sábado, 2 de julho de 2022

Ascânio Seleme: E o palhaço ainda fala em ética

O Globo

No dia seguinte ao estouro do escândalo de assédio sexual, Pedro Guimarães disse durante uma reunião na Caixa que teve sua “vida inteira pautada pela ética”. Uma falsidade baixíssima contada por um homem do mesmo nível, que levou a mulher para assistir o ato patético. Pelo seu comportamento de predador em série, está claro que Guimarães não tem a menor ideia do que seja ética, muito menos ética nas relações de trabalho. Seu comportamento foi sempre de um vândalo, um autoritário, um bárbaro satisfazendo seus instintos grotescos às custas de subordinados.

Trata-se de um abusador, que depois de denunciado discursou sobre sua ética pessoal. Segundo o empresário Oded Grajew, fundador e presidente emérito do Instituto Ethos, “ética não é discurso, ela precisa ser traduzida em ações concretas”. Passar a mão na bunda e nos seios de funcionárias ou destratar outros servidores com insultos e palavrões é exatamente o contrário disso. Um estudo produzido por professores da PUC-MG liderados pelo doutor em Filosofia Roberto Patrus, que discute todos os aspectos da ética e da responsabilidade social na gestão empresarial, mostra que o que as empresas buscam está a milhares de quilômetros de distância do que Guimarães praticava na Caixa.

Um conceito incluído no estudo, publicado na Revista Brasileira de Gestão de Negócios em 2013, prova como Pedro Guimarães é um indivíduo atrasado, mesmo quase dez anos depois. O documento fala do “compromisso permanente de dirigentes empresariais em adotar comportamento ético, contribuindo para o desenvolvimento econômico, melhorando simultaneamente a qualidade de vida de seus trabalhadores e suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo”. O que Guimarães produzia generalizada e sistematicamente nos funcionários da Caixa com seu comportamento invasivo, violento e criminoso era estresse, medo e insegurança.

Os estrategistas do Palácio do Planalto ainda sopraram para jornalistas, logo que o escândalo eclodiu, que a primeira-dama Michelle ficou indignada e “informaram” que ela teria ido ao marido dizer que era preciso demitir o assediador. Conversa fiada. Se Michelle se preocupasse mesmo com essas questões, não estaria casada com Jair. Nunca se ouviu um pio da senhora nos inúmeros casos de sexismo explícito de Bolsonaro, como os ataques contra a deputada Maria do Rosário ou a jornalista Patrícia Campos Mello. A primeira-dama tem mais cara de quem acha isso tudo um mimimi do que um problema para valer.

É verdade também que se o predador trabalhasse na mesma Caixa sob outro governo, seja de Dilma Rousseff ou de Michel Temer, seu comportamento seria mais comedido porque o exemplo de cima desapareceria. Quando Bolsonaro agride mulheres como Patrícia e Maria do Rosário, fica claro para os que estão abaixo que comportamento abusivo é permitido. Não, não quero dizer que a culpa é de Bolsonaro, mas vale lembrar, como O GLOBO mostrou ontem, que denúncias de assédio sexual no governo federal passaram de 155 em 2019 para 251 no ano passado e este ano já somam 214 casos.

A imagem abusada de Bolsonaro se reflete nas pessoas, sobretudo nos bajuladores de caráter frágil como Pedro Guimarães. Não é impossível, mas é difícil encontrar entre os bolsonaristas um indivíduo mais puxa-saco e lambe-botas do que ele. Não havia, até sua demissão, uma pessoa que melhor mimetizasse Bolsonaro em Brasília. Suas aparições nas lives do presidente eram um assombro. Ria das piadas infames, aplaudia as barbaridades antidemocráticas, olhava com ar pungente e até chorava quando o chefe se vitimizava. Nem Paulo Guedes conseguiu ser tão servil, embora não se possa negar seu enorme esforço.

Guimarães lembra o astrônomo britânico William Herschel, que descobriu o planeta Urano em 1781. Puxa-saco, batizou o novo astro de Georgium Sidus (Estrela de George), em homenagem ao rei George III, sendo depois nomeado “astrônomo do rei” passando a ganhar um régio salário. Mas só é possível compará-lo ao ex-presidente da Caixa neste aspecto, porque Herschel além de um excelente astrônomo foi também compositor de música clássica de boa qualidade. Guimarães é apenas um palhaço que depois de assediar sexualmente funcionárias em escala industrial veio publicamente falar de ética.

(OBS: O planeta Urano mais tarde foi rebatizado para o nome atual pela Academia de Ciências do Reino Unido.)

Negação coletiva

Pesquisa nas redes sociais revela que os bolsonaristas adotaram a solução negacionista ou relativista para tratar do assédio sexual que resultou na demissão do presidente da Caixa. Importantes perfis da direita simplesmente silenciaram, como o próprio Bolsonaro. Outros sustentaram que Pedro Guimarães foi “atacado” por ser próximo ao presidente e para enfraquecer a campanha pela reeleição. Um deles tuitou o seguinte: “Pedro Guimarães é cristão, correto, casado e só faz ajudar ao Brasil e aos brasileiros”. Outro escreveu: “A Caixa parou de sustentar políticos corruptos. A Caixa exige produtividade dos funcionários. A Caixa passou a dar lucro. Por isso Pedro Guimarães é a bola da vez”. A pesquisa feita pelo Observatório de Conflitos na Internet da UFABC, revela que o ecossistema bolsonarista vive uma espécie de luto.

