Folha de S. Paulo
Desconto de combustível ocorre durante
maior aumento da miséria em uma década
Talvez eu possa passear de carro com
gasolina mais barata em julho, digamos. Nas madrugadas, a temperatura mínima
tem andado por volta de 7º aqui na cidade de São Paulo. Em julho, não deve ser
muito diferente. Do carro, vou passar mais rapidamente pelos montes de pessoas
largadas pelas calçadas geladas e molhadas de chuvisco. Algumas talvez já
mortas.
Jair
Bolsonaro chutou que o litro de gasolina vai ficar R$ 2 mais barato
quando for aprovado o pacote
de redução de impostos que ele e os chefes do poderoso centrão
inventaram para ganhar uns pontos nas pesquisas. O litro do diesel baixaria R$
1.
Segundo o senador Fernando Bezerra (MDB-PE),
relator de parte desses projetos de lei, a baixa da gasolina seria de R$ 1,65
por litro; o litro do diesel baixaria R$ 0,76.
É tudo uma baixaria, mesmo.
No ano passado, o rendimento dos 10% mais
pobres do Brasil caiu 32,6% em relação a 2020. Foi ao menor nível em uma
década, pelo menos. Equivalia a R$ 93 por mês. Parte dessas pessoas vive na
calçada gelada.
Os governos vão deixar de arrecadar algo em
torno de R$ 50 bilhões a R$ 100 bilhões na temporada estelionatária de
descontos eleitorais de impostos, em particular sobre combustíveis. Um Auxílio
Brasil custa R$ 89 bilhões por ano. Mas talvez o combustível nem fique
tão mais barato assim.
O preço
da gasolina da Petrobras não aumenta desde 11 de março. Desde então, o
preço desse combustível no mercado externo relevante para o Brasil aumentou em
cerca de 12%, pelo menos (preços em reais). A diferença entre o preço no Brasil
e o internacional seria de algo em torno de R$ 1 (as contas variam).
O governo faz pressão para a Petrobras não
reajustar preços. A coisa está ficando vexaminosa. Se o dólar continuar a encarecer,
pior ainda.
Não sabemos para onde vai o dólar. As
previsões são muito furadas. Mas há um (ainda) ligeiro tumulto no mercado
financeiro internacional por causa da inflação americana e do aumento da taxa
de juros por lá, que pode balançar ainda mais a economia mundial, em especial o
barquinho brasileiro.
Estamos em um barco furado na direção de
tempestades. Preços de combustíveis e eletricidade, talvez de comunicação e
transporte coletivo em baixa devem conter um pouco da inflação deste ano —os
chutes dos economistas ainda são díspares. A volta de alguns impostos em 2023
vai elevar certos preços. A inflação do ano que vem deve ser mais alta, bem
acima da meta. Os juros ficarão altos por mais tempo.
Essa gentalha no poder bananiza ainda mais
o país, já em descrédito por uma década de regressão econômica e selvagerias
amazônicas, Amazônia aliás entregue a facções criminosas, garimpo e agricultura
ilegais, além de carteis mundiais de drogas. As Forças Armadas não se batem
pela soberania nacional na floresta? Ou ficam jogando peteca na praia do Rio?
Agora, esse monte de truques e trambiques
econômicos, piorados desde 2021, vai desacreditar ainda mais este lugar.
Descrédito tem preço: juros mais altos.
Pode ser de resto que o truque eleitoreiro
nem renda muito voto.
Ainda que em baixa provisória, a inflação
deve ficar na casa de 10% ao ano até setembro, por aí. O valor do salário
mínimo, do piso dos benefícios da Previdência e do Auxílio Brasil vão estar
perdendo quase tanto poder de compra: 10% menos de um rendimento mínimo.
Há casos piores. No ano passado, o
rendimento dos 5% mais pobres do Brasil era 48% menor do que em 2012. Na casa
dessas pessoas, o rendimento médio mensal por cabeça era de R$ 39 em 2021.
Menos de 6 litros de gasolina. Talvez seja o suficiente para alguém se imolar
em desespero terminal.
Pois é,até parece que quem dorme na calçada está preocupado com preço de combustível.
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