Valor Econômico
Relações familiares ou de confiança são o
melhor atalho na política
Desde outubro de 2018 repete-se à exaustão
a fake news de que a taxa de renovação do Congresso naquele ano foi altíssima.
Na semana passada eu demonstrei como políticos que tentam a reeleição largam na
frente de seus concorrentes. Na receita para conseguir uma cadeira no Congresso
Nacional, porém, entram outros ingredientes além da exploração das vantagens de
se ter um cargo.
De fato, se você considerar todos os
deputados que exerceram mandato em algum momento entre 2015 e 2018, sobreviveram
252 membros. Por esse prisma, portanto, a taxa de renovação na Câmara federal
foi de 50,8% - um número bastante considerável. Mas essa é uma conta
preguiçosa.
Em 2018, no auge da Lava-Jato e do
sentimento antipolítica, o clima ficou arriscado para muitos medalhões da
política. Muitos que tentaram nadar contra a corrente naufragaram - de Romero
Jucá a Cristiane Brasil, passando por Cristovam Buarque e Lúcio Vieira Lima,
muitos nomes tradicionais da política perderam seu lugar ao sol. Alguns decidiram
submergir e nem concorreram. Outros, mais espertos, decidiram rebaixar suas
ambições, todavia.
Dos deputados eleitos em 2018, Aécio Neves (PSDB-MG), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Lídice da Mata (PSB-BA) eram senadores e saíram para deputado federal naquele ano, assim como o suplente, mas em exercício, José Medeiros (PL-MT). Isso não é demérito. Carreiras políticas raramente são lineares. Recuos estratégicos fazem parte do jogo, assim como as derrotas - até porque raramente políticos tarimbados ficam desamparados caso percam uma eleição. Sempre há uma direção de estatal, um ministério ou uma secretaria de Estado para acomodar velhos companheiros.
Enquanto uns saem de cena, outros ocupam
seu lugar - e muitos têm uma longa história na política. Considerando apenas os
últimos cargos eletivos ocupados por cada “novo” parlamentar nesta legislatura,
chegaram 5 ex-governadores e vice-governadores, 11 deputados federais sem
mandato à época, 61 antigos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores de capitais
e grandes cidades e 73 ex deputados estaduais.
Noves fora quem já tinha experiência em
cargos no Executivo e no Legislativo e teve suas campanhas turbinadas pelo
fundão, apenas 107 deputados federais eram novatos - no sentido de não terem
ocupado nenhum cargo eletivo antes de 2018. Isso dá uma taxa de renovação na
Câmara dos Deputados de 20,8%, bem inferior portanto ao número tão alardeado
por aí.
Estrear na política direto no Congresso é
feito para poucos. Para um neófito, enfrentar a concorrência de políticos com
tradição, usando seus mandatos como palanques e seus gabinetes como comitês
eleitorais, é como disputar uma partida de futebol com o campo desnivelado. E a
inclinação do terreno morro acima é aumentada em função do financiamento
público de campanhas.
No rateio dos fundos eleitoral e
partidário, é natural que a experiência traga prestígio e verbas. Na média,
antigos deputados federais, senadores e governadores se elegeram para a Câmara
com a ajuda de R$ 1,2 milhão de recursos públicos para bancar suas despesas
eleitorais. Deputados estaduais que subiram um degrau na política ficaram com
R$ 700 mil em média. Já prefeitos e vereadores receberam de seus partidos em
torno de R$ 450 mil cada um.
Por melhores que sejam suas propostas,
ideais e comportamentos éticos, novos postulantes a um cargo público raramente
recebem o apoio de seus partidos frente a quem entrou há mais tempo na
política. Existem, porém, atalhos neste caminho - mas ele está disponível para
poucos.
Analisando os dados de distribuição dos
recursos dos partidos para os novatos vencedores em 2018, é possível perceber
que vários receberam aportes generosos de suas agremiações. Como pode ser visto
no gráfico, houve casos de iniciantes em 2018 que foram agraciados com valores
superiores a um ou dois milhões de reais, montantes inacessíveis para milhares
de candidatos Brasil afora.
Pesquisando o perfil desses novatos
afortunados da política brasileira, não há surpresa nenhuma sobre o que move a
distribuição de fundos dos partidos: relações familiares e laços de confiança e
amizade.
O partido dos parentes elegeu na Câmara em
2018 uma bancada de pelo menos 123 deputados federais, considerando apenas os
casos de descendentes (filhos, netos e até bisnetos!) e colaterais (cônjuges,
primos, sobrinhos) de políticos tradicionais. No contexto dos partidos
brasileiros, o peso dos sobrenomes é fundamental, pois garante que jovens com
nenhuma experiência administrativa tenham suas campanhas turbinadas por milhões
do fundão.
Sempre foi assim, mas a partir das eleições
passadas a estratégia do filhotismo político ganhou uma nova roupagem: como as
legendas foram obrigadas a destinar 30% dos seus recursos para candidaturas
femininas, filhas, esposas, ex-esposas e até mães de caciques partidários
tiveram sua carreira política lançada para, assim, garantir a sobrevivência dos
clãs da política brasileira. Assim, entre os 107 estreantes na Câmara Federal,
pelo menos 19 eram parentes e receberam um “presente” de seus pais, avós e
maridos de nada menos que R$ 900 mil, em média.
Há o caso ainda de fiéis assessores de
políticos famosos (um deles assumiu até o sobrenome do seu “patrão” ao se
lançar candidato) ou dirigentes de partidos que recebem tratamento vip para se
eleger.
A política brasileira se renova, mas
continua quase a mesma: repleta de príncipes, princesas e amigos do rei.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Sensacional a análise do colunista!! Parabéns a ele e ao blog por destacá-lo!
ResponderExcluirO "filhotismo político" é mais que demonstrado na familícia Bolsonaro, em que o capitão das rachadinhas foi criando seus zeros e plantando tais ervas daninhas na política brasileira! Ao invés de ocuparem celas nas cadeias como deveriam, os canalhas se escondem sob imunidades parlamentares e foros privilegiados, enquanto adquirem suas mansões desviando dinheiro público.
Verdade,anônimo,Bolsonaro e sua dinastia do mal.
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