quarta-feira, 27 de julho de 2022

Fernando Exman - A hora e a vez da burocracia de Brasília

Valor Econômico

Máquina continuará rodando, seja qual for o resultado da eleição

Simbólica, a reação do funcionalismo público à recente reunião do presidente Jair Bolsonaro com embaixadores foi uma importante resposta institucional à questionável conduta do chefe do Poder Executivo.

Não há registro histórico de que algo parecido tenha ocorrido no saguão do Palácio da Alvorada, desde a inauguração da residência oficial do presidente da República, em 1958. Tanto que governos estrangeiros, sempre resistentes a se intrometer em assuntos internos de outros países, decidiram sair em defesa do sistema eleitoral brasileiro. Os presidentes do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF) também se manifestaram. E chamou atenção o que ocorreu na sequência, quando diversas categorias do funcionalismo divulgaram uma nota conjunta para repudiar os discursos que buscam desqualificar a lisura do processo eleitoral nacional e as urnas eletrônicas.

Nos bastidores, comenta-se, a intenção foi dar um claro recado: a burocracia está disposta a manter a máquina rodando normalmente na passagem de 2022 para 2023, caso Bolsonaro perca as eleições e se recuse a conduzir um processo de transição nos últimos meses do ano.

Infelizmente, não é um cenário a ser desprezado. Não se imagina um diálogo propositivo entre representantes dos dois polos que dominam o quadro eleitoral. Mas é preciso ressaltar que se fala, aqui, de cenários.

A eleição segue indefinida. Nas últimas semanas, Bolsonaro colecionou boas notícias. Conseguiu, com a ajuda do Congresso, aprovar a já notória PEC das bondades. E logo começará a colher seus resultados.

A proposta de emenda constitucional viabilizará o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, a criação de um auxílio para caminhoneiros e um benefício para taxistas, além da elevação do valor do vale-gás e um subsídio para idosos no transporte coletivo. O governo também aguarda a importação de diesel russo e manutenção da tendência de desaceleração da inflação. Os preços dos combustíveis caem.

Hoje, Bolsonaro pode figurar em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto. Mas o jogo ainda será jogado. Só agora pré-candidatos começam a virar, de fato, candidatos. A campanha eleitoral começa para valer no dia 16 de agosto. Será curta, intensa e tensa.

Tudo indica que Bolsonaro insistirá nos ataques ao sistema eleitoral e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto isso, caberá às instituições responderem de forma adequada ao presidente. Assim fizeram, na semana passada, os servidores públicos.

Dois casos se destacam. O primeiro é o da Intelis, uma entidade que representa servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A agência participou da criptografia das urnas eletrônicas. “Não há nenhum registro de fraude nas urnas eletrônicas desde a implantação do atual sistema”, ressaltou.

Além deles, delegados e peritos da Polícia Federal saíram em defesa das urnas. Isso é relevante porque representantes da PF têm participado continuamente dos testes públicos de segurança promovidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Até agora, não apontaram falhas no sistema.

Mas não foram só estas categorias. O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), composto por 36 entidades que representam mais de 200 mil servidores públicos, também se posicionou. Por meio de nota, repudiou as falas que buscam desqualificar a lisura do processo eleitoral brasileiro e as urnas eletrônicas.

Não é pouca coisa. Fazem parte dessa lista, por exemplo: analistas de comércio exterior, peritos criminais, diplomatas, servidores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defensores públicos, advogados públicos federais, gestores, auditores fiscais agropecuários, auditores da Receita Federal, especialistas em Planejamento e Orçamento, auditores de tribunais de contas, auditores de controle interno, servidores de agências reguladoras, fiscais do trabalho, funcionários do Banco Central, servidores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Superintendência de Seguros Privados (Susep), além de procuradores da Fazenda Nacional.

É o que se espera de funcionários de Estado, profissionais vocacionados a servir todos os governos da mesma forma.

Nos últimos anos, aliás, diversos servidores fugiram desta regra. Pediram licença por se recusarem a contribuir com um governo do qual discordavam. Estes deveriam ter pedido desligamento do serviço público de forma definitiva, abrindo caminho para quem estivesse disposto a trabalhar. Acabaram por dar certa razão àqueles que apontavam a existência de núcleos dentro do Estado trabalhando contra - ou atrapalhando - a atual administração.

Os que tocaram a vida demonstraram o lado positivo de se ter uma burocracia profissional. Ou, como falou-se em Brasília, servidores que se enquadram na visão “weberiana” de burocracia.

Max Weber, pensador alemão nascido no século 19, dizia, por exemplo, que o pré-requisito de uma organização burocrática é a existência de regras às quais estão vinculados os detentores de poder, o aparelho administrativo e os governados. Além disso, prossegue, as determinações só são legítimas na medida em que quem as emite não ultrapassa a ordem jurídica impessoal vigente.

O tipo ideal de burocracia tem tarefas orientadas por normas escritas, sistematização da divisão do trabalho, cargos estabelecidos de forma hierarquizada, regras e normas técnicas fixadas para o desempenho de cada cargo e seleção de pessoal feita por meio de um sistema de mérito. Espera-se de uma máquina pública profissional, também, a previsibilidade do comportamento dos profissionais que a integram.

São estas as características, segundo a teoria, que garantiriam à oposição uma eventual retomada do poder de forma republicana e o mais organizada possível. Isso, claro, dependendo do resultado da eleição.

 

 

 

 

 

 

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