultados de agora coincidem com os da
apuração.
Se não há mais bolsonarista enrustido, Lula
desponta, conforme sugere o curioso teste citado no início desse texto, como
potencial candidato a ser o mais novo destinatário de votos envergonhados da
eleição presidencial.
Corrupto, comunista, presidiário,
mensaleiro, aloprado, chefe do petrolão. Os carimbos acumulados que perseguem o
petista em sua sexta candidatura presidencial não são poucos. A quatro meses da
eleição, podem estar camuflando parte de sua força eleitoral.
Eleitores de Bolsonaro genuinamente
arrependidos do voto em 2018 podem ainda não se sentirem inteiramente
confortáveis para admitir a intenção de votar em Lula em 2022. Simpatizantes do
PSDB de várias décadas talvez ainda tenham receio de, em público, dizer que
agora irão de PT.
Em outubro, com pequeno empurrãozinho do
voto envergonhado, um eventual desempenho de Lula superior ao apontado pelas
pesquisas pode representar a conclusão da disputa presidencial no primeiro
turno.
Pode resultar também em uma previsível
intensificação do queixume golpista a respeito da confiabilidade das urnas
eletrônicas. Uma preciosidade no colo dos propagadores de notícias falsas e
teorias da conspiração.
Um Bolsonaro derrotado no voto em 2 de
outubro, data do primeiro turno, ainda terá quase três meses de mandato pela
frente. Um Bolsonaro derrotado no segundo turno, em 30 de outubro, ainda terá mais
dois meses de comando na Presidência da República.
As instituições precisarão ser fortes.
É,pode mesmo ter gente que tem vergonha de declarar que vai de Lula,se no passado o criticava tanto.
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