Folha de S. Paulo
Insistir no impeachment de Bolsonaro seria
o único caminho decente para a democracia
Atônitos, os embaixadores assistiram a um
espetáculo singular. Bolsonaro, chefe de Estado, comportou-se como líder de uma
seita extremista (de direita ou esquerda) denunciando
perseguições eleitorais conduzidas contra ele por um Estado maléfico.
Na sequência, o evento foi alvo de diversas
notas críticas assinadas pelo presidente do Senado e pelos demais candidatos
presidenciais. Nenhuma delas cravou a expressão precisa: crime de
responsabilidade. Nossa democracia cambaleia.
Debati,
em 2018, na Casa Folha da Flip,
com o intelectual petista André Singer. O
impeachment de Dilma ocorrera menos de dois anos antes e Lula encontrava-se
preso. Singer sustentou a ideia de que o lulismo esgotava-se numa crise
profunda. Discordei, argumentando que o lulismo seguia como alternativa viável
de poder. Depois, concordei com a avaliação dele de que repetidos impeachments
enfraquecem a democracia.
Acertei ao discordar; errei ao concordar. No fundo, o dilema abstrato não faz sentido. Impeachment é uma das últimas linhas de defesa da democracia: a faca grosseira que, cortando o abuso de poder presidencial, preserva o império da lei. O Congresso nunca avançou rumo ao necessário impeachment de Bolsonaro porque foi comprado pelo orçamento secreto.
O governo Bolsonaro obteve, por via legal,
o que o governo Lula não conseguiu pelas vias ilegais do mensalão e do
petrolão. Apavorado pelo espectro do impeachment, o atual presidente renunciou
à sua prerrogativa de gerir o orçamento, entregando-o
como butim aos parlamentares. É uma estratégia coerente, no caso de um
presidente engajado exclusivamente no sonho insano de subverter o regime
democrático.
Lula jamais faria algo semelhante, pois
acalentava, além de um projeto de poder, um programa político e econômico. No
caso dele, a aquisição de maioria parlamentar por vias corruptas destinava-se,
precisamente, a eliminar os contrapesos parlamentares constitucionais à
prerrogativa presidencial de gerir o orçamento público.
Quantos crimes
de responsabilidade Bolsonaro já cometeu? O criminoso serial atingiu um
ápice no seu comício para os embaixadores. Ali, em evento oficial, diante de
representantes de dezenas de Estados, o presidente atacou a imagem de uma
instituição basilar da democracia brasileira. O nome correto disso é traição à
pátria. Mas tudo terminou na célebre pizza —e nem mesmo a oposição de esquerda
ergueu a voz para clamar pelo impeachment.
A maioria parlamentar, que não é
bolsonarista, comporta-se segundo as regras da transação consumada pelo
orçamento secreto. Já a minoria lulista reprime o grito de crime de
responsabilidade por cálculo eleitoral: a preferência de Lula pelo embate nas
urnas com um presidente incapaz de se reeleger. Não por acaso, zombando do
império da lei, maioria
e minoria aprovaram juntas a PEC Kamikaze.
O Congresso dorme no recesso parlamentar?
Não há votos suficientes para abrir o processo de impeachment? Arthur Lira,
militante fiel de Bolsonaro, converteu a Câmara num corpo inerte? Mesmo sem
chance de êxito, insistir no impeachment seria o único caminho decente —e, de
quebra, imporia ao presidente subversivo a carga de fazer campanha à sombra da
acusação de crime de responsabilidade.
No rastro do patético comício aos
embaixadores, partidos
de esquerda solicitaram ao STF abertura de inquérito sobre a ofensiva
presidencial contra as instituições. Tenta-se solucionar um problema de
natureza política pela ação dos tribunais. A democracia cambaleia porque o
Congresso desistiu de cumprir seu papel, transferindo-o ao Judiciário. Não é
verdade que as instituições funcionam plenamente.
Falta, ao bolsonarismo, a força para implantar um regime autoritário. Mas, que ninguém se engane: a extrema-direita já conseguiu, em apenas um mandato incompleto, devastar a paisagem de nossa democracia.
Os desmamados tiveram início quando um artigo da constituinte permitiu a eleição de militares, cujo movimento democrático convencera a população de os militares teriam que voltar aos quartéis levando ao sacrifício Ulisses Guimarães, na opinião deles "o mentiroso".
ResponderExcluirPor sua vez o judiciário após a prisão do juíz Nicolau, na opinião deles ainda "Lalau" avançou na ocupação territorial de Brasília em grandes construções tamanha a arrecadação fiscal anual na cifra de mais ou menos 6 tri.
As vitórias de Lula ainda sindicalista nada mais foi que um pretexto para a confusão mental "lavagem cerebral" por que passamos nos dias atuais com um percentual avançado de militares em alta patente com mandatos na Câmara dos Deputados, daí a poucos passos de uma outra revolução ditatorial que mantem as pessoas de baixa renda empilhadas com grandes despesas nos prédios que chamam de luxuosos nas Metrópoles enquanto vendem as grandes terras aos estrangeiros para moradia e exploração pecuária, florestal e minérios .Mas, eu ainda prefiro acreditar no Renascimento do Brasil.
Nosso país é inexplicável, nós
ResponderExcluirbrasileiros também. Dizia o saudoso Paulo Francis que todo país cuja temperatura é quente seria disfuncional e os de temperatura fria o ideal. O que explica a natureza displicente do Brasileiro? Ou não vivem para comer tal qual os Portugueses? No país bananeira Tiradentes a exceção
A alta temperatura do País deixou o brasileiro com o miolo mole,rs.
ResponderExcluirFalta a coragem cívica de um Ulysses ou um Tancredo para repor o Estado de Direito e a dignidade
ResponderExcluirO colunista parece esquecer que o presidente da Câmara tem total autonomia para decidir se coloca pedidos de impeachment em discussão ou não! Mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro seguem ENGAVETADOS pelo presidente da Câmara, sem ser discutidos pelos deputados. O que adiantaria fazer mais um?
ResponderExcluir