O Globo
No dia seguinte ao estouro do
escândalo de assédio sexual, Pedro Guimarães disse durante uma reunião na Caixa
que teve sua “vida inteira pautada pela ética”. Uma falsidade baixíssima
contada por um homem do mesmo nível, que levou a mulher para assistir o ato patético.
Pelo seu comportamento de predador em série, está claro que Guimarães não tem a
menor ideia do que seja ética, muito menos ética nas relações de trabalho. Seu
comportamento foi sempre de um vândalo, um autoritário, um bárbaro satisfazendo
seus instintos grotescos às custas de subordinados.
Trata-se de um abusador, que
depois de denunciado discursou sobre sua ética pessoal. Segundo o empresário
Oded Grajew, fundador e presidente emérito do Instituto Ethos, “ética não é
discurso, ela precisa ser traduzida em ações concretas”. Passar a mão na bunda
e nos seios de funcionárias ou destratar outros servidores com insultos e
palavrões é exatamente o contrário disso. Um estudo produzido por professores
da PUC-MG liderados pelo doutor em Filosofia Roberto Patrus, que discute todos
os aspectos da ética e da responsabilidade social na gestão empresarial, mostra
que o que as empresas buscam está a milhares de quilômetros de distância do que
Guimarães praticava na Caixa.
Um conceito incluído no estudo, publicado na Revista Brasileira de Gestão de Negócios em 2013, prova como Pedro Guimarães é um indivíduo atrasado, mesmo quase dez anos depois. O documento fala do “compromisso permanente de dirigentes empresariais em adotar comportamento ético, contribuindo para o desenvolvimento econômico, melhorando simultaneamente a qualidade de vida de seus trabalhadores e suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo”. O que Guimarães produzia generalizada e sistematicamente nos funcionários da Caixa com seu comportamento invasivo, violento e criminoso era estresse, medo e insegurança.
Os estrategistas do Palácio do
Planalto ainda sopraram para jornalistas, logo que o escândalo eclodiu, que a
primeira-dama Michelle ficou indignada e “informaram” que ela teria ido ao
marido dizer que era preciso demitir o assediador. Conversa fiada. Se Michelle
se preocupasse mesmo com essas questões, não estaria casada com Jair. Nunca se
ouviu um pio da senhora nos inúmeros casos de sexismo explícito de Bolsonaro,
como os ataques contra a deputada Maria do Rosário ou a jornalista Patrícia
Campos Mello. A primeira-dama tem mais cara de quem acha isso tudo um mimimi do
que um problema para valer.
É verdade também que se
o predador trabalhasse na mesma Caixa sob outro governo, seja de Dilma Rousseff
ou de Michel Temer, seu comportamento seria mais comedido porque o exemplo de
cima desapareceria. Quando Bolsonaro agride mulheres como Patrícia e Maria do
Rosário, fica claro para os que estão abaixo que comportamento abusivo é
permitido. Não, não quero dizer que a culpa é de Bolsonaro, mas vale lembrar,
como O GLOBO mostrou ontem, que denúncias de assédio sexual no governo federal
passaram de 155 em 2019 para 251 no ano passado e este ano já somam 214 casos.
A imagem abusada de Bolsonaro
se reflete nas pessoas, sobretudo nos bajuladores de caráter frágil como Pedro
Guimarães. Não é impossível, mas é difícil encontrar entre os bolsonaristas um
indivíduo mais puxa-saco e lambe-botas do que ele. Não havia, até sua demissão,
uma pessoa que melhor mimetizasse Bolsonaro em Brasília. Suas aparições nas
lives do presidente eram um assombro. Ria das piadas infames, aplaudia as
barbaridades antidemocráticas, olhava com ar pungente e até chorava quando o
chefe se vitimizava. Nem Paulo Guedes conseguiu ser tão servil, embora não se
possa negar seu enorme esforço.
Guimarães lembra o
astrônomo britânico William Herschel, que descobriu o planeta Urano em 1781.
Puxa-saco, batizou o novo astro de Georgium Sidus (Estrela de George), em
homenagem ao rei George III, sendo depois nomeado “astrônomo do rei” passando a
ganhar um régio salário. Mas só é possível compará-lo ao ex-presidente da Caixa
neste aspecto, porque Herschel além de um excelente astrônomo foi também
compositor de música clássica de boa qualidade. Guimarães é apenas um palhaço
que depois de assediar sexualmente funcionárias em escala industrial veio
publicamente falar de ética.
(OBS: O planeta Urano mais tarde foi
rebatizado para o nome atual pela Academia de Ciências do Reino Unido.)
Negação coletiva
Pesquisa nas redes sociais revela que os
bolsonaristas adotaram a solução negacionista ou relativista para tratar do
assédio sexual que resultou na demissão do presidente da Caixa. Importantes
perfis da direita simplesmente silenciaram, como o próprio Bolsonaro. Outros
sustentaram que Pedro Guimarães foi “atacado” por ser próximo ao presidente e
para enfraquecer a campanha pela reeleição. Um deles tuitou o seguinte: “Pedro
Guimarães é cristão, correto, casado e só faz ajudar ao Brasil e aos
brasileiros”. Outro escreveu: “A Caixa parou de sustentar políticos corruptos.
