O Globo
A pesquisa Datafolha que mostra um quadro
de estabilidade no cenário eleitoral foi recebida quase com comemoração no QG
de Jair Bolsonaro.
A maré de más notícias — que incluiu, nas
últimas semanas, o assassinato duplo no Vale do Javari, de ampla repercussão
interna e internacional, o descontrole no preço dos combustíveis combinado à
intensa intervenção na Petrobrás e, nos últimos dois dias, o prende-solta do
ex-ministro da Educação Milton Ribeiro — sugeria a opositores e aliados de
Bolsonaro uma distância ainda maior entre ele e o ex-presidente Lula.
Nada mais expressivo desse alívio que os
ministros que, em maio, denunciavam fraude na pesquisa, descascavam o instituto
nas redes sociais e propunham até enquetes sobre quem era mais confiável, o
Datafolha ou figuras mitológicas, desta vez terem respirado aliviados.
Não será essa a única reação aos números.
Vem aí uma licença para gastar até o último centavo para tentar reverter a
distância e evitar que se acentue a possibilidade, confirmada nos dados do
último levantamento, de que Lula obtenha uma vitória em primeiro turno, algo
que não acontece no Brasil desde 1998.
No calor do pânico causado pela prisão de Milton Ribeiro e dos pastores lobistas amigos de Bolsonaro que, segundo a Polícia Federal, operavam um esquema de favorecimento mediante propina para destinar verbas do MEC, surgiu a ideia de turbinar o Auxílio Brasil para R$ 600, mesmo valor pago no auge da pandemia, em caráter emergencial, para desgosto do governo e graças a uma articulação que, na época, nasceu na Câmara, sob Rodrigo Maia.
Agora, o aditivo no benefício que
substituiu e rebatizou o Bolsa Família vem a pouco mais de 100 dias das
eleições. Trata-se de clara burla à vedação da lei eleitoral que impede novos
gastos a menos de seis meses do pleito.
Há duas malandragens possíveis para operar
o populismo eleitoral. Uma é a interpretação “literal”, para não dizer
delinquente, do parágrafo 10 do artigo 73 da Lei Eleitoral. Ele diz que não
pode haver “instituição” de novos gastos no período anterior às eleições. Ou
seja: aumentar o benefício não seria novo gasto. Mesmo com essa mão do gato, a
criação da “bolsa-caminhoneiro”, outra benesse busca-voto que vem sendo
construída no Planalto, não seria justificável.
A outra saída, que pode ser combinada à
anterior, é inventar uma urgência ou uma calamidade, como já chegou a admitir o
titular da Casa Civil, Ciro Nogueira, usando a guerra da Ucrânia como pretexto.
Mesmo com esses subterfúgios, cabem ações
por abuso de poder político e econômico junto à Justiça Eleitoral, pelo
evidente uso de recursos da União numa tentativa tresloucada de dar sobrevida
eleitoral a Bolsonaro. O problema é: que partido terá a coragem de ir à Justiça
contra o aumento do Auxílio-Brasil ou a concessão de benefícios a caminhoneiros
e para a compra de gás de cozinha diante do quadro de miséria, desigualdade e
fome galopantes por que passa o Brasil?
Caberia ao Ministério Público, seja o
Eleitoral, seja o de Contas, sustar a farra com dinheiro público que, ademais,
não começou agora: vem desde a pedalada nos precatórios e passa pela tunga do
ICMS de Estados e municípios para fingir que se está baixando o preço dos
combustíveis. Isso sem falar na derrama de recursos para o fundão eleitoral e
nas emendas ao Orçamento com que Bolsonaro fidelizou o Centrão para sua
aliança.
Não há paridade de armas numa disputa com um presidente que está disposto a tudo para ficar no poder, seja torrando quantidades ilimitadas de recursos, seja destruindo a governança de empresas e instituições públicas, seja, se nada disso surtir efeito, investindo contra o próprio processo eleitoral. O vale-tudo está só começando.
Bolsonaro é o governo do vale-tudo e mais um pouco.
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