Folha de S. Paulo
Qual valor abaixo do qual os casos de
corrupção não devem nos preocupar?
Embalado pela prisão de Milton Ribeiro, escrevi na semana passada uma coluna sobre a corrupção no entorno de Jair Bolsonaro. Vários leitores me recriminaram por não ter feito uma comparação entre os valores que teriam sido desviados na atual gestão e os surrupiados sob a administração petista. De fato, não me debrucei sobre o problema. Até onde é possível analisar, o esquema do petrolão era mais amplo e sofisticado e deve ter resultado em montantes maiores. A proverbial incompetência do governo Bolsonaro vale também para a corrupção.
Não é esse, porém, o ponto que me parece
mais interessante. Podemos criticar a corrupção tanto pelo aspecto moral como
pelo pragmático. Sob o primeiro critério, valores são irrelevantes. Vale
lembrar que uma prostituta que cobre R$ 1 milhão pelo programa não é
ontologicamente diferente de uma que cobre R$ 100. Quem discorda dessa
avaliação precisa apontar qual é o valor abaixo do qual casos de corrupção
envolvendo presidentes e seus familiares não precisam nos preocupar. R$ 100
mil? R$ 1 milhão?
Do ponto de vista pragmático, cifras não
chegam a ser desimportantes, mas tampouco são a história toda. É claro que cada
centavo de dinheiro público que vai indevidamente parar em bolsos privados é um
centavo a menos em saúde, educação e outros serviços relevantes.
A questão é que o montante desviado é só
uma parte —e não a maior— dos males causados pela corrupção. Ela também
perverte a lógica dos investimentos. Você faz a melhoria A na escola B não
porque é dela que a população mais precisa no momento, mas porque esse é o
interesse do clérigo C que entrou em conluio com o político D. Paga-se caro por
coisas de que não há necessidade. É difícil calcular o custo dessas
oportunidades perdidas, mas ele é enorme.
Em qualquer caso, não penso que o princípio da insignificância se aplique a altas autoridades metidas com corrupção.
O atual governo é tão ruim que a corrupção passou a ter uma importância irrelevante.
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