sábado, 23 de julho de 2022

Entrevista | Steven Levitsky - Há risco real de autogolpe no Brasil

Marcela Villar e Hugo Barbosa, especiais para o Estadão

A menos de três meses das eleições e com a recente onda de ataques ao sistema eletrônico de votação, há no Brasil a possibilidade de acontecer um episódio semelhante à invasão ao Capitólio, em Washington, nos Estados Unidos, quando apoiadores do ex-presidente Donald Trump ocuparam o Congresso daquele país em janeiro de 2021, após o republicano não ser reeleito. O alerta é do cientista político americano Steven Levitsky, autor do best-seller ‘Como as democracias morrem’. “Bolsonaro parece ter se inspirado no 6 de janeiro”, avalia Levitsky ao Estadão.

De acordo com Levitsky, que também é professor de política em Harvard, construir uma grande coalizão, que envolva partidos de diferentes posicionamentos ideológicos, é fundamental para derrotar autoritários e evitar que a eleição brasileira seja subvertida. “A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma ampla coalizão que inclua forças de esquerda, centro e direita”, analisa.

Confira a seguir a íntegra a entrevista concedida ao Estadão.

ESTADÃO: Como o senhor avalia o cenário atual do Brasil a poucos meses da eleição?

STEVEN LEVITSKY: É uma situação incerta, porque como a gente viu nos Estados Unidos, quando tem um presidente que não é comprometido com a democracia, há risco de crise. O presidente Bolsonaro pode se recusar a aceitar a derrota. Ele pode tentar subverter a eleição.

ESTADÃO: A democracia no Brasil está em risco? Existe a real chance de “autogolpe” ?

STEVEN LEVITSKY: Sim, claro. Sempre que você elege um presidente autoritário, a democracia está em risco. Vimos isso nos Estados Unidos, e o mesmo acontece no Brasil. Então, há uma chance real de um autogolpe. Não acho muito provável, e acho que se Bolsonaro tentasse provavelmente falharia (como Trump), mas o risco é real.

ESTADÃO: Na sua avaliação existe a possibilidade de acontecer um episódio semelhante à invasão do Capitólio no Brasil?

STEVEN LEVITSKY: Sim. Na verdade, Bolsonaro parece ter se inspirado em 6 de janeiro. Para ter sucesso onde Trump falhou, no entanto, ele precisaria de cooperação militar.

ESTADÃO: Assim como nos EUA, a integridade e segurança do sistema eleitoral brasileiro também estão sendo questionadas. Como as instituições podem proteger o sistema democrático contra esses ataques?

STEVEN LEVITSKY: O Brasil tem um sistema eleitoral muito bom, mais sofisticado e seguro que o dos Estados Unidos. Não há muito o que fazer quando alguém como Trump ou Bolsonaro tentam mentir descaradamente para enfraquecer a confiança no sistema. O mais importante é que os democratas no Brasil, de direita e de esquerda, defendam vigorosamente a democracia.

ESTADÃO: O quão importante é uma política de coalizão em casos em que a democracia está em risco? Por que acredita que a coalizão não funcionou aqui?

STEVEN LEVITSKY: A melhor maneira de derrotar uma figura ou partido autoritário é isolá-los, para derrotá-los politicamente, incluindo forças da esquerda, centro e direita. Não há garantia, mas há uma melhor chance de sucesso. Neste caso, o melhor caminho para assegurar que Bolsonaro não subverta a eleição ou acarrete uma crise como Trump fez é fazê-lo perder massivamente no primeiro turno. Isso pode acontecer se todas as forças políticas do Brasil se alinhassem contra ele. O motivo disso raramente acontecer, inclusive nos Estados Unidos, é que, infelizmente, a maioria dos políticos coloca seus interesses de curto prazo acima da defesa da democracia. Eles dizem que apoiam a democracia, mas não querem se sacrificar politicamente para defendê-la.

ESTADÃO: Na avaliação do senhor, as instituições no Brasil têm agido à altura com relação às ameaças à democracia?

STEVEN LEVITSKY: Eu diria que até agora as instituições do Brasil tiveram um desempenho muito bom. Não perfeito, é claro, mas até agora eles resistiram amplamente aos ataques de Bolsonaro. Uma instituição crítica, no entanto, continua sendo as forças armadas e o controle civil sobre ela. Isso enfraqueceu nos últimos anos, e a sobrevivência democrática do Brasil dependerá disso.

ESTADÃO: Como o senhor avalia o comportamento das Forças Armadas brasileiras neste ano eleitoral ?

STEVEN LEVITSKY: As forças armadas brasileiras entraram muito na política nos últimos anos – o julgamento de Lula foi um exemplo flagrante. E muitos oficiais estavam muito próximos do governo Bolsonaro. Mas até agora, o comando das Forças Armadas parece não cooperar com uma aventura autoritária liderada por Bolsonaro. Os generais mergulharam na política, o que é ruim, mas eles não parecem querer entrar de cabeça.

ESTADÃO: O senhor utiliza o termo ” jogo duro constitucional” para designar o uso das instituições como armas políticas contra oponentes. Para o senhor o Bolsonaro está utilizando as instituições dessa maneira ?

STEVEN LEVITSKY: Eu usaria o jogo duro constitucional para descrever alguns dos comportamentos da direita anti-PT antes de Bolsonaro chegar ao poder. Mais no caso da condenação de Lula. Toda a centro-direita no caso do impeachment de Dilma. Bolsonaro certamente empregou, ou tentou empregar, o jogo duro constitucional, mas na maioria das vezes ele não tem habilidade política ou alianças para realizá-lo com sucesso. Com Bolsonaro, me preocupo mais com o autoritarismo antiquado – coisas como golpes e violência. Não há nada de “constitucional” nisso.

ESTADÃO: Em “Como as democracias morrem” o senhor apresenta quatro indicadores para um comportamento autoritário. Em quais Bolsonaro se encaixa?

STEVEN LEVITSKY: Ele se encaixa em todos eles e tem se encaixado por vários anos. Ele tem abraçado abertamente um comportamento antidemocrático, tolerado violência e, cotidianamente, falhado em reconhecer a legitimidade de seus oponentes de esquerda. Assim como Trump, Bolsonaro é um fácil de reconhecer como autoritário. Ele não se esforça em esconder.

ESTADÃO: Qual a percepção da comunidade internacional em relação à instabilidade democrática e às eleições no Brasil?

STEVEN LEVITSKY: O Brasil é um grande país. Não sei se uma resposta internacional vai importar muito. Obviamente que é bom que Trump não esteja mais no poder nos Estados Unidos, então a administração de Biden iria se opor à aventura autoritária de Bolsonaro. Mas, a defesa da democracia brasileira está nas mãos dos brasileiros.

Um comentário:

  1. José Maria Gomes Monteiro23/7/22 18:21

    Concordo com o senhor Steven Levitsky, adicionando alguns pareceres. O perigo de golpe não pode ser totalmente descartado. A insanidade dos golpista ultrapassa as linhas da razão. Ouso listar alguns pré requisitos para o sucesso do golpe. Primeiro, apoio maciço popular; segundo, disposição das Forças Armadas; terceiro, apoio internacional.Agora vejamos: Bolsonaro não dispõe mais desse apoio; no segundo, as Forças Armadas está dividida quanto ao golpe, salvo os militares que fazem parte da estafe governamental; terceiro, Bolsonaro, está com índice de isolamento internacional fortemente acentuado. E, acrescentaria mais. A crescente comissão Parlamentar americana pós mais uma pedra no caminho dos golpistas.

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