O Estado de S. Paulo
Só resta tentativa de golpe para conquistar pela força o que foi perdido em empatia e credibilidade. Missão quase impossível, nos tempos modernos
No momento em que os partidos preparam
convenções, o que se espera dos candidatos são discursos sobre seu projeto de
governo e o otimismo sobre a possibilidade de vitória.
Bolsonaro está na contramão. Ele reuniu
embaixadores no Palácio da Alvorada para fazer um discurso de perdedor,
levantando uma série de dúvidas sobre o sistema eleitoral, já amplamente
respondidas.
Na verdade, Bolsonaro violentou os fatos
muitas vezes. Usou indevidamente um inquérito da Polícia Federal para concluir o
que não está nele: a possibilidade de alterar nomes e votos. Mencionou o
questionamento do PSDB ao resultado das eleições, sem admitir que o partido
ficou satisfeito com a resposta. Afirmou que o sistema não é auditável, quando
este é um dos seus atributos, ao lado da segurança e da transparência.
Bolsonaro reuniu os embaixadores para caluniar o sistema eleitoral e alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). É algo que deveria ser punido pelas leis brasileiras, porque isso foi, inclusive, realizado num prédio público e tinha objetivos eleitorais.
É uma contradição dizer que Bolsonaro fez
um discurso de perdedor e tinha objetivos eleitorais. Ocorre que a contradição
está no seu próprio comportamento.
Um dos objetivos de Bolsonaro é preparar o
campo para resistir ao resultado das eleições e tentar um golpe de Estado, no
estilo de Trump e sua invasão do Capitólio.
Há dois problemas no caminho. O primeiro
deles é que pode perder feio nas eleições e a própria dúvida sobre as urnas
eletrônicas não terá crédito. O segundo deles é anunciar com muita antecedência
o golpe de Estado, dando tempo à sociedade para se preparar e neutralizá-lo.
Por outro lado, Bolsonaro fala tanto em
golpe que parece ter anestesiado a sociedade. Tornou-se natural uma
manifestação como esta diante dos embaixadores. Os próprios políticos, todos
eleitos por meio das urnas eletrônicas, estão parcialmente silenciosos.
Isso fala muito sobre sua inteligência.
Parecem não ter compreendido ainda que, se Bolsonaro tenta invalidar as
eleições, eles também, os eleitos, serão levados na tempestade de dúvidas.
Todos os que foram eleitos por meio de
urnas eletrônicas deveriam se manifestar quando Bolsonaro afirma as
barbaridades que pronunciou diante dos embaixadores. Afinal, até sua
legitimidade no momento está sendo questionada.
Infelizmente, Bolsonaro está arrastando no
seu projeto insano o próprio ministro da Defesa e, possivelmente, uma fração
das Forças Armadas.
Os militares viram muitas eleições no
Brasil, desde o processo de democratização. Num momento da trajetória, as
eleições tornaram-se eletrônicas e desde então foram assim. Nunca foram
contestadas pelos militares, exceto agora, por alguns deles. Como dizia o
criminoso de Foz do Iguaçu, aqui é Bolsonaro, logo, a faculdade de pensar sofre
um grande abalo.
O fato de Bolsonaro se comportar como um
perdedor e caminhar para a derrota não significa um futuro confortável. Em
primeiro lugar, será necessário um grande esforço para neutralizar o golpe,
punir responsáveis. Só aí, então, será possível tratar com mais calma aqueles
temas que dominam uma eleição democrática: que políticas aplicar para a
retomada da economia, a superação da fome, a preservação do meio ambiente, o
salto de qualidade na educação, a recuperação da credibilidade internacional.
O fato de Bolsonaro ter anunciado seu golpe
e encarnado o perdedor facilita, mas não resolve o problema da resistência. A
começar pelas instituições, o País inteiro precisa reagir, preparando-se para
garantir o resultado eleitoral.
Bolsonaro diante dos embaixadores realizava
uma tarefa impossível: tentar convencer governos de que o sistema eleitoral é
inutilizável.
Os países já têm informação adequada sobre
isso.
Uma outra batalha diz respeito à opinião
pública internacional. Certamente, Bolsonaro já a perdeu. Mas, ainda assim, é
necessário que todos os brasileiros no exterior se manifestem, escrevam para
jornais, mobilizem amigos e conhecidos, preparem a resistência, porque ela será
fundamental para combater a tendência à timidez dos governos em momentos como
este.
Bolsonaro, ao falar com os embaixadores,
ligou na verdade o sinal amarelo. Será, de certa forma, uma grande
incompetência se a sociedade brasileira não se preparar adequadamente para um
golpe anunciado por um líder com algumas deficiências cognitivas e uma
extrema-direita a quem o poder serviu apenas para mostrar sua incapacidade
radical de governar o País.
É muito raro um governante começar mal nas
pesquisas. Significa que ele já foi julgado pelo seu trabalho. Por mais
pedaladas que dê – e a chamada PEC das eleições foi uma das maiores da história
–, será difícil de sepultar esse julgamento formado ao longo de quase quatro
anos, com uma epidemia no meio, crise econômica, fome, desemprego e misoginia
num país em que a maioria do eleitorado é feminina.
Só resta uma tentativa de golpe para conquistar pela força o que foi perdido em empatia e credibilidade. Missão quase impossível, nos tempos modernos.
Tomara que seja impossível mesmo.
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