quarta-feira, 13 de julho de 2022

Fernando Exman: Legado de vulgarização das regras fiscais

Valor Econômico

PEC facilita caminho para novo estado de calamidade em janeiro

Calcula-se, na oposição, que a chamada PEC das bondades terá um efeito positivo de aproximadamente 0,2 ponto percentual no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022. Não é algo desprezível para uma medida adotada às pressas, por razões eleitoreiras, e que durará poucos meses.

De posse dessa projeção, avalia-se no PT que a sua promulgação inevitavelmente dará fôlego ao presidente Jair Bolsonaro (PL), o que tende a reduzir a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas e levar a disputa para o segundo turno. Atualmente, a estimativa da equipe econômica é de uma alta do PIB de 1,5%. O mercado já elevou suas expectativas e o governo deve segui-lo em breve, conforme revelou o repórter Estevão Taiar, do Valor.

Mas aliados de Lula também estão atentos aos efeitos de longo prazo da PEC. E estes podem não ser tão danosos para o PT, em caso de uma vitória do ex-presidente.

Eles miram o dia seguinte à proclamação do resultado do pleito de outubro. Como acreditam que sairão vencedores das urnas, a PEC também lhes abre a possibilidade de tentar manter o Auxílio Brasil em R$ 600 - ou até ampliá-lo - sem grandes resistências no Congresso.

A um custo de cerca de R$ 41,2 bilhões, a PEC viabilizará a distribuição, até o fim do ano, de uma série de benefícios. Uma lista capaz de alterar, sim, a dinâmica do jogo eleitoral: a proposta aumenta o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, cria um auxílio de R$ 1 mil para caminhoneiros e um pagamento de valor ainda indefinido para taxistas, dobra o valor do vale-gás e destina R$ 2,5 bilhões para subsidiar a gratuidade de idosos no transporte coletivo.

Ela atropela a regra de ouro, o teto de gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Faz jus aos apelidos que recebeu.

Além de PEC das bondades, há quem a chame de PEC das eleições. Poderia ser “PEC da Emergência Eleitoral” - e isso não por causa do estado de emergência que ela prevê, o qual é bem discutível e pode gerar um precedente perigoso. Mas, em razão da pressa com a qual a maioria do Congresso a tratou devido às dificuldades eleitorais enfrentadas por Bolsonaro neste período de pré-campanha.

Alguns a classificam de “kamikaze”, em função do explosivo impacto fiscal que carrega em seu texto. Neste caso, o problema é que dificilmente este efeito se resumirá a 2022. É improvável que no ano que vem o chefe do Executivo, seja ele novamente Jair Bolsonaro ou outro pré-candidato a presidente, tenha condições políticas para reduzir o valor do Auxílio Brasil.

Durante os debates na Câmara, deputados da oposição já deram algumas pistas do que pode estar no horizonte, caso Lula seja eleito. Um deles afirmou que a vigência da PEC pode ser ampliada rapidamente para além de 31 de dezembro. Outros defenderam um novo aumento do valor do auxílio, que com a PEC passa de R$ 400 para R$ 600.

Na Câmara, até que a proposta enfrenta resistências. Em parte, porque a própria base governista não se mobilizou na semana passada. Mas, ali, a oposição tem sido mais aguerrida e faz tudo o que pode para retirar o “estado de emergência” do texto.

Algo diferente do que se viu no Senado, onde nem mesmo a oposição votou contra a proposta. Ao pensarem nas campanhas em seus Estados, muitos parlamentares acabaram abrindo caminho para uma vitória acachapante do governo.

A exceção foi José Serra (PSDB-SP), que alertou para o risco de se enfraquecer o processo legislativo e orçamentário em busca de soluções imediatistas e cujos efeitos podem não ser os previstos. “Os efeitos econômicos da perda de credibilidade fiscal podem solapar os ganhos pretendidos com a medida. Inflação e juros empobrecem o país que trata a Constituição como se fosse um documento qualquer”, afirmou na ocasião.

Ele está certo. A emenda subverte a hierarquia das leis, princípio conhecido por qualquer estudante de Direito.

Mudou-se a Constituição Federal para adequá-la às regas eleitorais. Uma espécie de criatividade legislativa.

Isso porque, em seu artigo 73, a Lei das Eleições estabelece que em ano de disputa “fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa”. Ocorre, porém, que na Constituição até então não estava prevista a figura do “estado de emergência”.

A Carta já previa os estados de defesa e de sítio. O primeiro pode ser utilizado para restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. E o estado de sítio, por sua vez, é decretado quando o estado de defesa não resolve a situação, se houver declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

Não é o caso. É inegável que o Brasil sente os efeitos da guerra na Ucrânia, mas o conflito ocorre a milhares de quilômetros de distância. Também é indiscutível que a crise resultante da pandemia de covid-19 aumentou o número de brasileiros com rendimento abaixo da linha de pobreza.

O governo, contudo, demorou a agir e agora busca meios para assegurar a legalidade na liberação desses recursos.

Depois de promulgada, a proposta de emenda à Constituição pode até dar mais segurança jurídica para quem assinar a papelada necessária para a destinação desses benefícios. Por outro lado, a PEC terá como pernicioso legado mais uma afronta às regras fiscais. É tudo o que pode querer quem pretende declarar um novo estado de emergência ou de calamidade em janeiro de 2023, independentemente de qual lado vencer a eleição presidencial.

 

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