Marcela Villar e Hugo Barbosa, especiais para o Estadão
A menos de três meses das eleições e com a
recente onda de ataques ao sistema eletrônico de votação, há no Brasil a
possibilidade de acontecer um episódio semelhante à invasão ao Capitólio, em
Washington, nos Estados Unidos, quando apoiadores do ex-presidente Donald Trump
ocuparam o Congresso daquele país em janeiro de 2021, após o republicano não
ser reeleito. O alerta é do cientista político americano Steven Levitsky, autor
do best-seller ‘Como as democracias morrem’. “Bolsonaro parece ter se inspirado
no 6 de janeiro”, avalia Levitsky ao Estadão.
De acordo com Levitsky, que também é
professor de política em Harvard, construir uma grande coalizão, que envolva
partidos de diferentes posicionamentos ideológicos, é fundamental para derrotar
autoritários e evitar que a eleição brasileira seja subvertida. “A melhor
maneira de fazer isso é por meio de uma ampla coalizão que inclua forças de
esquerda, centro e direita”, analisa.
Confira a seguir a íntegra a entrevista concedida ao Estadão.
ESTADÃO: Como o senhor avalia o
cenário atual do Brasil a poucos meses da eleição?
STEVEN LEVITSKY: É uma situação
incerta, porque como a gente viu nos Estados Unidos, quando tem um presidente
que não é comprometido com a democracia, há risco de crise. O presidente
Bolsonaro pode se recusar a aceitar a derrota. Ele pode tentar subverter a
eleição.
ESTADÃO: A democracia no Brasil está
em risco? Existe a real chance de “autogolpe” ?
STEVEN LEVITSKY: Sim, claro. Sempre
que você elege um presidente autoritário, a democracia está em risco. Vimos
isso nos Estados Unidos, e o mesmo acontece no Brasil. Então, há uma chance
real de um autogolpe. Não acho muito provável, e acho que se Bolsonaro tentasse
provavelmente falharia (como Trump), mas o risco é real.
ESTADÃO: Na sua avaliação existe a
possibilidade de acontecer um episódio semelhante à invasão do Capitólio no
Brasil?
STEVEN LEVITSKY: Sim. Na verdade,
Bolsonaro parece ter se inspirado em 6 de janeiro. Para ter sucesso onde Trump
falhou, no entanto, ele precisaria de cooperação militar.
ESTADÃO: Assim como nos EUA, a
integridade e segurança do sistema eleitoral brasileiro também estão sendo
questionadas. Como as instituições podem proteger o sistema democrático contra
esses ataques?
STEVEN LEVITSKY: O Brasil tem um
sistema eleitoral muito bom, mais sofisticado e seguro que o dos Estados
Unidos. Não há muito o que fazer quando alguém como Trump ou Bolsonaro tentam
mentir descaradamente para enfraquecer a confiança no sistema. O mais
importante é que os democratas no Brasil, de direita e de esquerda, defendam
vigorosamente a democracia.
ESTADÃO: O quão importante é uma
política de coalizão em casos em que a democracia está em risco? Por que
acredita que a coalizão não funcionou aqui?
STEVEN LEVITSKY: A melhor maneira de
derrotar uma figura ou partido autoritário é isolá-los, para derrotá-los
politicamente, incluindo forças da esquerda, centro e direita. Não há garantia,
mas há uma melhor chance de sucesso. Neste caso, o melhor caminho para
assegurar que Bolsonaro não subverta a eleição ou acarrete uma crise como Trump
fez é fazê-lo perder massivamente no primeiro turno. Isso pode acontecer se
todas as forças políticas do Brasil se alinhassem contra ele. O motivo disso
raramente acontecer, inclusive nos Estados Unidos, é que, infelizmente, a
maioria dos políticos coloca seus interesses de curto prazo acima da defesa da
democracia. Eles dizem que apoiam a democracia, mas não querem se sacrificar
politicamente para defendê-la.
ESTADÃO: Na avaliação do senhor, as
instituições no Brasil têm agido à altura com relação às ameaças à democracia?
STEVEN LEVITSKY: Eu diria que até
agora as instituições do Brasil tiveram um desempenho muito bom. Não perfeito,
é claro, mas até agora eles resistiram amplamente aos ataques de Bolsonaro. Uma
instituição crítica, no entanto, continua sendo as forças armadas e o controle
civil sobre ela. Isso enfraqueceu nos últimos anos, e a sobrevivência
democrática do Brasil dependerá disso.
ESTADÃO: Como o senhor avalia o
comportamento das Forças Armadas brasileiras neste ano eleitoral ?
STEVEN LEVITSKY: As forças armadas
brasileiras entraram muito na política nos últimos anos – o julgamento de Lula
foi um exemplo flagrante. E muitos oficiais estavam muito próximos do governo
Bolsonaro. Mas até agora, o comando das Forças Armadas parece não cooperar com
uma aventura autoritária liderada por Bolsonaro. Os generais mergulharam na
política, o que é ruim, mas eles não parecem querer entrar de cabeça.
ESTADÃO: O senhor utiliza o termo ”
jogo duro constitucional” para designar o uso das instituições como armas
políticas contra oponentes. Para o senhor o Bolsonaro está utilizando as
instituições dessa maneira ?
STEVEN LEVITSKY: Eu usaria o jogo duro
constitucional para descrever alguns dos comportamentos da direita anti-PT
antes de Bolsonaro chegar ao poder. Mais no caso da condenação de Lula. Toda a
centro-direita no caso do impeachment de Dilma. Bolsonaro certamente empregou,
ou tentou empregar, o jogo duro constitucional, mas na maioria das vezes ele
não tem habilidade política ou alianças para realizá-lo com sucesso. Com
Bolsonaro, me preocupo mais com o autoritarismo antiquado – coisas como golpes
e violência. Não há nada de “constitucional” nisso.
ESTADÃO: Em “Como as democracias
morrem” o senhor apresenta quatro indicadores para um comportamento
autoritário. Em quais Bolsonaro se encaixa?
STEVEN LEVITSKY: Ele se encaixa em
todos eles e tem se encaixado por vários anos. Ele tem abraçado abertamente um
comportamento antidemocrático, tolerado violência e, cotidianamente, falhado em
reconhecer a legitimidade de seus oponentes de esquerda. Assim como Trump,
Bolsonaro é um fácil de reconhecer como autoritário. Ele não se esforça em
esconder.
ESTADÃO: Qual a percepção da
comunidade internacional em relação à instabilidade democrática e às eleições
no Brasil?
STEVEN LEVITSKY: O Brasil é um grande país. Não sei se uma resposta internacional vai importar muito. Obviamente que é bom que Trump não esteja mais no poder nos Estados Unidos, então a administração de Biden iria se opor à aventura autoritária de Bolsonaro. Mas, a defesa da democracia brasileira está nas mãos dos brasileiros.
Concordo com o senhor Steven Levitsky, adicionando alguns pareceres. O perigo de golpe não pode ser totalmente descartado. A insanidade dos golpista ultrapassa as linhas da razão. Ouso listar alguns pré requisitos para o sucesso do golpe. Primeiro, apoio maciço popular; segundo, disposição das Forças Armadas; terceiro, apoio internacional.Agora vejamos: Bolsonaro não dispõe mais desse apoio; no segundo, as Forças Armadas está dividida quanto ao golpe, salvo os militares que fazem parte da estafe governamental; terceiro, Bolsonaro, está com índice de isolamento internacional fortemente acentuado. E, acrescentaria mais. A crescente comissão Parlamentar americana pós mais uma pedra no caminho dos golpistas.
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