A Caixa exige produtividade dos funcionários. A Caixa passou a dar lucro. Por
isso Pedro Guimarães é a bola da vez”. A pesquisa feita pelo Observatório de
Conflitos na Internet da UFABC, revela que o ecossistema bolsonarista vive uma
espécie de luto.
Ameaça armada
Um carioca estava reformando sua casa e
descobriu uma loja de material de construção na Zona Oeste com preços
imbatíveis. Foi lá uma, duas, três vezes. Na quarta vez, o vendedor, já mais
íntimo do comprador, perguntou se ele não queria se associar ao clube de tiro
que havia no fundo da loja. Como? No fundo da loja? Sim. E então levou o
comprador até o local onde mostrou os armários de aço, o cofre das armas e o
estande de tiro. Se quisesse se associar, o “clube” mandaria no mesmo dia para
sua casa um revólver e uma caixa de balas. Mas, sem porte de armas? Detalhe que
o clube cuidaria, respondeu o vendedor. O comprador não se associou, mas
rapidamente entendeu como a coisa funciona.
Ameaça crescente
Estudo do Instituto Igarapé mostra o
assombroso crescimento de clubes de tiros. De junho de 2020 para cá, 49 clubes
foram abertos a cada mês no Brasil.
Ameaça descontrolada
Perguntado pelo site Consultor Jurídico se
os contingentes de segurança público e privado representam risco para a
democracia, o ex-ministro da Defesa e ex-deputado Raul Jungmann respondeu que
“em princípio, não”. Mas depois, explicou que o poder regulador e fiscalizador
é fraco e exemplificou com as empresas de segurança privada que empregam 1
milhão de pessoas. “A Polícia Federal não tem instrumentos para fiscalizar este
setor (...) essa perda de controle representa insegurança, desvio de armas e
outros problemas. Por isso a reivindicação de que seja estabelecida a devida
fiscalização de todo este setor, o que nos ajudará a consolidar a democracia”.
O pato na Paulista
Soube-se esta semana pela Folha de S. Paulo
que o presidente da Fiesp, Josué Gomes, defendeu o Judiciário e disse que sua
entidade estará sempre ao lado do estado de direito. Fez muito bem. Só falta
agora formalizar este pacto com a democracia colocando o pato de volta na
Avenida Paulista, desta vez em favor do Brasil.
Coerência de quem a tem
José Serra deu aula de coerência e rigor
político ao negar solitariamente apoio à PEC eleitoral aprovada pelo Senado na
quinta-feira. Nenhum outro senador votou contra a medida, apesar do flagrante
oportunismo político e das ilegalidades que ela encerra. A desculpa de que
passava da hora de dar ajuda a quem mais precisa só faria sentido se a fome
fosse um fenômeno subitamente verificado no Brasil e se os combustíveis não
estivessem escalando de preço desde antes mesmo do início da guerra na Ucrânia,
que já tem quatro meses. Essa medida poderia ter sido adotada no ano passado,
ou no início deste ano, mas aí Paulo Guedes torpedeou. Seus efeitos seriam
sentidos há mais tempo e seu impacto eleitoral seria menor. E crimes não teriam
sido cometidos com o aval de todos, menos de Serra.
Marina Silva
A ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora
Marina Silva será candidata a deputada federal por São Paulo. Precisava? Será
que o Acre não a elegeria? Questões locais acabam muitas vezes atrapalhando o
Brasil. Vejam o caso de Ulysses Guimarães, um dos mais notáveis parlamentares
brasileiros de todos os tempos. Ele nunca se arriscou a concorrer a um mandato
de senador ou governador e quando se candidatou a presidente ficou em sétimo
lugar, atrás de Paulo Maluf e Guilherme Afif. Marina fará diferença substantiva
na Câmara.
Nosso Rio
Nenhuma dúvida que Felipe Santa Cruz é um
brasileiro valoroso, um carioca do coração da Cidade Maravilhosa. Ninguém
discorda que ele poderia ser um bom prefeito ou um bom governador. Mas teimar
pela sua candidatura que não decola, como insiste Eduardo Paes, é fingir que se
tem um lado e ele não é nem o de Cláudio Castro, nem o de Marcelo Freixo. Quem
aqui não sabe que Paes quer eleger Castro para não ter concorrente forte e no
cargo em 2026, já que o governador não poderia concorrer outra vez? Quanto ao
estado do Estado nos próximos quatro anos, bobagem, detalhe que agora não
interessa ao caro prefeito.
Eu tenho um sonho
O discurso histórico de Martin Luther King, pronunciado no dia 28 de agosto de 1963 para 200 mil pessoas nos degraus do Memorial de Lincoln, em Washington, guarda até hoje ensinamentos que vão muito além da luta contra o racismo. Alguns trechos servem até mesmo para alertar os brasileiros de hoje. Estes, por exemplo: “Temos que lembrar sempre a feroz urgência do agora. Essa não é a hora de nos engajarmos no luxo de esfriar a luta ou de tomar a droga tranquilizadora do gradualismo (...) Essa é a hora de fazermos promessas verdadeiras pela democracia (...) Será fatal para a nação se ela negligenciar com a urgência do momento”.
Pode ser que Michelle Bolsonaro tenha mandado demitir o presidente da Caixa para o caso não respingar no marido.
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