Folha de S. Paulo
Importa
mais a vida cotidiana, que é de gente catando o que comer no lixo, largada na
rua e de carestia horrenda
O desempenho da
economia no primeiro trimestre vai ser muito melhor do que o esperado não faz
mais do que um par de meses. Os números do PIB saem nesta quinta-feira. Outros
indicadores continuam a mostrar melhora. Ou ao menos despiora: isto é, avanço
em relação a uma situação muito deteriorada, ganhos que não compensam ainda as
perdas, "crescimento sobre base baixa", como se diz no jargão.
Um desses
avanços é na situação do emprego, com o copo meio cheio do aumento do número de
pessoas empregadas, e com o copo furado dos salários, os menores da década e
com despiora interrompida no mês passado. Os números do emprego foram divulgados nesta terça-feira (31) pelo IBGE.
Para quase todas as pessoas, os números do PIB causam tédio, indiferença ou descrença irada. Basta dizer que a economia ao menos despiorou para ser objeto de ira de bolsonaristas ou oposicionistas, ao mesmo tempo. Pouca gente liga porque importa mais a "sensação térmica", a vida cotidiana, que é de gente catando o que comer no lixo, largada na rua e de carestia horrenda.
Ainda assim,
algo se move, o que tem se escrito nestas colunas faz
também um par de meses.
O número de
pessoas com algum tipo de trabalho voltou a crescer. No trimestre encerrado em março
de 2022, o número de pessoas ocupadas era 8,2 milhões de pessoas maior do que
em março de 2021. Em abril, na comparação anual, o aumento foi de 9 milhões. A
taxa de desemprego voltou a cair. Para os meses de abril, é a menor desde 2015.
O ano passado
ainda era de epidemia horrenda. Mas o número de ocupados é crescentemente maior
também em relação aos meses de 2019 (3,3 milhões a mais do que em abril de
2019).
Os
"salários" (rendimentos do trabalho) continuam os menores da década,
em termos reais (descontada a inflação), desde 2012, desde quanto há
estatísticas comparáveis.
Outra vez, em
maio, a confiança de quase todos os setores aumentou (indústria, comércio e
serviços, menos construção civil, em abril; em abril, havia diminuído apenas no
comércio), segundo a pesquisa da FGV. O nível de utilização da capacidade de
produção indústria voltou a subir.
A arrecadação
federal de impostos teve outro salto imenso, mais de 10% em termos reais em um
ano, em abril. É resultado de inflação, mais impostos pagos por empresas,
especialmente as beneficiadas pela alta dos preços de commodities (grãos,
petróleo, minério).
Onde se vê tal
melhoria? Mal se enxerga, pois se trata de despiora em um país que não estava
tão pobre faz mais de década, em que houve desestruturação social enorme,
precarização do emprego e incapacitação de muita gente para o trabalho (por
desemprego de longa duração, por incapacitação para novas funções etc.).
No entanto, para
os 9 milhões que arrumaram algum trabalho, a situação passou do desespero para
a dureza, de nenhuma renda para alguma, o que deve ter contribuído para a
melhora de Jair Bolsonaro nas pesquisas até março e a manutenção de seus
índices neste maio (Lula subiu, mas Bolsonaro não caiu).
Essa despiora
vai durar? A média das previsões dos economistas diz que não, que a piora
começa em julho. Os benefícios de alta de commodities, reconstrução de setores
arrasados na epidemia e anabolizantes como o saque parcial do FGTS vão perder
efeito ou terão sua força reduzida pela inflação persistente (que pouco vai
melhorar com a demagogia dos combustíveis) e pela alta de juros (que vai bater
na construção civil e nos bens duráveis).
Se a despiora é
fogo de pouca palha, isso vai ter algum peso na disputa eleitoral; quanto mais
durar, melhor para Bolsonaro. Sim, há outros fatores de desprestígio. Mas convém
prestar atenção.
A ''despiora'' num quadro tão dantesco não melhora em nada,é só fogo de palha mesmo.
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