O Estado de S. Paulo
A ‘crise militar’ provocada por Bolsonaro é
resultado de fracas lideranças civis
Jair
Bolsonaro faz de tudo para reverter duas longas tendências
históricas quando se considera o papel dos militares na política brasileira.
Até aqui, não conseguiu.
A primeira tendência foi a extinção dos
“chefes militares”, entendidos como donos de feudos políticos. Esse processo
começou com Castello Branco ainda em 1964. A segunda foi a consolidação da
ideia de que os militares não são instância de “moderação” ou “tutelagem” da
política e do equilíbrio entre os Poderes. Essa noção vem desde 1988.
As duas ferramentas com as quais Bolsonaro
tentou abalar esses alicerces do papel das Forças Armadas foram levar a agitação
partidário-eleitoral para dentro dos quartéis e a nomeação de militares para
o Ministério da Defesa. A agitação política não funciona
enquanto estiver mantida a hierarquia. E ela está mantida.
Quanto ao Ministério da Defesa, Bolsonaro “obteve” um grande efeito negativo, do ponto de vista de suas pretensões de arrastar os militares para uma aventura política. Ele privilegiou quadros do Exército, em detrimento da Marinha e da Aeronáutica, acirrando uma velha disputa. Sem que tivesse conseguido estabelecer comando de fato sobre tropas – e, sem tropas, não há golpe.
Mas as causas profundas dos recentes
tumultos em relação ao papel dos militares têm a ver, paradoxalmente, com as
lideranças políticas civis.
Recente evento com a participação de
ex-ministros da Defesa e militares que estiveram no governo destacou o fato de
que os civis se desinteressaram em discutir e definir o que é uma estratégia de
defesa nacional – e ninguém lidera sem um projeto, afirma Raul Jungmann.
Foi uma lacuna deixada por civis que gerou
interpretações sobre o artigo 142 da Constituição (obrigaria aos militares
arbitrar desequilíbrio entre os Poderes), suscitando perguntas sobre o papel
político das Forças Armadas, observa o general Rêgo Barros.
E na presente ofensiva bolsonarista contra
o sistema eleitoral foi uma instância civil que legitimou as manifestações de
militares em relação às urnas eletrônicas. A ideia do então presidente do
TSE, Luís Roberto Barroso, de trazer os militares para um comitê de
transparência foi um grave equívoco, assinala Nelson Jobim,
ex-ministro da Defesa e ex-presidente do STF.
Num sentido abrangente Bolsonaro não
“conduz” uma revisão do papel político dos militares. Na verdade, ele expressa
a desagregação institucional, a falta de rumos estabelecidos por lideranças
políticas (portanto, dos partidos) e a ausência de um “projeto de Nação”
desenhado por elites dirigentes em todas as esferas. Ele é só consequência.
Bolsonaro foi um mau militar e está sendo um péssimo político.
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