Valor Econômico
É
assustador que o Brasil se veja na perspectiva de ter que contar com a inflação
para financiar as contas públicas
A
aprovação pelo Congresso Nacional - com amplíssima maioria - da PEC que
autoriza a realização de gastos com benefícios que podem chegar a R$ 41,5
bilhões, por fora das regras fiscais, e a menos de cem dias das eleições, expõe
um consenso maligno da elite política - de todo o arco ideológico - para
destruir o que resta das regras fiscais, num flagrante desprezo pelas
potenciais consequências devastadoras que esse tipo de medida pode trazer para
a sociedade brasileira.
Impressiona a facilidade com que o Congresso Nacional banaliza as regras constitucionais, alterando-as a seu bel prazer apenas para atender a necessidades eleitorais imediatas, em um ataque de populismo barato que não se via há muito tempo na República. Vale dizer que o estrago já havia começado antes, no ano passado, com a PEC dos precatórios, que, por iniciativa do Executivo, institucionalizou o calote parcial dessas dívidas do governo para abrir espaço para novos gastos com benefícios, além de mudanças oportunistas no cálculo do próprio teto de gastos. Como se vê, os parlamentares não perderam tempo para seguir o Executivo na meticulosa tarefa de destruir uma a uma as regras fiscais.
Não
deixa de ser irônico que o quadro atual de farra fiscal se dê num país que há
menos de dez anos decidiu pelo ato extremo do impeachment da Presidente da
República por causa da chamada contabilidade criativa. Mais criativo com as
contas públicas do que o atual Congresso e o governo Bolsonaro certamente o
governo de Dilma Roussef não foi.
Os
efeitos negativos do desmonte do teto de gastos e de outras medidas de
ampliação permanente ou temporária dos gastos públicos têm sido obscurecidos
pela melhora conjuntural das contas públicas que se deve principalmente à
aceleração da inflação que eleva a arrecadação e reduz os gastos reais, tendo
em vista a não correção dos salários dos servidores federais. Contudo, é
assustador que, após 28 anos do Plano Real, o Brasil se veja na perspectiva de
ter que contar com a inflação para financiar as contas públicas, deixando
enraizar de novo um processo inflacionário inercial que levaria o País de volta
aos tenebrosos anos da hiperinflação.
Como
diria o Conselheiro Acácio, as consequências sempre vêm depois. A parcela da
sociedade que mais sofre e continuará sofrendo com o populismo fiscal são os
mais pobres e vulneráveis, que arcarão com os custos da inflação (sempre um
imposto sobre os mais pobres) e do menor crescimento do produto e do emprego. O
populismo é sempre um presente de grego que engana a sociedade durante um
tempo, mas que, logo em seguida, cobra um elevadíssimo preço, agravando a
miséria e a desigualdade.
Contudo,
não foi necessário esperar muito para se observar os resultados negativos das
medidas que fragilizam as contas públicas. Assim que a aprovação da citada PEC
se tornou uma possibilidade concreta, os mercados financeiros já começaram a
reagir, elevando os juros de longo prazo e depreciando a moeda brasileira. No
momento em que o Banco Central tem subido os juros básicos para combater a
inflação a “novidade” trazida pelo Congresso torna-se mais um obstáculo para a
Autoridade Monetária, que se vê na contingência de elevar os juros ainda mais
do que cogitava anteriormente.
Além
da destruição das regras fiscais, a PEC mencionada é de péssima qualidade no
tange a destinação dos recursos públicos por ela facilitada. Como notou em
recente relatório a Instituição Fiscal Independente do Senado Federal (IFI), o
reajuste de 50% no valor do benefício do Auxílio Brasil carece de estimativas e
estudos para justificar tal aumento. O argumento de que se destina a compensar
a inflação é falaciosa, pois, como observou a IFI, a inflação pelo INPC nos
últimos 12 meses foi de 11,9% e, pior ainda, se fosse para compensar a inflação
essa majoração não seria temporária, pois é pouco plausível que até o final do
ano terá havido uma deflação grande o suficiente para restaurar o poder de
compra do benefício.
Mais
absurdo ainda são as transferências previstas para caminhoneiros e taxistas.
Não resolvem o problema desses profissionais e são nitidamente regressivas,
deixando de direcionar recursos para programas que poderiam impactar
positivamente as famílias mais pobres. O reforço do programa do auxílio para a
compra de gás é mais meritório, porém seu financiamento deveria vir de fontes
ordinárias do orçamento e incluído no teto de gastos.
Para
piorar uma situação que já é ruim, o Congresso Nacional usa e abusa das
chamadas “emendas do relator” para atender a demandas paroquiais frequentemente
à margem dos mecanismos ordinários de controle da execução do orçamento
público, criando de fato um “orçamento paralelo”.
Esse
jeitinho brasileiro de sair do orçamento autorizativo para um de execução
mandatória levou à expansão da despesa pública para além do que seria
suportável pelo teto de gastos, além de ressuscitar as piores práticas no que
diz respeito à alocação de recursos públicos.
Nisso
também, todo o espectro político - com raras exceções - apoia a violação de
princípios basilares do orçamento público, como demonstra a noticiada
movimentação de deputados petistas para a manutenção das emendas do relator em
exercícios futuros.
*Gustavo
Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é
sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
É um festival de lambança generalizada.
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