O Globo
O caos que Jair Bolsonaro promove no Brasil
não afeta só a vida dos mais pobres, a economia, a imagem do país no exterior,
a resiliência da democracia e direitos e liberdades vários. Vira e mexe
acontece, também, de essa esculhambação geral atingir o próprio Bolsonaro.
Quando isso ocorre, o que se vê é um homem em franco desespero, sem saber como
lidar com as próprias limitações. E aí o risco é para todos os brasileiros.
Tirado das cordas em que se enfiou com sua
gestão temerária da pandemia, graças à vacina que tanto tentou boicotar e à
ajuda do Centrão, Bolsonaro mirou alguns outros truques para voltar a crescer
nas pesquisas: de um lado aprofundar o ataque ao sistema eleitoral e estimular
o antipetismo irracional, e de outro fazer “mandrakarias” fiscais para turbinar
o Auxílio Brasil, tentar segurar o preço dos combustíveis e fazer média com o
funcionalismo, sobretudo com as categorias de policiais federais, por meio de
reajustes.
O segundo braço da estratégia naufragou por
completo até aqui. O Auxílio Brasil se mostrou, como já apontavam os
economistas e especialistas em políticas públicas, um programa mal desenhado,
sujeito a desvios, com logística capenga e, pior, cujo acréscimo de valor em
relação ao Bolsa Família foi rapidamente corroído pela inflação.
O resultado é que, segundo o mais recente Datafolha, 69% dos beneficiários o consideram insuficiente, a rejeição a Bolsonaro (45%) entre os que recebem o pagamento é maior que no conjunto da população, e 66% dos cadastrados afirmam que o programa não terá influência sobre seu voto.
No caso dos combustíveis, o capitão troca
presidentes da Petrobras e ministros em série, sem perspectiva de provocar
alguma redução consistente nas bombas de postos e no botijão de gás. Pior: o
Banco Central sinaliza que a inflação está fora de controle e disseminada por
amplos setores da economia e que o choque de juros deverá continuar.
Por fim, há o papelão do presidente nos
acenos aos servidores federais. Impossibilitado de conceder reajuste expressivo
aos policiais, que gostaria de levar para seu palanque, sob pena de paralisar
setores vitais da administração pública, Bolsonaro está feito barata tonta: não
sabe mais se adianta conceder um reajuste linear de 5% que não lhe trará um
eleitor e só ampliará a antipatia geral, mas também corre o risco de, diante de
tantas idas e vindas, passar a sofrer boicote da máquina pública (o que os
bolsonaristas amam chamar de deep
state, de que se pelam de medo).
Para alguém que todos os dias planta
teorias da conspiração contra as urnas eletrônicas e adora incitar
insubordinação nas polícias militares contra os governadores, não deixa de ser
irônico que Bolsonaro possa ter a si mesmo, aos filhos e aos aliados do Centrão
como reféns de policiais e auditores fiscais, transformados em inimigos pela
sua completa inaptidão para a governança e pela mania de mentir e prometer
coisas sem ter condições de cumpri-las.
O quadro acima é uma evidência de quanto a
agenda eleitoral atabalhoada de um presidente incidental tem potencial para
bagunçar o ambiente da vida nacional em múltiplas e importantes camadas.
A sangria provocada pela sanha eleitoreira
de Bolsonaro na Petrobras ainda demorará a ser calculada — da perda de valor da
companhia aos gastos com indenizações de executivos demitidos sem nenhum
respeito nem liturgia.
Que ele experimente doses cada vez maiores
do próprio veneno e fique exposto como está ao menos é didático para que
aqueles que espantosamente ainda aprovam este governo inepto — de parlamentares
beneficiados pelo sequestro do Orçamento a empresários alheios à realidade do
resto da população — entendam o custo alto a que sujeitam o Brasil.
É o fim da picada um desgoverno desse tipo ter apoio de vários setores da sociedade.
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