Ameaça armada

Um carioca estava reformando sua casa e descobriu uma loja de material de construção na Zona Oeste com preços imbatíveis. Foi lá uma, duas, três vezes. Na quarta vez, o vendedor, já mais íntimo do comprador, perguntou se ele não queria se associar ao clube de tiro que havia no fundo da loja. Como? No fundo da loja? Sim. E então levou o comprador até o local onde mostrou os armários de aço, o cofre das armas e o estande de tiro. Se quisesse se associar, o “clube” mandaria no mesmo dia para sua casa um revólver e uma caixa de balas. Mas, sem porte de armas? Detalhe que o clube cuidaria, respondeu o vendedor. O comprador não se associou, mas rapidamente entendeu como a coisa funciona.

Ameaça crescente

Estudo do Instituto Igarapé mostra o assombroso crescimento de clubes de tiros. De junho de 2020 para cá, 49 clubes foram abertos a cada mês no Brasil.

Ameaça descontrolada

Perguntado pelo site Consultor Jurídico se os contingentes de segurança público e privado representam risco para a democracia, o ex-ministro da Defesa e ex-deputado Raul Jungmann respondeu que “em princípio, não”. Mas depois, explicou que o poder regulador e fiscalizador é fraco e exemplificou com as empresas de segurança privada que empregam 1 milhão de pessoas. “A Polícia Federal não tem instrumentos para fiscalizar este setor (...) essa perda de controle representa insegurança, desvio de armas e outros problemas. Por isso a reivindicação de que seja estabelecida a devida fiscalização de todo este setor, o que nos ajudará a consolidar a democracia”.

O pato na Paulista

Soube-se esta semana pela Folha de S. Paulo que o presidente da Fiesp, Josué Gomes, defendeu o Judiciário e disse que sua entidade estará sempre ao lado do estado de direito. Fez muito bem. Só falta agora formalizar este pacto com a democracia colocando o pato de volta na Avenida Paulista, desta vez em favor do Brasil.

Coerência de quem a tem

José Serra deu aula de coerência e rigor político ao negar solitariamente apoio à PEC eleitoral aprovada pelo Senado na quinta-feira. Nenhum outro senador votou contra a medida, apesar do flagrante oportunismo político e das ilegalidades que ela encerra. A desculpa de que passava da hora de dar ajuda a quem mais precisa só faria sentido se a fome fosse um fenômeno subitamente verificado no Brasil e se os combustíveis não estivessem escalando de preço desde antes mesmo do início da guerra na Ucrânia, que já tem quatro meses. Essa medida poderia ter sido adotada no ano passado, ou no início deste ano, mas aí Paulo Guedes torpedeou. Seus efeitos seriam sentidos há mais tempo e seu impacto eleitoral seria menor. E crimes não teriam sido cometidos com o aval de todos, menos de Serra.

Marina Silva

A ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora Marina Silva será candidata a deputada federal por São Paulo. Precisava? Será que o Acre não a elegeria? Questões locais acabam muitas vezes atrapalhando o Brasil. Vejam o caso de Ulysses Guimarães, um dos mais notáveis parlamentares brasileiros de todos os tempos. Ele nunca se arriscou a concorrer a um mandato de senador ou governador e quando se candidatou a presidente ficou em sétimo lugar, atrás de Paulo Maluf e Guilherme Afif. Marina fará diferença substantiva na Câmara.

Nosso Rio

Nenhuma dúvida que Felipe Santa Cruz é um brasileiro valoroso, um carioca do coração da Cidade Maravilhosa. Ninguém discorda que ele poderia ser um bom prefeito ou um bom governador. Mas teimar pela sua candidatura que não decola, como insiste Eduardo Paes, é fingir que se tem um lado e ele não é nem o de Cláudio Castro, nem o de Marcelo Freixo. Quem aqui não sabe que Paes quer eleger Castro para não ter concorrente forte e no cargo em 2026, já que o governador não poderia concorrer outra vez? Quanto ao estado do Estado nos próximos quatro anos, bobagem, detalhe que agora não interessa ao caro prefeito.

Eu tenho um sonho

O discurso histórico de Martin Luther King, pronunciado no dia 28 de agosto de 1963 para 200 mil pessoas nos degraus do Memorial de Lincoln, em Washington, guarda até hoje ensinamentos que vão muito além da luta contra o racismo. Alguns trechos servem até mesmo para alertar os brasileiros de hoje. Estes, por exemplo: “Temos que lembrar sempre a feroz urgência do agora. Essa não é a hora de nos engajarmos no luxo de esfriar a luta ou de tomar a droga tranquilizadora do gradualismo (...) Essa é a hora de fazermos promessas verdadeiras pela democracia (...) Será fatal para a nação se ela negligenciar com a urgência do momento”.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Pode ser que Michelle Bolsonaro tenha mandado demitir o presidente da Caixa para o caso não respingar no marido.